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sexta-feira, 1 de maio de 2015

Colheita Perdida


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Mordeste a terra deixada ao abandono,
Cemitério onde enterraste teus dentes,
Sonhavas com trabalho, esse teu dono,
O pesadelo de perdê-lo tirou-te o sono,
     Hoje não dormes por muito que tentes!...

Mordeste a terra alheia, tão fértil e pura,
Viste teus dentes caírem a cada dentada,
Mastigaste teu árduo suor da tua agrura,
Semeaste-te em campos de escravatura,
     Colhes a tua raiva dentro de ti enterrada!...

Hoje, ainda vês teus campos reverdecer,
Nos olhos que ainda procuram abastança,
Olhas teu prato onde nada há para comer,
    Vês a desilusão nos pratos da tua balança!...

Semeaste uma desenterrada lembrança,
Teu olhar ainda semeia o que teve de ser,
Esqueceste onde semeaste a esperança,
    Ai, se soubesses onde a esperança colher!...
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segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sexo, Moscas e a Sombra do Amor


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Carentes de carinho,
Caros saem os olhos da cara,
Carregam sombras da manhã clara,
Pesados são os olhos em cego descaminho,
Perdidos no anoitecido olhar do seu olhar sozinho,
 Sem ver cair a lágrima que na sombra os aguardara,
     Sonhando encarar os cegos olhares em desalinho!...

Como uma sombra nas trevas da clara razão,
Move-se a luz que olhos perdidos encandeia,
Deitou-se a sombra sobre a luz fraca da ideia,
E antes de ajoelhar-se aos olhos da confissão,
Olhou-se na cara mais triste do falso coração,
    Vendo-se rosto do pesadelo da cara mais feia!...

Quando uma fraca cabeça já por demais perdida,
Pela falta de orgulho que o sexo promíscuo fodeu,
 Pouco resta da vontade responsável já toda fodida,
  Tudo parece amor numa doentia relação distorcida,
     Jamais o Amor será isso que é, e nunca aconteceu!...


Doentes não são as moscas, 
Por um pedaço de merda amarem,
Doentes são as cegas paixões mais toscas,
    Desses doentes, enquanto da merda gostarem!... 

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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Chapéu

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Cortei o cabelo no velho barbeiro,
O grisalho da nostalgia demasiado rente,
Um pouco mais de tempo rente ao dinheiro,
As tesouras matreiras tosavam um corte certeiro,
Cortavam velhos tempos e vendiam quentes chapéus,
O Vento barbeava a geada de cortar o gelo dos céus,
Vesti o quente capote e espreitei o azulado do céu,
   Comprei um chapéu!...
Ensaio o bater do dente,
Saio de cabelo varrido e sigo em frente;
Vou estrear o chapéu, quando passa o Tibério carpinteiro,
Saúdo de cabeça descoberta, o respeito vem sempre primeiro,
Um desdenhosos cabeludo que passa oferece-me um pente,
Penteio um sorriso e devolvo-lhe o presente,
Depois da frescura do corte,
Entranha-se-me um frio mais forte,
Mas eu tenho um chapéu que o barbeiro me vendeu,
E o meu cabelo que por lá ficou, que o tenha como seu,
Para o frio, tenho um chapéu e sinto-me com sorte!...
Apresso-me a estrear o chapéu que é meu,
Minha cabeça gelada já o sente a assentar,
Tão feliz por um chapéu poder usar,
É então que, de repente,
Me saúda o Carlos Clemente,
-Saúdo quem me respeitar-
Com o chapéu na mão dormente,
Faço uma vénia, sem parar,
Crianças brincam com gelo que não quer derreter,
Uma velhota escorrega no gelo e faz-me doer,
Arrepio-me até às orelhas cheias de frieiras,
Pego no chapéu e dou os bons dias a duas freiras,
Passa o Manel a correr,
Passa o senhor Joaquim,
-Como vai o amigo, está bom ou não quer dizer?...
-Assim, assim…
E agora sim,
Vou andar de chapéu, enfim!...
Adianto o passo e passa-me o frio de tão comovido,
Um estalo no toutiço faz-me o chapéu saltar,
-Há quanto tempo não te via!!!...
Era o Zé de cabelo branco tingido,
Havia desaparecido,
E logo agora havia de voltar!!!!!...
Apanhei o chapéu preto e quentinho,
Uma rajada de vento fê-lo voar,
Corri atrás dele como um maluquinho,
   Olhei para os lados e estava sozinho!...
Só não olhei para a frente onde me olhava o João,
Passei pelo cabeludo Joãozinho,
Pelo Quinzinho,
 Passou o Carlão,
O filho do vizinho,
E o Sebastião,
O gato vadio e até o velho cão,
Que corria atrás do Quim manquinho,
  Por todos tirei o chapéu em humilde saudação!...
Há tanto tempo que não via minha professora da escola:
-Olá senhora professora, como passou?
Ela quer saber como estou,
-Com um friozinho…
Estende-se a mão de um pedinte e dou uma esmola,
Tropeça em mim o Felício que não é bom da cachola,
A vesga padeira dá-me um encontrão,
E lá volta o chapéu para o chão,
Apressa-se o gordo padre que me confessou,
Apanha-me o chapéu o magro sacristão!...
Aí vem a dona Maria do Toninho,
Mais o Toninho que se engasgou,
Com os filhos, pequeno Bonifácio e o grande Zezinho,
Perguntam-me como vou…
Ai, como vou, como vou…
A mais de muitos digo que vou devagarinho,
   Encolho os ombros a mais um que me saudou!...

