.
.
.
Sabia que o fim do mundo existia!... Não
o fim, não o mundo, nem o fim de qualquer procura cinzelado na poeira do tempo
que pudesse perder-se na pré definição de um sonho concrectizado… ou apenas
sonho, ou apenas a concrectização irrealizável de acordar no mundo e seu mundo,
serenamente expandido dentro de si mesmo até à relação com outros mundos,
milhões de mundos. Pelo menos, mais de meia dúzia de mundos e menos do que
aqueles, impossíveis de serem tidos como razão!...
A distância e o caminho, o caminho e as encruzilhadas e, ainda, o trajecto da
cruz e o carrego, o peso de si mesmo e da distância entre si e si mesmo,
distantes da carne e distantes da alma, tudo entrelaçado num ADN de pensamento
único. Passava o tempo, passava a distância de um tempo até ao tempo que não
era outro, senão aquele que passava, sem relevância, sem esperança de memória.
O tempo que passava, não passava das costas, jamais seria tempo de olhar em
frente ou uma partícula empoeirada de tempo, com ou sem esperança. O tempo
esquecido, não seria lamentado pelos olhos fixos no outro lado das costas
voltadas para o que ia passando, deixado lá ficar, caído na sombra do
esmorecimento do tempo que não interessava ao futuro afixado nos olhos fixos no
outro lado das costas do aborrecimento!... Aí, estavam todas as cores vivas,
toda a luz e os olhos cheios, a transbordar reflexos de sorrisos, de beijos
transformados em borboletas coloridas com as cores, jamais imaginadas, dos mais
belos arco-íris!... A distância do que está perto, entre o tempo dado como
perdido, esquecido lá atrás, e o que falta e sempre faltará percorrer, afirmando
a certeza de um horizonte lento, muito lento, quase imóvel, a movimentar-se, imperceptível,
ao longo de uma linha interminável que vai do olhar que antecede o sentido mais
periférico, para os sonhos permitidos aos olhos dos olhares sem periferia, por
tão periféricos!...
Há uma sensação de vertigem na sensação dos caminhos que se movem dentro de
nós, em meu próprio movimento de mim, e a satisfação plena de anular todas as
distâncias entre o que eu sou e o que não sou, por mais longe que eu esteja de
tudo, longe do que não é possível estar mais perto, de mim, inclusive!... Talvez
me perguntasse, numa encruzilhada por aonde passei,
Por cada cruz e distância que em mim vive,
De mim, até onde jamais me perdi e procurei,
No ser eu, íngreme, e ser meu próprio
declive,
A tendência vertiginosa por onde sempre
irei,
Achando as dúvidas cruzadas que não
contive,
E só Deus sabe das certezas, o que eu não
sei,
Talvez eu seja o horizonte onde sempre
estive,
Caminho que me trás ao mundo onde fiquei!...
Regresso, após não ter partido, não ter
voado nem levado pela pressa da ventania instantânea, sem instante e sem
urgência, apenas o pensamento longo, calmo e silencioso!... O tempo da cor da
noite, a noite da cor do luto transcendente, mais do que celebrar a morte, a
celebração da vida e, no luto e na cor, a brancura leve de uma pena, até ao
resplandecer incomparável de ser princípio e fim do mundo, em si mesmo, com o
mesmo amor em continuar o caminho que, partindo do mais íntimo de si, continuava
até ao horizonte sempre longínquo, que o atravessava de um ponto, algures
dentro de si, até ao ponto mais distante de si mesmo!...
Umas vezes, a brancura da pena do peito que da garça se soltou, flutua num
contínuo pairar da sua leveza sobre as coisas mais densas, como o entardecer,
como o peso do dia que vai adormecendo e se deita na noite, sem comoção, mas,
apenas distante do peito que não é seu!... Perde-se a pena, a garça continua o
seu voo em voos curtos sobre as longas margens do rio imperturbável, quase
sereno, tão sereno quanto o voo solitário da única ave que ficou para sobrevoar
o silêncio, a quietude, a paixão inexplicável pelas árvores vivas que, a seus
pés, acarinham os ramos secos das árvores mortas. Um carinho distante, inconciliável,
unidos pela mesma paixão da garça!... E o ninho que nunca foi visto, o saca-rabos
e a raposa, a distância sempre presente e a ausência de Deus que está longe das
garças. Um dia, a vida, no mesmo dia, a morte!... Os saca-rabos que nunca foram
vistos e as raposas que, longe dos nossos olhos, existem, à distância de um voo
cansado, de um poiso rasteiro… até ao dia seguinte onde apenas um longo pescoço
branco, um longo bico pálido e a vida que se ausentou, para sempre, dos olhos
de uma garça!... A pena que restou, o acaso da distância e a distância
percorrida por essa pena até à minha pena, penas que emplumam a vida sobre as
margens de um espaço livre, das dúvidas sem margem!....
Longe de mim, para lá de minha
aprendizagem,
À margem dos meus pensamentos que longe
de mim se vão encontrar,
Compreendi que, muito longe de nós, somos
uma breve passagem,
Passamos por percorrer o mundo que
queremos abraçar,
Todo, para lá dos nossos medos e nossa coragem,
Compramos o bilhete de acesso à viagem,
O acesso à liberdade de sonhar,
E depois de tanto procurar,
Encontramo-nos na mensagem:
Saímos de nós para em nós querermos ficar!...
Longe de nós, onde estamos longe de todos, todos são o que somos, próximos de
ir onde nunca fomos, não fosse a vida que em nós caminha, o caminho mais
distante para chegar ao outro… seríamos nós, no nosso lugar, esse lugar de onde
nunca saímos.
Distante!...
Á distância de mim!...
.
.
.
...