terça-feira, 23 de junho de 2015

O Imã e a Diáspora (com decoração)

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Escorre o sangue dourado,
Até à fôrma que molda a consciência,
As medalhas de ouro para a complacência,
Premiam a impostura do homem curvado,
O ouro digno do Povo foi ao povo roubado,
Para condecorar traidores e a aparência,
Parece de ouro o condecorado,
    Ouro vendido em evidência!...

Nada sobrevive no deserto de cada um,
A dignidade prostrada é postura comum,
A terra está lisa até à curva mais áspera,
Do coração já não é extraído ouro algum,
Sangue dos povos fez de ouro a diáspora,
     Há ouro no peito do patriotismo nenhum!...

Imãs desconhecidos,
Com dois polos de atração,
Repelem pobres de outra nação,
Atraem ricos estrangeiros engrandecidos,
E logo que seus sonhos sejam interrompidos,
     Já a pobreza lhes provoca um efeito de repulsão!...

Espalharam-se por caridade e casamentos,
O imã tem dois polos de intenção igual,
Um polo corrompe os pensamentos,
E antes dos justos julgamentos,
      Condecora-se o traído Portugal!...
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quinta-feira, 18 de junho de 2015

A Terra que nos Preenche (Tráfico)


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Assassinados!...
Á facada,
Por envenenamento,
Á pedrada,
Por enforcamento,
Por consentimento,
Por nada!...

Estranho mundo de engravatados,
Estranhos olhos em cada gravata,
Cegos pela indiferença dos atados,
Atidos à riqueza que, nunca farta,
Têm nas mãos o que muito mata,
Poder sobre os apoderados,
Donos de muitas vidas…
    Vidas incumpridas,
Dos raptados,
Dos vendados,
Vendidos e vendidas,
Por bandidos e bandidas,
Por senhores acima de qualquer suspeita,
Os suspeitos do costume e a Lei por eles feita,
A angústia de nada saber e o tormento,
Uma nesga de luz muito estreita,
O apagar da esperança desfeita,
O esmagamento,
A inocência que com as trevas se deita,
Inocência que não dorme, por muito que tente,
O pesadelo do medo desperto,
O extenuante despertar,
A morte,
Talvez a morte,
E a morte bem viva de frente,
A vida na vida de quem a vida não sente,
Um desejo de morrer muito forte,
A morte proibida,
De uma criança perdida,
Que, ainda sem o saber,
Seria, um dia, proibida de viver,
Vivendo na humanidade esquecida,
Esquecida dos dias com amanhecer,
Pesadelo nas noites dos despojados,
     E nem as preces as deixam morrer!...

Na terra que nos preenche com uma estranha altivez,
Onde enterramos a humanidade de nossa consciência,
Brinca uma criança com o seu sorriso e a sua inocência,
Há um silêncio que a vai cercando revestido de placidez,
Na terra que nos preenche cresce em silêncio a mudez,
Entre a serenidade e a indiferença, acontece a ausência,
Perdemos a memória e não recordamos sorrisos, talvez,
Da terra que nos preenche vai germinando a indecência,
     Cresce na terra que nos preenche, a terra por nossa vez!...

Mundo Mudo,
A Vida por nada,
     A morte por tudo!...
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terça-feira, 2 de junho de 2015

Surfar das Giestas (contramão)


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Navegando à flor do alcatrão,
Longe da fresca espuma do mar,
Conto quilômetros queimados no ar,
Vão ficando para trás as cores da razão,
Uma surfista rasga as flores só por diversão
Enfrenta o amarelo da berma que a vai rasgar;
Há giestas que ninguém vê engolidas pelo mar,
O giestal amarelo enegrece-se no coração,
    Uma giesta caída deixou de surfar!...

O mar pediu à onda e ao vento,
Que levasse a brancura da espuma,
Dissipa-se a espuma no pensamento,
Espumam as flores amarelas na bruma,
É volátil a maresia envolvida no momento,
É tão suave a gasolina em volátil movimento,
    O mar tinge-se de vermelho e se esfuma!...

Ficaram para trás as cores da razão,
Há giestas a surfar num florir violento,
    Conduzidas por giestas em contramão!...
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quarta-feira, 13 de maio de 2015

Exclusão do Olhar


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Dentro de si,
O sangue corre fora de ti,
Arrefece os caminhos para o peito,
Excluíste do teu coração, o calor e o respeito,
Exclusão que dentro dos excluídos eu vi,
     Incluída fora do pensamento desfeito!...

