quinta-feira, 5 de junho de 2014

Palavra do que Lido


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Gosto de envelhecer com as palavras que nunca envelhecem,
Quase gosto de não ser conhecido pelos que me conhecem,
E pelos outros que pudessem gostar de me conhecer!...
Leio-os entre as poucas palavras que acontecem,
Conhecem-me pelo gosto em não me ler,
Não leem sobre a vida acontecer,
     E, vazios de mim… desaparecem!...

Gosto de adivinhar secretas leituras,
Das palavras revindas e das que nunca partiram,
Gosto das palavras eternas e das eternas loucuras,
Escrevo-me de alma nua em memória de velhas diabruras,
E aspiro cada partícula de pó que a pó memórias se reduziram,
Procuro-me na roupa das palavras que se despiram,
Visto cada palavra em que vejo velhas ternuras,
Dispo-me da velhice com que se vestiram,
   E rejuvenesço palavras sem amarguras!...

Não sabem lidar com o que não sou…
As palavras dos que se escrevem envelhecidos,
Escrevo nas palavras que não sei porque Ele perdoou,
-Mas sei!...
 Não escreveu Ele direito o que o homem entortou?!...
Há sempre quem escreva sobre os perdões acontecidos,
Perenes, palavras e causas são a causa de alguém que condenou,
Precede a palavra condenada, à inocência dos condenados e perseguidos,
Mas nunca seguidos,
 Aos olhos sociais da lei!...
E, envelhecendo, eu aqui estou,
Lidando com palavras dos não lidos,
Ainda a sorrir para as palavras que te dei,
Só minha palavra, muito minha, não te dou,
   Palavras de minha palavra com que fiquei!...
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domingo, 1 de junho de 2014

As Cruzes no Abutre


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Desprezo e dó,
Político e abutre de carreira,
No olhar habitual da sua cegueira,
Amassa-se na lama e faz-se pão de pó,
Rodeia-se de mais abutres e nunca está só,
Ondula ao vento com as cores de uma bandeira,
     Dá dura terra a comer e vende-se como pão-de-ló!...

De toda a terra já comida e de muito do mar sugado,
Chegada que foi a vez, do corpo dar sua carne a comer,
Exigiu-se todo o açúcar do sangue e muito suor salgado,
Esse abutre, ao doce sabor do povo sempre habituado,
Estranhou a liberdade de consumo incapaz de se deter,
Apelou a mil diligências e todos os formulários de poder,
Voaram papéis da ordem do seu papel e foi desprezado,
    As cruzes derrotadas viram os quadrados vazios vencer!...

Um abutre comeu menos e outros abutres comeram mais,
Todos os abutres comeram da mesma carne mais popular,
O abutre que menos comeu vê um abutre a quem culpar,
Disfarça-se de pardal e nega os secretários gerais,
Esperam mais carne do povo, os pardais;
Já não se abstém o povo de ver os abutres pairar,
Votam no desprezo em urnas consensuais,
Nulos e brancos são abutres a debicar,
 As cruzes de nulidades mentais!...    
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sexta-feira, 23 de maio de 2014

Dizendice do Amoranço e Odieira


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Nossa dormideira é doce minha e doce,
Deveras assolapada nesta caídeza por ti,
Esta abestalhada sintura ainda que fosse,
Fosse ela por ti e é em vistança do que vi,
Sentidão afundada em fanicos dados de si,
 O amoranço sem tino que em mim pôs-se,
    E põe-se na gozadura que nasce e que ri!...

Derreto-me aburricado e me alambuzo,
Pensadote na beijocada de tua linguaroca,
Meu cobrão cata-se em olhos na tua toca,
Enterradão no calo da manápula em abuso,
E amaluco-me pensadoiro na tua mamoca,
Alongo a língua ao melado dessa tua beijoca
      E eu madoido em amoranço e desaparafuso!...

Arremeteste-me toda nua para esta doideira,
Abriste-me com tuas pernonas escancaradas,
Arrebentou no meu tesudão uma comicheira,
Abusadonas as tuas mamalhonas descaradas,
      Foram-se lentas e doidas e nunca apalpadas!...

Acoitado que estava nas belgas da cumeeira,
Contava os caibros e vaginolas às punhetadas,
E buliam as manhosas nalgas estremunhadas,
Que á noiteca das tardes já cheia de canseira,
É ordenança obrigadona de ordens altivadas,
    E ai se não fossem amoranço, eram odieiras!...
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domingo, 18 de maio de 2014

Alumbramento dos Perfeitos


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Não negava ao olhar a vontade de se eximir,
Nos olhos estão as histórias que não se contam,
Outras histórias escondidas no olhar que quer fugir,
Não negavam o silêncio das histórias ficadas por ouvir,
Como olhos apagados que histórias de silêncio despontam;
Por cada silêncio, silêncios de outras histórias se aprontam,
E no vértice da pirâmide, um rádio não se cansa de difundir,
Paliam-se secretismos iluminados que não se confrontam,
Sobre a escravatura das pedras, o peso faz-se repetir,
     Esmaga-se a voz sob o silêncio que poucos apontam!...

