quarta-feira, 15 de abril de 2015

Coisas e Tal... do Fado


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Cantas o que eu canto tão mal,
Com dor na voz de quem canta,
Salgas as vozes do mar com sal,
O mar dói na tua voz, coisa e tal,
    É a voz da tua dor de garganta!...

Deixo navegar esta minha voz,
Nas tuas ondas de mar salgado,
Há este grande rio em todos nós,
Que leva o nosso canto até à foz,
    Coisas e tal do nosso triste fado!...

Canto mal como quem canta,
Canto muito mal mas sou feliz,
Dói-me a voz que não encanta,
Calo a voz que não se espanta,
  Com a tua voz, como quem diz,
     Que diz ser só dor de garganta!...

Continuo eu neste triste canto,
A cantar as dores do nosso mar,
E o doce sal, para meu espanto,
Coisa e tal, cantando, entretanto,
Canta as lágrimas que vai salgar,
   Para fazer doce o nosso pranto!...

Minha voz que continua a doer,
Não se cala à voz que se adianta,
Canta o triste fado sem o saber,
E antes que me mandem foder,
   Digo que é só dor de garganta!...

É grande a dor dos maus fadistas,
Já não cantam as dores de Portugal
Por tanto doer não os levam a mal,
Sentem o fado para dar nas vistas,
    Cantam alheios à dor e coisa e tal!...

Coisa e tal, ponho-me a pensar,
Se eu não podia cantar o fado,
Mesmo sem saber cantar,
  E nunca ter cantado!...
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1 comentário:

  1. Baseado no gênero musical representativo da cultura portuguesa, o Poema “Coisas e Tal... do Fado” não é um canto. Não é um fado. Mas contém todos os elementos que caracterizam o fado: “Salgas as vozes do mar com sal,”; “dor”; “triste”; “lágrimas”. O mar acolhe as lágrimas e a tristeza manifesta-se no canto, reflexo da ‘voz’ popular que, por ser ‘doce sal’ tem o sofrimento aliviado, metáfora da liberdade produzida pela Revolução de 74 [“Continuo eu neste triste canto, / A cantar as dores do nosso mar, / E o doce sal, para meu espanto,”].

    A imagem, intrínseca à Poesia, e referência do humor e da ironia, é, ao mesmo tempo, cenário e protagonista da dinâmica que representa a fusão entre o pessoal e o público; o segredo e a confissão, ou a partilha. Entretanto, mais do que se opor à tragédia, é agregar a comédia à realidade poética: O canto é dor, e o riso, condição reflexiva da Poesia.

    Nem a Poesia se faz de ‘se’, nem a história nasce do canto. Mas do canto se faz o fado. E o Poema, por não haver outro destino [“Se eu não podia cantar o fado, / Mesmo sem saber cantar,/ E nunca ter cantado!...”]. O Poema poder ser muitos: alegria e tristeza; doce e salgado; prazer e dor; tragédia e comédia; riso e pranto. Canção e plateia compõem esse ritmo que é universal e d’Alma ri daquilo que sensibiliza e da sinceridade de suas contradições.

    Também o leitor, mas nesse caso, da criatividade em enfrentar desafios com humor, e, ultrapassá-los.


    Abraço.

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