Vejo-te viver sem qualquer razão,
Respiras caminhos que não sentes,
Vejo-te viver em anuente exclusão,
Há um caminho ao qual tu mentes,
Vejo-te viver sem coração!...

Só vês caminhos recalcados,
E te decalcas em passos perdidos,
Apenas consegues ver objectivos repetidos,
E antes de chegares aos milagres imaginados,
Vais perder-te entre vivos caminhos truncados,
Onde a esperança dos teus olhos desfalecidos,
Pela esperança dos seixos da vida cegados,
    Acaba entre sonhos nunca cumpridos!...

Nunca observaste a vida nos caminhos,
A meta brilhava com uma intensidade maior,
Não viste a exclusão dos que caminhavam sozinhos,
Nunca te deste conta de um caminho melhor,
De todos os caminhos escolheste o pior,
   Caminhar sem sentires os espinhos,
       Nem a flor regada com o teu suor!...

As velas iluminam a triste cegueira,
Os olhos vão derretendo à vista das velas,
Há uma luz divina que, de muito longe, se abeira,
Entre a luz dos olhos e a da alma há uma fronteira,
Ninguém cruza o limite de suas lágrimas singelas,
Enquanto ardem os pecados em cada uma delas,
A cera vai cobrindo uma arrefecida vida inteira,
      Que se derrete à luz das coisas mais belas!...

Um sorriso cheio de luz,
Mães acolhedoras à luz do dia,
A luz que ilumina o caminho da cruz,
Os passos, as Mães, a caminhada macia,
A humildade que não se enfastia,
O Pai e o Pão!...
A partilha e a razão,
O amor que não se esvazia,
Todos os caminhos do coração,
O sangue livre, de uma vida sadia,
Todas as luzes sem ilusão,
A luz nunca tardia,
     Nunca a exclusão!...

    


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sábado, 9 de maio de 2015

51

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…aos 51, deixo de fazer anos,
Já fiz os anos que tinha a fazer,
Dos velhos, restam novos planos,
É tempo de reconhecer os enganos,
E os velhos pecados não vou esquecer,
Dos anos feitos não me vou esconder,
Agora serei mais um dos humanos,
   Que só fará anos… até morrer!...
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segunda-feira, 4 de maio de 2015

Soneto à Portuguesa (Soneto às Putas Honradas)

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Muitas mulheres honradas,
Que sempre desejaram ser putas,
Morreram de desejo, coitadas,
    Com as saias muito curtas!...

Nunca desejaram ser fodidas,
E não sabem se alguém as fodeu,
Foderam a honra de muitas vidas,
   E o homem que filhos lhes deu!...

Anoitecem putas sem o saber,
Dentro delas, amanhecem por fora,
 Sem nunca chegarem a amanhecer;

São, de todos os dias, a aurora,
Putas como sempre quiseram ser,
    As amanhecidas putas, d’agora!...
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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Colheita Perdida


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Mordeste a terra deixada ao abandono,
Cemitério onde enterraste teus dentes,
Sonhavas com trabalho, esse teu dono,
O pesadelo de perdê-lo tirou-te o sono,
     Hoje não dormes por muito que tentes!...

Mordeste a terra alheia, tão fértil e pura,
Viste teus dentes caírem a cada dentada,
Mastigaste teu árduo suor da tua agrura,
Semeaste-te em campos de escravatura,
     Colhes a tua raiva dentro de ti enterrada!...

Hoje, ainda vês teus campos reverdecer,
Nos olhos que ainda procuram abastança,
Olhas teu prato onde nada há para comer,
    Vês a desilusão nos pratos da tua balança!...

