segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Segredos


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Há tanta confidência escondida no segredo,
   Há tanta revelação autorizada pela liberdade…
Há tanto medo,
Há por aí uma criança que é um sigiloso brinquedo,
Há tantos brinquedos secretos sem nacionalidade,
Há tanta sigilosa verdade,
Há tanto clandestino desassossego,
Escondido em nostalgias de sossego,
   O silêncio dormente de saudade!..

Não digas a ninguém que eu te disse,
Os deuses poderosos não quiseram que eu visse,
Vislumbrei segredos que mais ninguém quis ver,
Adivinhei o que foi e não era que era para ser,
E ainda antes que a verdade se pressentisse,
Caiu um silêncio de morte antes de morrer,
Algo inocente morreu antes que caísse,
    Caiu na morte o segredo de viver!...

São infinitos, os segredos por contar,
Vou contar-te o segredo da poesia silenciosa,
É com o silêncio da Alma que tu deves escutar,
Vou revelar-te o segredo da paz harmoniosa,
    Nunca guardes segredo do poder de amar!...
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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O Bem da Maldade


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Se os miseráveis inchados de maldade,
Soubessem o bem que, por maldade, fazem,
Teriam orgulho no limpo reflexo da sua bondade,
     Em vez da imagem miserável que consigo trazem!...

Á sua passagem, abrem-se em veredas de espinhos,
Fazem-se caminho até aos lábios cerrados do abismo,
Mordem-se com seus dentes de apertado egoísmo,
Enquanto espreitam a queda de todos os vizinhos,
Evaporou-se a pura água benta do seu baptismo,
   Não os empurrem, eles caem sozinhos!...

Por maldade,
Tanto bem fazem,
Esvaindo-se em bondade,
     Que consigo não trazem!...
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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sem Medo das Palavras

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Desafiava a palavra mais forte,
Encarava-a de frente,
E, de repente,
Num golpe de fino recorte,
Sem perder o porte,
Desferia um golpe certeiro na língua da serpente,
Cortando-lhe o verbal veneno da bifurcada sorte,
Para que a crua verdade ficasse bem assente,
     No traje da vida e na nudez da morte!...

Assim viveu,
Sem medo das palavras ditas,
Sem medo do que sempre foi seu,
   A vida das suas palavras escritas,
      Palavras vivas com que morreu!...
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domingo, 7 de agosto de 2016

Autómatos de Deus

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O autómato sintomático,
Com sintomas de automatismos,
Faz um discurso automático,
Cheio de preciosismos!...

Invoca automatismos de Deus,
Como se os autómatos fossem todos ateus,
Faz-se crer um enviado de deus e autónomo,
Sabendo-se um religioso heterónomo,
De automatismos que não são seus,
Preçário automático de fariseus,
Preço de obediente ecónomo,
   Títere articulado por judeus!...

E não faz perceber que se apercebe,
De ser um frio autómato programado,
Em sua celebração os autómatos recebe,
  Fala-lhes dos autómatos, mas nunca da plebe,
Esse rebanho autómato por autómatos orientado,
Automatizando a liberdade desse cordeiro sacrificado,
Obrigado a ser autómato que sangue de Cristo bebe;
É o corpo sem alma,
Corpo que se espalma,
Entre a prisão e a consciência,
Onde se move com triste calma,
Envolto nesse véu de reminiscência,
Quase Espírito sem coexistência,
     Que a razão autómata desalma!...

Passo a passo,
Assoberbam-se do seu Deus,
Nada mais cabe em corações seus,

  Nem para a verdade de Deus têm mais espaço!...
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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Apresuntação

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Eu sou a vossa porca esperança,
 Apresunto-vos meus amigos suínos,
Meus amigos, são deles, amigos genuínos,
Dignos lobos de sua santa e farta confiança,
Apresunto-vos meus irmãos divinos,
   Deuses da vossa governança!...

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sábado, 30 de julho de 2016

Eterno Amamento Admirável

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Aquele momento que todos julgavam impossível,
Mãe improvável que, pela primeira vez, amamenta,
A bênção do coração, milagre do amor e a placenta,
Tempo imóvel em torno da felicidade indescritível,
   Ninado de admirável ternura em câmara lenta!...

E o tempo, nele perdido,
Dele mesmo se esqueceu,
Enternecido,
Do momento seguinte esquecido,
À eternidade improvável se deu;
E a mãe improvável,
Desenhada num sorriso admirável,
Amamentando o filho seu,
   Para sempre insaciável!...
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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Margem - Espuma da Nostalgia

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Contemplava aquele rio com uma só margem,
Sentado à beira do outro lado, uma miragem,
Mesmo lado da outra margem que era só uma
Por ali acima, a água entre margem nenhuma,
Corria debaixo de nenhuma sucinta passagem,
      Ponte, talvez, que unia as margens de espuma!...

