quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Nada Resta



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Ao terceiro mês, os fetos afogaram-se no charco,
A inocência das águas amnióticas foi envenenada,
Inavegável o vazio da barriga esvaída do seu arco,
As mãos deslizam pela áspera liberdade abortada,
Um barco à vela perde-se na ventania apavorada,
Caruncho come a quilha perplexa do último barco,
Não resta mais nada!...

Queimam velas aos pés de corações de madeira,
No sangue corre a água de uma vida naufragada,
Cera fria escorre da memória de uma vida inteira,
 As labaredas congelaram no calor de sua fogueira,
  E fecharam-se em pontes de água e fé congelada,
  Os olhos de Deus ficaram censurados na fronteira,
Não resta mais nada!...

Do pinhal à beira mar, cortaram o último pinheiro,
Dos roseirais do mar arrancaram as últimas rosas,
Orações, de mãos atadas, rezaram a um madeiro,
Uma entrada e um sinal sem saída e sem dinheiro,
As preces apagaram-se entre lágrimas silenciosas,
 Árvores boas foram crucificadas no mundo inteiro,
      Madeira dos santos ainda verte lágrimas resinosas!...
     
Um mar de perdição em dois desertos sem moral,
Deserto e o sacrifício humano que se empesta,
 Águas apodrecidas à deriva no juízo final,
E do respeito pela justiça divinal,
     Já pouco mais de nada resta!...
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quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Quasecaos diÉbólico


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As contas por pagar,
A cabeça tonta a doer,
O fim do mês para fatigar,
Anorexia do salário a enjoar,
Os pelos em pé e varas a tremer,
O que resta da força a desfalecer,
O vómito na boca cheia a sufocar,
Uma conta atrasada por resolver,
O carteiro e mais contas a chegar,
Voltas à cabeça de entontecer,
Frias vertigens a ameaçar,
E a febre!...
De repente, o estômago em alerta,
O gargarejar das tripas e o casebre,
-Ai, Deus me tenha a porta aberta,
O cu que até ao alívio se aperta,
Correr como uma lebre,
Diarreia certa!...

Cercado por extra-humanos para cá da terra,
Talvez o fantasma de um Neil Armstrong lunar,
E da pequena nave onde me puseram a sonhar,
Parece-me ouvir um ranhoso fedelho que berra,
Um cadáver já previsto disse que o iam incinerar,
Os extraterrestres socorrem com ares de guerra,
Um batalhão de luvas brancas está pronto a pagar,
Os herméticos sabem que sou um cão que não ferra,
Aproximou-se uma picada que me fez desconfiar,
E logo me apaguei!...
Um raio de sol e acordei,
Que raio teria acontecido?!...
Não sei se sonhei que tinha morrido,
Talvez tenha mesmo morrido, pensei,
Tentei levantar-me, meio entontecido,
Soltei um peido e por ali me fiquei,
O cheirete deixou-me divertido,
Mas voltou a diarreia comigo,
Mais um e me envergonhei,
Mais um arrepio sentido,
    Senti que me borrei!...

Uma televisão a um canto,
A notícia e uma estória malévola,
É sem grande esforço que me levanto,
Falam dos meus sintomas, para meu espanto,
Para uns, sou a pior bomba a rebentar de ébola,
Para outros sou vacina milagrosa, por enquanto!...

Há um esquálido médico com ar desprezivo,
A sua indiferença nada diz sobre o diÉbolico respectivo,
Da superfície do seu ameaçador silêncio, quer que eu acredite,
Eu sou a cura de marca e o genérico do ébola inofensivo,
Prescreve-me caldos de galinha e um anti gripe!...


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sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Carne e Osso


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Depois, com a nossa carne totalmente empenhada,
Obrigaram-nos a comprar sonhos que eram nossos,
Nos gordos pesadelos, foi a nossa carne desossada,
 Ossatura sustida com promessas de não doer nada,
 E depressa damos por nós a roer os próprios ossos,
   Com o parvo espírito de nossa crença desdentada!...

E ainda com a nossa carne nos dentes,
Com facas arrancadas de nossas costas,
Cortam os nossos sonhos muito rentes,
Servem-nos mais promessas às postas,
Em pratos políticos sempre coerentes,
Às perguntas grátis vendem respostas,
E como saem caras as facadas expostas,
Infectadas por outras facadas recentes,
Perfídia sobre memórias decompostas,
   Compostas por propostas indecentes!...

Amanhã, com a memória das pessoas esgotada,
Formatada que foi a humana razão porque lutar,
Estranha a carne que sangrar por cada chicotada,
Sem os entardeceres nem a brisa da madrugada,
Sensações sem rosto, sem estímulo para copular,
Sem sentir o abrir-se da carne à carne sem aleijar,
Cicatrizaram feridas da humanidade equivocada,
     Cicatrizes sem memória do velho desejo de Amar!...

   
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sábado, 4 de outubro de 2014

Pretérito Imperfeito da Necessidade


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Houvera o relógio de necessitar da hora,
Quisera a hora o minuto para mais utilidade,
Pelo minuto, o segundo não fora contrariedade,
A paz de dentro não passara sem a imagem de fora,
E não fora a tentação de levar aos humildes a vaidade,
Tão cedo, o reflexo não existira em espelhos de outrora,
Nem o ontem, dia o fora, não fosse lembrado pelo agora;
O desamor sem princípio, decidira-se pela finalidade,
Atrasara-se em sua forma necessária da demora,
      Matara o tempo a criar a demais necessidade!...

Todo o fogo do inferno, o Sol cobiçara,
Com todo o gelo do mundo, o iceberg sonhara,
Com todo o amor da paixão, com toda a paixão, amara,
Todo o ódio, com todo o ódio do ódio, o ódio odiara,
Com todas as lágrimas, todas as lágrimas chorara…
    Mas nada lhe bastara!...
Nada pudera ser igualdade,
Por tudo, a tudo, nada se igualara,
Tão infinita fora a insaciável necessidade,
     Da necessidade insaciável que necessitara!...

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  No presente, pelo que a desnecessidade indica,
 Já muito despida de preconceitos, a verdade nua,
Indiferente à necessidade que se perpetua,
Apodrece nessa necessidade que fica,
    Pela necessidade que continua!...
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quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Duplo.Soneto.Português.Fantoche e Invertido


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  Sem a vergonha e vergonhosos!...
Manipulam-se, são manipulados,
Presos entre fios de criminosos;
     
    Já sem a vergonha, os encavados!...
Baixam as suas calças, silenciosos,
 Ainda antes de bolsos esvaziados,

   É novo desenho em novo mapa!...
Uma fábrica plena de fantoches,
Desarticulam Portugal à socapa,
Presos por fios, fazem broches,

   Portugal é a verdadeira saudade!...
Apaga-se o desenho da memória,
Vão-se os velhos fica a mocidade,
  Vai-se o orgulho, vai-se a história,

    São fios que manipulam a glória!...
Destroços caídos em memorial,
      Manietados com fios de victória!...

Os fios que estrangulam Portugal,
Seguram este Portugal por um fio,
Fia-se nos fios esse povo sombrio,
   Está por um fio a perda da moral!...

  Todos fantoches e pejados de cio,
  Tudo violações e numa orgia total,
  Os fios se movem em modo fatal,
     Movimentos sem alma nem brio!...

  Os fantoches são para exportar,
   Os fios são de importação imposta,
     E é o fantoche que os têm de pagar;

   Ficam as perguntas sem resposta,
  Á resposta não há que perguntar,
      Não há perguntas e o povo gosta!...
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