Semeaste uma desenterrada lembrança,
Teu olhar ainda semeia o que teve de ser,
Esqueceste onde semeaste a esperança,
    Ai, se soubesses onde a esperança colher!...
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domingo, 19 de abril de 2015

Despertar de uma Flor Enganada (A Revolta)








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Pobre pálido idealista,
Com teu verde no chão,
Vermelho até ao coração,
Minha linda flor imprevista,
Intuíram-te numa ideia altruísta,
Para que fosses a flor de uma nação,
O jardim à beira mar sentiu a tua desaparição,
Lembra-se de seres semeada num bolso capitalista,
    E de ver-te crescer nas esnobes lapelas de um ladrão!...
Que fizeram de ti, minha pobre flor?!...
Semearam-te,
Ajudaram-te a crescer na ilusão de um mar imenso de amor,
Convenceram-te que aos cais das despedidas, não voltaria a dor,
   E, depois do idílio, desengano após desengano, foram partindo,
Os poucos que aos poucos foram ficando… violaram-te!!!...
Da tua dignidade violada, os violadores foram rindo,
Ainda lhes imploraste: - Por favor!!...
Tua esperança foi diminuindo,
Amordaçaram-te,
Tua voz foi-se calando a mando do censor,
Os revolucionários libertadores enganaram-te,
E sentiste que se desvanecia o teu alegre rubor,
Ignoraram-te,
Maltrataram-te,
Espezinharam-te,
 Foste abandonada no canto mais austero da Democracia,
Foste murchando com a esperança murchando ao teu redor,
Sentiste que a ilusão da terra lavrada, outrora fértil, esmorecia,
E questionas-te, agora revolucionada pelo teu verde pudor,
Sobre teu caule revolucionário que há muito não se via,
Olhas o jardim onde não estás e só vês a maioria,
Jardins cheios de eleitas maiorias sem valor,
Jardins, por ti eleitos, de eleita tirania,
   Que te fazem vermelho de rancor!...
Uma indescritível história de desamor,
E se palavras houvesse para o descrever,
A vergonha nãos as deixaria dizer,
   E ali ficam contigo, pobre flor!...
Que fizeram de ti?!...
Amaram-te,
Ilustraram-te,
Coloriram-te e serviram-se de ti,
Decoraram o concreto das cortinas de murais,
Deram-te um inesperado emprego e desempregaram-te,
   E as belas cores da igualdade, não voltaram, jamais…
   Abandonaram-te!...
Que quiseram eles de ti?!...
Deram-te à terra e desenterraram-te,
E nem sequer um pingo de chuva aparece,
Nem a chuva, nem um só amigo,
Que partilhe contigo,
A dignidade que uma flor do Povo merece!...
O que fizeram de ti, minha revolucionária flor,
Que, em ti, a revolução floresce,
Liberta-se e cresce?!...
Ignorando a semente, enterraram-te,
Enterrado vivo na terra quase morta, o desconchavo,
Renasces revolução nesta democracia que apodrece,
Revolucionaram-te...
Sem apelo nem agravo,
    Meu vermelho e verde Cravo!...
Despertaram-te!...
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quarta-feira, 15 de abril de 2015

Coisas e Tal... do Fado


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Cantas o que eu canto tão mal,
Com dor na voz de quem canta,
Salgas as vozes do mar com sal,
O mar dói na tua voz, coisa e tal,
    É a voz da tua dor de garganta!...

Deixo navegar esta minha voz,
Nas tuas ondas de mar salgado,
Há este grande rio em todos nós,
Que leva o nosso canto até à foz,
    Coisas e tal do nosso triste fado!...

Canto mal como quem canta,
Canto muito mal mas sou feliz,
Dói-me a voz que não encanta,
Calo a voz que não se espanta,
  Com a tua voz, como quem diz,
     Que diz ser só dor de garganta!...

Continuo eu neste triste canto,
A cantar as dores do nosso mar,
E o doce sal, para meu espanto,
Coisa e tal, cantando, entretanto,
Canta as lágrimas que vai salgar,
   Para fazer doce o nosso pranto!...

Minha voz que continua a doer,
Não se cala à voz que se adianta,
Canta o triste fado sem o saber,
E antes que me mandem foder,
   Digo que é só dor de garganta!...

É grande a dor dos maus fadistas,
Já não cantam as dores de Portugal
Por tanto doer não os levam a mal,
Sentem o fado para dar nas vistas,
    Cantam alheios à dor e coisa e tal!...

Coisa e tal, ponho-me a pensar,
Se eu não podia cantar o fado,
Mesmo sem saber cantar,
  E nunca ter cantado!...
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quinta-feira, 9 de abril de 2015

Leilão dos Corpos


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O corpo tem um preço incerto,
Tão certo quanto a incerteza do seu valor,
Na guerra da carne, vale tudo menos o amor,
A origem das cinzas, está das cinzas muito perto;
Alguns corpos são leiloados no deserto,
Evaporam-se em lanços de calor,
    E gelam de corpo aberto!...