Deitou-se no movimento transparente do leito,
Sob transparência de uma lágrima de nostalgia,
Fez-se rio, fez-se a margem firme em seu peito,
 E ponte atravessada sobre o rio que percorria!..
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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Doce Vinho de Rosas Brancas

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Vossos néctares de castas francas,
Gratuitos vícios de fragrâncias mil,
Transformaram-se em água vil,
    Leve vinho de rosas brancas!...

Nasceste rosa,
Cresceste entre vinhas,
Foste uma videira graciosa,
Quiseste ser poética prosa,
Poema nas entrelinhas,
    Poesia silenciosa!...

Cuidaste de todos os jardins,
Colheste as tuas uvas saborosas,
Esmagaste-as e fizeste-as ditosas,
Confundiste vinhas com jardins,
Em teus roseirais deste festins,
    Jardins de brancas rosas!...

Acabaram as rosas no fundo de um copo vazio,
Sem uma gota d´água que lhes matasse a sede,
Embranqueceu o fígado num branco jardim frio,
   Rosas ébrias, entre brancas pétalas e a parede!...


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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Vazio Abismal

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O abismo faz-se entre os nossos desvios,
Faz-se alma inerte no vão do nosso peito,
Escurecem penhascos no vazio imperfeito,
É interminável a queda de corações vazios,
    Perdidos no abismo solitário do vazio leito!...

A queda interminável,
Talvez o vazio abismal,
A desistência e o mal,
O medo inconfessável,
     O vazio da queda final!...

Houvesse um pouco de amor,
Que nos concedesse o favor,
De ensinar-nos a amar,
E aprender a ensinar,
A ver o Criador,
    E amor criar!...
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terça-feira, 19 de julho de 2016

A Paz da Consciência em Guerra

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Na guerra como nunca se viu,
Os deuses fazem guerra contra Deus,
A vida é derrotada como nunca se sentiu,
É o triunfo da morte e o adeus!...
Adeus… adeus…
Adeus deuses e Deus,
Até nunca mais ver,
Oh, crentes e ateus,
Já nada custa morrer,
Vivem os vivos por viver,
   Indiferentes à morte dos seus!...

Por cada vida milagrosa,
 Pelo admirável milagre da vida,
É a lenta morte, mais ambiciosa,
Antecipa-se à vida muito vagarosa,
    E triunfa sobre a esperança perdida!...

Que raio de vida é a tua,
    Tu que temes viver uma vida sem medo?!...
Levantas-te, de madrugada, muito cedo,
Cedo, sais da tua imunda consciência nua,
Como se te procurasses no lixo da rua,
    Lixo que te reveste sem segredo!...

Houve uma guerra que todos viram,
Há uma guerra que ninguém vê,
Está, da morte, a vida à mercê,
De ver, já os olhos desistiram,
    E ninguém confessa porquê!...

Ainda não te despeças,
A morte ainda vem a caminho,
Ainda estás vivo, não o esqueças,
 Vive a Vida, ainda devagarinho!...
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sábado, 16 de julho de 2016

Formigas de Deus

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Procurava no céu da sua esperança,
Um rosto de Deus que o pudesse ajudar,
O diabo da carestia levara-lhe a bonança,
Esquecera tudo, sobrara uma lembrança,
A liberdade dos pássaros e seu livre voar,
Procurando no céu asas para se libertar,
Não via sob os passos seus, a matança,
Das formigas que esmagava ao caminhar,
Talvez fosse sua pura inocência de criança,
   Ou a inocência das formigas com mais azar!...

E se o céu cair em cima da cabeça?!...
É preciso estar, ao céu, atento,
Antes que o azul do céu escureça,
E o resto do céu seja levado pelo vento;
Talvez o vento traga uma espiga dourada,
Que o mesmo vento, do céu carregou,
Houve um grão que caiu e o sol dourou,
E uma formiga obstinada,
Que o sol e o grão dourado carregava,
Mas, o medo, vindo do céu tudo esmagou,
    Esmagando o olhar que formigas, esmagava!...

Não estará Deus demasiado distante,
    Tão longe dos caminhos das formigas?!...
Somos searas e grãos de todas as espigas,
Deus vê um grão a outro grão semelhante,
Somos insetos que esmagam e, não obstante,
    Esmagamos formigas que consideramos amigas!...


Todos procuram Deus quando precisam,
Têm-se dentro de si e Deus em suas barrigas,
     E não vêm as pequenas formigas que pisam!...

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quinta-feira, 14 de julho de 2016

O Idiota que Sobra

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Na festa, a insensatez nunca se esgota,
Embriagada por luas, é queimada por sóis,
Em cada festeiro há um bêbado e patriota,
Brinda-se o último cêntimo aos heróis,
As gralhas cantam como rouxinóis,
    Sobrou apenas um sóbrio idiota!...