Não negava o sonho ao vértice dominante,
Nem o pesadelo à esperança em futuros impossíveis,
Os olhares deverão ser hipnose de silêncios consumíveis,
O capitalismo obeso carrega o cume da pirâmide sufocante,
E, não obstante,
É leve a palavra livre escondida no olho do horizonte,
Longe do peso carregado pela oferta dos vícios aprazíveis,
E de outros vícios dados à felicidade da ignorância a monte,
E outras influências aos viciados mais suscetíveis…
Ácidos hipnóticos e a sucralose são irresistíveis,
Para lá da história dos olhos brota a fonte,
Nos rios dançam peixes invisíveis
Corre a água debaixo da ponte!...

Ainda por cima, e apesar de tudo,
Por cima das pontes e do controlado desalento,
O olho global move-se atento, num olhar de veludo,
Cega o resto da pirâmide que tem como escudo,
    É quase perfeito o poder do alumbramento!...

Não negava o silêncio no olhar,
Nem a nova ordem do encantamento,
    Assassina da velha ordem de o libertar!...
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terça-feira, 13 de maio de 2014

Convalescença


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Meio combalido,
Apanho uma estrela cadente,
Adormeço sobre meu ânimo caído,
E solevando-me até ao meu sonho diluído,
Sorrio à melancolia que se dilui suavemente;
É mágica a despedida da luz no sonho poente,
Encontra-se o sonho com o sorriso perdido,
     E despede-se da noite que se faz ausente!...

Ainda combalido,
Ofereço a estrela aos olhos meus,
Nasce o sol no meu olhar agradecido,
    Abro minha mão e liberto um adeus!...
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sexta-feira, 9 de maio de 2014

A.50



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Há sempre uma pequena aldeia,
Um pequeno espaço entre o tempo e o tempo,
Há sempre o tempo que permanece jovem na ideia,
E o outro tempo!...
O momento,
E a juventude que serpenteia,
Um pouco de sinuosa odisseia,
E por mais que se tente,
Faz-se o caminho em frente,
Como se fez o fazer do continuar,
O que fica e continua a ficar,
Folhas que caem suavemente,
Fazendo-se dimensão sem o pensar,
No longo limiar do caminho!...

Curtos os passos de um rapazinho,
Fraquinho e obra de um milagre qualquer,
O que se quiser e Deus que nos queira com seu carinho,
Só um bocadinho da sorte do merecer o amor que se quer,
E Merecer o que puder para ter Deus como vizinho!...

Há uma ideia muito vaga do leite,
As ovelhas sem pasto continuam a vaguear,
E às cabras sempre fora dado o privilégio de pastar
Tão forte foi a crendice milagrosas nas cruzes de azeite,
E a barriga benzida que sempre voltava a inchar;
Benditas cabras e seu leite para me alimentar…
Há uma certa nostalgia na cor dos velhos pastos,
Nos campos brancos a desvanecerem-se na mansidão,
E no silêncio da saudade daqueles tempos meio gastos,
Como… suaves espelhos transparentes e vastos,
Onde me perco numa imagem de imensidão,
E busco perder-me nessa nova dimensão,
     Até reflectir-me e acabar de rastos…
Voltar a beber aquele leite de cabra, eu pudera,
Carregar aquelas cruzes de azeite, quem me dera,
E sentir desinchar os anos modernos do remédio para tudo!...
Sinto a culpa do tempo neste olhar barrigudo,
Fosse o que fosse que o tempo quisera,
Os caminhos forrados de veludo,
Tapetes floridos de Primavera,
Com parte disso e, contudo,
    Já não é isso que era!...

 Do mesmo azeite em vez da brilhantina,
Aquela coragem de minha Mãe Valentina,
A aldeia e a gente de quem nunca me despedi,
O adeus adiado à escola, princípio do que aprendi,
Como aprender depressa e fazer a quarta na terceira,
E o fim das viagens com a essa professora verdadeira,
   Tão verdadeira quanto suas belíssimas pernas que vi!...

Pai!...
Meu Pai e sua morte,
A ironia do azar e da sorte,
A partida à pressa de quem não vai,
De quem acaba por ir e da aldeia não sai,
O ter que ser da mudança e a resignação forte,
      O destino infalível de quem se levanta quando cai!...

A chegada ao Bairro da Ponte,
As águas do rio e a água da fonte,
A própria fonte e um imediato apego,
Fronteiras do tempo e só depois Lamego,
A proximidade do longínquo horizonte,
O limite da aldeia e do seu sossego,
    A descida pela subida do monte…
Como o tempo indiferente,
A indiferença das horas e dos dias,
A escalada involuntária até à nascente,
Por entre dedos, o escoar das águas evidente,
Sonolentas águas mornas e o arrepio de águas frias,
    E a dúvida se aquela água não serei eu!...
Escoado em queda livre com os amigos,
Sem pensar naquilo que nos aconteceu,
 Enquanto caímos entre velhos castigos,
   A dádiva do tempo que Deus nos deu!...