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Retraem-se para o seu próprio desvão,
Trastes dos que querem que trastes sejam,
Leiloam-se no segredo do seu próprio pregão,
Vendem os dias aos que dizem que mais lhes dão,
Uns fogem sozinhos antes que outros os vejam,
Compram o que vendem com a sua solidão!...

Indecisos entre qual das mortes escolher,
Inquietam-se muito apressados e correm,
Escolhem ser lindas estrelas do anoitecer,
Entregam o corpo ao sol para não morrer,
Sentem os gélidos suores que escorrem,
O pesadelo do que não queriam ser,
Fogem da morte e morrem!...
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segunda-feira, 6 de abril de 2015

Lírios do Desejo


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A textura de natural beleza,
Frescura no desejo implícito,
Eflúvio de uma florida leveza,
A tentação na carne indefesa,
A inocência do prazer solícito,
Os beijos em flor da natureza,
e…
A primavera do invite explícito,
Ao férvido olhar do desejo vivo,
O olhar, cumplicidade e indução,
A flor, o pólen proibido,
 O inocente motivo,
     E o tesão!...
As essências e o coração,
O “feeling” expressivo,
A denunciada expressão,
O aguardar exaustivo,
A calma submissão,
Aveludada rendição,
O cilício contemplativo...
Desvanece-se a Primavera,
    Esmorece a ilusão!...

Há um lírio que já não é o que era,
Nada resta do que poderia ter sido,
Á brancura da alma, lírios lhe dera,
Lírios brancos, a um lírio oferecido,
Lírio que andou sempre escondido,
    Nos verdes desejos de Primavera!...
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sexta-feira, 3 de abril de 2015

Puro Amor


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Não me leves o medo de sofrer,
Quero sentir a dor de cada pecado,
O fogo que na carne não os deixa ver,
Deixa que eu mereça ser o crucificado,
Que meu Amor por eles seja meu legado,
Eles saberão Amar enquanto neles eu viver,
Todo aquele que não Ama, ver-me-á morrer,
Esse não provará o doce sabor de ser Amado,
   Nem verá a Vida, para além da Vida, renascer!...

 Não me abandones, medo de sofrer

  Não me abandones amor amado!...

   
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quinta-feira, 2 de abril de 2015

Ontem


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Não foi por engano dos dias acabados,
Que ontem foi o dia dos dias de mentir,
Mentiras e os enganos foram coroados,
A mentira do dia, cresceu antes de se ir,
Prometeu que a verdade estava para vir,
Hoje é ontem, o amanhã dos enganados,
Velho futuro revindo dos emparelhados,
   Ontem do amanhã que hoje irão seguir!...

Ontem foi um dia mentido,
A véspera do futuro da verdade,
Ontem continua a ser o futuro mantido,
Que, um dia antes do hoje ter nascido,
Abortou o dia seguinte sem saudade,
Deixando o amanhã sem validade,
Futuro que o podia ter sido,
Mas…
Antes de acabar a validade
E antes que o desmontem,
Já hoje está presente o ontem,
    Amanhã de mentiras sem idade!...

    
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quarta-feira, 25 de março de 2015

Perto da Longa distância de Mim...