Chego a casa com um estranho calor,
Tantas foram as vezes que não pus o chapéu,
Quanto todas aquelas vezes que o quis pôr,
Não me falem de chapéus por favor,
   Vou continuar de cabeça ao léu!...
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terça-feira, 2 de abril de 2013

Contas

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Não contava encontrar,
O velho contador;
Em tempos,
Contava estórias de encantar,
Contas de rico teor,
Sobre contas de rico senhor,
     Contas que dele sabia contar!...

-Olá, amigo contador,
Que contas,
Amigo sonhador?...
Que contas,
Sobre tuas ideias tontas,
    Com que foste sonhando?...

Com uma triste desilusão,
Baixou a cabeça e acenou que não,
Há anos que deixara de sonhar,
 E foi contando:
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 -Conto que já nada tenho para contar,
Já não conto os anos que passam,
Não conto os que estão por passar,
Faço de conta que conto,
E conto que conto,
E volto a contar,
Conto as horas que deixei de contar,
     Conto que parei de sonhar;
Já ninguém me tem em conta,
Dão-me um desconto,
E volto a contar,
Só não conto,
Nem desconto,
As contas que ficaram por pagar!...
E conto mais:
Conto que olho,
E volto a olhar,
Conto que vejo um pote,
Cheio do frio que ficou,
Sobre cinzas que a fome não levou,
E volto a contar,
Conto que raspo-lhe o fundo,
Todo raspado pelos donos do mundo,
E volto a raspar,
Conto que conto e volto a contar,
Conto que os olhos de um filhote,
Raspados no fundo do pote,
Me contam ser olhos de fome,
E volto a contar  a tristeza no olhar,
De quem já nada come,
Conto que vejo olhos que choram,
 E voltam a chorar,
Conto que já pouco conto,
E nada mais quero contar,
E conto que conto,
  E volto a contar!...
Conto com quem não me conta,
Que ainda conta comigo para contar,
Conto com quem não me paga a conta,
Essa conta que não conta,
Para as contas que não posso pagar,
 E continuo a contar,
Conto que conto,
Que não ter que contar,
   É um conto que me vai matar!...

E conto e volto a contar,
Conto que não contem comigo,
Porque nem comigo eu conto,
   Para as minhas contas pagar!...

E conto que conto,
  E volto a contar…
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