O povo escolhe quem o mata,
Paga a quem o apague do sofrimento,
E lhe tatue na alma uma vida abstracta,
A percepção da vida não é imediata,
A tatuagem vai desaparecendo,
Tudo à volta vai morrendo,
E pressente-se a derrota;
Há um povo em desbragada risota,
Na analgesia da festa, não vai sofrendo,
    Sobrou apenas a dor de um idiota!...


Chegou o dia seguinte,
Dia de todo o feliz Patriota,
Vestia a bandeira de contribuinte,
Ontem valia tudo, hoje é um pedinte;
Da festa e dos heróis já quase nada se nota,
   Há mais idiotas e sobrou apenas um idiota!...


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quarta-feira, 6 de julho de 2016

Brinde Suicida

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Na essência da vida,
O não riscar a Vida da essência,
É o melhor risco à alma prometida,
Quando a promessa é cumprida,
   Pela paz da consciência!...

Brinde-se à vida calhorda,
Aperte-se, de um só golpe, a gravata,
No velho poço há a tentativa que recorda,
Que a água mais limpa não mata;
Não se desista, ainda,
Cuidado ou o nó corredio se desata,
Beba-se o doce veneno da morte mais linda,
Baixem-se os braços à puta da vida tão ingrata,
    E, finalmente, é com desalento que se brinda!...

“Meu descorçoado amigo suicida,
Que vives com a corda ao pescoço,
Serve-te dessa corda sem alvoroço,
Bebe um trago de missão cumprida,
Afogada na escuridão de um poço,
   E brinda à morte conseguida!...

Bebe o veneno de um só trago,
Que nem uma gota seja perdida,
      E todo o teu desamor será pago!…”


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segunda-feira, 4 de julho de 2016

Liturgia da Sombra... às Trevas

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Testículos sem semente,
Em versículos definitivos,
Faz-se deus quem mente,
   Por uns estéreis motivos!...

Inclusos, os substantivos,
Em exclusão substancial,
Sujeitados aos adjectivos,
   Da incontinência verbal!...

As palavras emudecem,
A bíblia sacode-se do pó,
 Dos anjos que escurecem;

E as liturgias amanhecem,
Ensombram quem está só,
    Demónios que reaparecem!..
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sexta-feira, 1 de julho de 2016

A Primeira Punheta Seguinte

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Tantas palavras suadas da ponta de uma caneta,
Tantos lápis de carne, pela adolescência dos olhos afiados
Tantos esperamotzóides cuspidos pelos lábios de uma punheta,
  Tantos filhos do livro da primeira fome adolescente riscados!...

As punhetas são halteres,
Nas mãos suaves da canalhada,
Imaginam levantar saias às mulheres,
E serem amantes de uma mulher casada;
E vai mais uma punheta bem tocada,
Como mandam as leis da masturbação,
É preciso ter vontade para uma bem dada,
Sangue jovem e um valente tesão!...
Bate, bate com paixão,
Bate, bate com prazer,
Bate, bate com a melhor mão,
Bate quantas punhetas apetecer,
Imagina que estás a foder,
Com tua fértil imaginação,
Imagina sem proibição,
Bate, bate, continua a bater!...
Faz o batimento crescer,
Bate, bate até cair,
Bate, bate, vais conseguir,
Bate, bate como deve ser,
E quando já não parares de gemer,
Bate e sente o que é bom de sentir,
Acelera o bate que bate, tem de ser,
Bate, bate e vais-te vir,
Bate mais até doer,
Bate, bate,
Bate… bate… bate…
Quando te vieres vais-te rir,
Vem, depois, o bate lento sem emoção,
Bater ao ritmo do coração,
Deixa, deixa de bater,
Deixa o branco escorrer,
    Sacode o branco da mão!...

Esta foi a tua punheta seguinte,
A primeira punheta da tua geração,
Masturbaste tua imaginação com requinte,
    A primeira punheta, depois de mais de vinte,
       Qualquer mulher ao alcance da tua mão!...
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quarta-feira, 29 de junho de 2016

Irremediável (Perda de Tempo)

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Deixei em ti morrer,
Enquanto em mim morria,
O que deixei deixar de querer,
Tudo que de nós mais queria;
Troquei tudo por um dia,
Por dias de não saber,
Mal eu saberia,
    Quão mal sabe o nada ter!..

Ai, se ontem eu soubesse,
O que de ti, amanhã quisesse,
É a presente contrição tão severa,
Deste vazio presente que me exaspera,
Oxalá voltasse o passado que me desse,
O que por mim, ficando, por ti espera,
    E por nós, novo amanhecer viesse!...

É tua tristeza que não mereço,
Tristeza tua que me entristece,
     Triste saudade que eu conheço!...

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