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Sabia que o fim do mundo existia!... Não o fim, não o mundo, nem o fim de qualquer procura cinzelado na poeira do tempo que pudesse perder-se na pré definição de um sonho concrectizado… ou apenas sonho, ou apenas a concrectização irrealizável de acordar no mundo e seu mundo, serenamente expandido dentro de si mesmo até à relação com outros mundos, milhões de mundos. Pelo menos, mais de meia dúzia de mundos e menos do que aqueles, impossíveis de serem tidos como razão!...
A distância e o caminho, o caminho e as encruzilhadas e, ainda, o trajecto da cruz e o carrego, o peso de si mesmo e da distância entre si e si mesmo, distantes da carne e distantes da alma, tudo entrelaçado num ADN de pensamento único. Passava o tempo, passava a distância de um tempo até ao tempo que não era outro, senão aquele que passava, sem relevância, sem esperança de memória. O tempo que passava, não passava das costas, jamais seria tempo de olhar em frente ou uma partícula empoeirada de tempo, com ou sem esperança. O tempo esquecido, não seria lamentado pelos olhos fixos no outro lado das costas voltadas para o que ia passando, deixado lá ficar, caído na sombra do esmorecimento do tempo que não interessava ao futuro afixado nos olhos fixos no outro lado das costas do aborrecimento!... Aí, estavam todas as cores vivas, toda a luz e os olhos cheios, a transbordar reflexos de sorrisos, de beijos transformados em borboletas coloridas com as cores, jamais imaginadas, dos mais belos arco-íris!... A distância do que está perto, entre o tempo dado como perdido, esquecido lá atrás, e o que falta e sempre faltará percorrer, afirmando a certeza de um horizonte lento, muito lento, quase imóvel, a movimentar-se, imperceptível, ao longo de uma linha interminável que vai do olhar que antecede o sentido mais periférico, para os sonhos permitidos aos olhos dos olhares sem periferia, por tão periféricos!...
Há uma sensação de vertigem na sensação dos caminhos que se movem dentro de nós, em meu próprio movimento de mim, e a satisfação plena de anular todas as distâncias entre o que eu sou e o que não sou, por mais longe que eu esteja de tudo, longe do que não é possível estar mais perto, de mim, inclusive!... Talvez me perguntasse, numa encruzilhada por aonde passei,
Por cada cruz e distância que em mim vive,
De mim, até onde jamais me perdi e procurei,
No ser eu, íngreme, e ser meu próprio declive,
A tendência vertiginosa por onde sempre irei,
Achando as dúvidas cruzadas que não contive,
E só Deus sabe das certezas, o que eu não sei,
Talvez eu seja o horizonte onde sempre estive,
    Caminho que me trás ao mundo onde fiquei!...
Regresso, após não ter partido, não ter voado nem levado pela pressa da ventania instantânea, sem instante e sem urgência, apenas o pensamento longo, calmo e silencioso!... O tempo da cor da noite, a noite da cor do luto transcendente, mais do que celebrar a morte, a celebração da vida e, no luto e na cor, a brancura leve de uma pena, até ao resplandecer incomparável de ser princípio e fim do mundo, em si mesmo, com o mesmo amor em continuar o caminho que, partindo do mais íntimo de si, continuava até ao horizonte sempre longínquo, que o atravessava de um ponto, algures dentro de si, até ao ponto mais distante de si mesmo!...
Umas vezes, a brancura da pena do peito que da garça se soltou, flutua num contínuo pairar da sua leveza sobre as coisas mais densas, como o entardecer, como o peso do dia que vai adormecendo e se deita na noite, sem comoção, mas, apenas distante do peito que não é seu!... Perde-se a pena, a garça continua o seu voo em voos curtos sobre as longas margens do rio imperturbável, quase sereno, tão sereno quanto o voo solitário da única ave que ficou para sobrevoar o silêncio, a quietude, a paixão inexplicável pelas árvores vivas que, a seus pés, acarinham os ramos secos das árvores mortas. Um carinho distante, inconciliável, unidos pela mesma paixão da garça!... E o ninho que nunca foi visto, o saca-rabos e a raposa, a distância sempre presente e a ausência de Deus que está longe das garças. Um dia, a vida, no mesmo dia, a morte!... Os saca-rabos que nunca foram vistos e as raposas que, longe dos nossos olhos, existem, à distância de um voo cansado, de um poiso rasteiro… até ao dia seguinte onde apenas um longo pescoço branco, um longo bico pálido e a vida que se ausentou, para sempre, dos olhos de uma garça!... A pena que restou, o acaso da distância e a distância percorrida por essa pena até à minha pena, penas que emplumam a vida sobre as margens de um espaço livre, das dúvidas sem margem!....
Longe de mim, para lá de minha aprendizagem,
À margem dos meus pensamentos que longe de mim se vão encontrar,
Compreendi que, muito longe de nós, somos uma breve passagem,
Passamos por percorrer o mundo que queremos abraçar,
Todo, para lá dos nossos medos e nossa coragem,
Compramos o bilhete de acesso à viagem,
O acesso à liberdade de sonhar,
E depois de tanto procurar,
Encontramo-nos na mensagem:
    Saímos de nós para em nós querermos ficar!...
Longe de nós, onde estamos longe de todos, todos são o que somos, próximos de ir onde nunca fomos, não fosse a vida que em nós caminha, o caminho mais distante para chegar ao outro… seríamos nós, no nosso lugar, esse lugar de onde nunca saímos.
Distante!...
Á distância de mim!...


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