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Cantas o que eu canto tão mal,
Com dor na voz de quem canta,
Salgas as vozes do mar com sal,
O mar dói na tua voz, coisa e tal,
É a voz da tua dor de garganta!...
Deixo navegar esta minha voz,
Nas tuas ondas de mar salgado,
Há este grande rio em todos nós,
Há este grande rio em todos nós,
Que leva o nosso canto até à foz,
Coisas e tal do nosso triste fado!...
Canto mal como quem canta,
Canto muito mal mas sou feliz,
Dói-me a voz que não encanta,
Calo a voz que não se espanta,
Com a tua voz, como quem diz,
Que diz ser só dor de garganta!...
Continuo eu neste triste canto,
A cantar as dores do nosso mar,
E o doce sal, para meu espanto,
E o doce sal, para meu espanto,
Coisa e tal, cantando, entretanto,
Canta as lágrimas que vai salgar,
Para fazer doce o nosso pranto!...
Minha voz que continua a doer,
Minha voz que continua a doer,
Não se cala à voz que se adianta,
Canta o triste fado sem o saber,
E antes que me mandem foder,
Digo que é só dor de garganta!...
É grande a dor dos maus fadistas,
Já não cantam as dores de Portugal
Já não cantam as dores de Portugal
Por tanto doer não os levam a mal,
Sentem o fado para dar nas vistas,
Cantam alheios à dor e coisa e tal!...
Coisa e tal, ponho-me a pensar,
Se eu não podia cantar o fado,
Mesmo sem saber cantar,
E
nunca ter cantado!...
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Baseado no gênero musical representativo da cultura portuguesa, o Poema “Coisas e Tal... do Fado” não é um canto. Não é um fado. Mas contém todos os elementos que caracterizam o fado: “Salgas as vozes do mar com sal,”; “dor”; “triste”; “lágrimas”. O mar acolhe as lágrimas e a tristeza manifesta-se no canto, reflexo da ‘voz’ popular que, por ser ‘doce sal’ tem o sofrimento aliviado, metáfora da liberdade produzida pela Revolução de 74 [“Continuo eu neste triste canto, / A cantar as dores do nosso mar, / E o doce sal, para meu espanto,”].
ResponderEliminarA imagem, intrínseca à Poesia, e referência do humor e da ironia, é, ao mesmo tempo, cenário e protagonista da dinâmica que representa a fusão entre o pessoal e o público; o segredo e a confissão, ou a partilha. Entretanto, mais do que se opor à tragédia, é agregar a comédia à realidade poética: O canto é dor, e o riso, condição reflexiva da Poesia.
Nem a Poesia se faz de ‘se’, nem a história nasce do canto. Mas do canto se faz o fado. E o Poema, por não haver outro destino [“Se eu não podia cantar o fado, / Mesmo sem saber cantar,/ E nunca ter cantado!...”]. O Poema poder ser muitos: alegria e tristeza; doce e salgado; prazer e dor; tragédia e comédia; riso e pranto. Canção e plateia compõem esse ritmo que é universal e d’Alma ri daquilo que sensibiliza e da sinceridade de suas contradições.
Também o leitor, mas nesse caso, da criatividade em enfrentar desafios com humor, e, ultrapassá-los.
Abraço.