Debaixo da ponte a água continua a correr,
Talvez as pedras saibam do aniversário dos caudais,
A força que nos leva barquitos de papel cheios de prazer;
Corremos para ambos os lados da ponte que nos viu crescer,
E apostamos na rapidez do nosso barquito do qual gostamos mais,
A montante corre forte a água que debaixo da ponte se vai esconder,
Esconde o barquito de papel que por momentos não podemos ver,
   Voltamos ao outro lado da ponte e não vislumbramos um cais!...
E lá vão eles, cada um carregado com os nossos anos,
Rio abaixo, saudado por bogas, trutas e bordais,
Deixando a saudade que cada vez pesa mais,
   No coração destes barquitos humanos!...

Olhamo-nos e ainda nos custa acreditar,
Sentimos tão perto as picardias de nossa inocência,
O tempo ensinou-nos a conviver com os anos de paciência,
E com os amigos que a distância entre margens fez separar;
Como distante era o juízo do nosso inexperiente olhar,
Sob os que marchavam numa fúnebre agência,
Aqueles velhos quarentões,
Muito velhos sem ilusões…
Somos tão Homens,
Cinquentões,
   E somos tão Jovens!!!...


Outras margens se encontraram,
Sabia das águas felizes no fim do inverno,
E da felicidade que os rios da vida trouxeram,
Há sempre uma Mulher a verter um sorriso materno,
E o apelo da outra corrente que a margens de amor fizeram,
Mulher, essa margem e rio que as águas do destino quiseram,
Margens encontradas no prazer de um bendito inferno,
   E os filhos, esses barquitos que homens se fizeram,
   Com as folhas que navegam no meu caderno!..
  
Hoje… entrego-me a uma certa nostalgia,
Os espelhos estão cada vez mais transparentes,
Vejo-me na imagem de todas as imagens aparentes,
E no reflexo concebível de uma espelhada Poesia,
   Que me faz igual a tantos 50 anos diferentes!...

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sexta-feira, 25 de abril de 2014

Ditadura dos Cravos


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Aquela imagem teimosa,
A criança de rosto empoeirado,
Mãos que sacodem terra do pão,
O sacudir antigo da fome receosa,
Aquele olhar envergonhado,
      E a palidez da razão!...
Uma lágrima caída no chão,
Outra que se esconde, medrosa,
O ranho sujo pela fome provado,
 O insulso sabor da resignação,
    E a palidez silenciosa!...
O prato cheio de fé religiosa,
Na ponta da língua o pai-nosso rezado,
Todas as rezas e o acto de contrição,
O sonhar com a fartura perigosa,
      E a palidez do fado!...
O desespero amordaçado,
A mordaça com cores da nação,
O grito pobre de uma criança ranhosa,
     Moldura à imagem de um Povo amarrado!...

Chegaram os cravos da revolução,
Logo a seguir ergueu-se o punho cerrado,
Abriu-se a mão que se transformou numa rosa,
Setas apontavam um céu azul e o ouro da fartura,
Atrás das costas ficou o mal que nem sempre dura,
E o peso dos sonhos prometidos,
Dos soníferos cumpridos,
E o fim dos pesadelos da ditadura;
Cravos e mais cravos, por cravos protegidos,
Rosas e mais rosas entre cravos floridos,
O florescer livre da arte e da cultura,
O princípio de uma aventura,
     E os manifestos permitidos…
   O futuro…
A velocidade e o muro,
O fim que o cravo não previu,
    E seu esborrachar prematuro!...

Esta imagem que teima,
De crianças sem pais nem abrigo,
A fome da democracia que queima,
     Cravos que a ditadura trouxe consigo!...

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terça-feira, 22 de abril de 2014

Os Cravos das Duas Mil Páscoas


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Escondes num bolso três cravos clandestinos,
No outro escorre o sangue da mão escondida,
Carregas a cruz tatuada de múltiplos destinos,
Dói-te a luz da alma nas trevas da carne ferida,
Rezas para que a Liberdade te seja concedida,
Vês Deuses na consciência dos fios mais finos,
Caminhas, sem caminho, entre os peregrinos,
   Procuras-te nos caminhos de tua Fé perdida!...

Escondes-te dos cravos que restaram,
És a dor dos inocentes sem sofrimento,
Falta-te a verdade e o arrependimento,
 Beijas os traidores e os que O mataram,
 Ao lavar as mãos dos que O entregaram,
      Ressuscitas a morte e o consentimento!...

  Não tens a consciência da bondade, pois não?!...
E da Verdade crucificada?!...
Rezas por uma chuva de dinheiro que compre o perdão,
Nada melhor do que uma consciência comprada,
Com algum dinheiro lavada,
E só Deus sabe dos Pilatos que por aí vão,
Muitos deles, sacros devotos à oração,
Temendo a hora da verdade ressuscitada,
    Que crucifique o poder escondido atrás da razão!...

Depois de tantas vezes O matarem,
E outras tantas vezes o intento fracassar,
Pediram muito dinheiro para o ressuscitarem,
Amando mais o dinheiro em vez de O amarem,
Pensaram em desistir da tentativa de O matar,
Mas os cravos continuam sem enferrujar,
Como se, bem vivos por Ele, sangrassem,
     E sem explicação continuam a sangrar!...

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