quinta-feira, 19 de março de 2015

Botão 26



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Tem destes valores,
A vida e nossos amores,
Tem a vida, janelas de excepção,
Há excepcionais remédios para as dores,
Há o destino guardado no destino do coração,
Por vezes, os corações desconhecidos são o que são,
Podem ser irreveláveis sonhos interiores,
Ou desejos de externos rumores,
Revelados numa sensação,
De ser…
E eu, sem o saber,
Sem da tua imprudência suspeitar,
Vi o teu sorriso deslumbrado aparecer,
Apareceste como quem quisesse amar,
E eu, que mal sabia como te beijar,
Dos teus lábios o fiquei a saber,
Que ainda antes de acontecer,
Já o beijo se mistura no ar,
   Dado antes de nascer!...

Talvez o destino faça o botão despregar,
Apartar-se das velhas linhas que do botão vasa,
Talvez o destino de eu ser botão, fosse abotoar,
Ser coração que uma agulha fosse trespassar,
  Antes de por ti amado, ser botão sem casa,
       Que a casa encontrou e contigo foi casar!...

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terça-feira, 3 de março de 2015

400 Poemas d'Alma


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   Haverá mais poemas que estejam por vir?!...
Talvez um poema se revele no que vou vendo,
Há poesia que, nas palavras, se foi perdendo,
Palavras que deixaram de sentir,
Deixadas partir,
Com algum poema que o fosse sendo,
E com as suas palavras fosse crescendo,
Sentindo a saudade de nele prosseguir,
A saudade do silêncio e de o saber ouvir,
O não saber que do poema sabendo,
O saberia, sabendo como não sorrir,
Com as palavras fosse aprendendo,
E com o poema aprendesse a rir…
Rir de não saber o que se vai lendo,
Sem deixar de ler,
Sem deixar de mentir,
Mentir às palavras sentidas,
E deixar que nelas o poema as queira esconder,
Fazer delas o que lhe apetecer,
Dá-las como perdidas,
Encontrá-las escondidas,
Na vontade de as conceber,
Senti-las vivas e atrevidas,
      E vontade de as ter!...
Há sempre mais um poema à espera de existir,
Todas as palavras desconhecidas existem,
Os sentimentos não desistem,
É sã, a carne viva da emoção de existir,
É tão viva a dor e o prazer da razão de resistir,
Resistência à tentação dos vazios que persistem,
Vazios que se enchem dos interiores persistentes,
 E no sossego do nada desejar em que insistem,
Nadas moles, atormentados e insistentes,
 E nada há que os faça desistir…
O nada dos nadas que do nada não querem sair,
E por nada que seja, sem nada, se deixam ficar,
Sem nada querer, ou não, e gostar,
De todos os poemas ausentes,
      Sem nada das palavras esperar!...

Vagueando entre palavras sem rumo,
Entre costumários sinais de rumo certo,
Na certeza de rever-se num poema incerto,
E na sorte certa de perder-se num breve resumo,
Leve como o desvanecimento de uma língua de fumo,
Que se eleva nos leves braços doutro fumo descoberto,
   E se esfuma na palavra cúmplice com uma leve ironia!...
   Uma baforada de cachimbo, lúdica e plena?!...
  Um beijo e um olhar de melancolia?!...
Flutuando sem destino, desencontro-me do tema,
Procuro-me no destino do tema vadio de uma pena,
Escrevo o destino dos pássaros nas asas de cada dia,
Dou asas à infância escrita nas asas de minha fantasia,
Como se eu quisesse ser fumo que voa de um poema,
Ser todas as palavras de um beijo que bocas silencia,
Ser a criança beijada e ser o beijo que me acena,
Soprado por quatrocentos lábios de poesia!...



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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Meu Deus!... (Tentação)


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   Meu Deus!...
Porque me deste esta língua verdadeira,
E este sabor acre e doce da palavra bifendida,
Porque me deste, do céu os olhos e da terra a poeira,
Ser estas crinas cruzadas e o aro fechado de minha peneira,
E a substância mais grossa de minha obscena verdade vencida,
Que me trespassa como se eu fosse essa Tua luz incompreendida,
      Minha própria sombra indigna e professa de minha língua inteira?!...

Sinto rastejar dentro de mim o que não quero da parte que sou,
Fora de mim, banho-me em Tua luz que anseio compreender,
Tudo é puro, sereno, felicidade plena de Ti a que me dou,
Sinto o teu sorriso singelo da felicidade onde estou,
Quase posso tocar a luz que dá forma ao Teu ser,
Minha alma rejubila por Te pertencer,
     É amor puro que por Ti ressuscitou!...

Mas, de repente,
Revela-se, do fundo, a serpente,
E o outro lado da verdade que penso,
Há uma verdade que serpenteia, pungente,
Com as línguas bifurcadas de um fogo intenso,
Que se aproximam do meu ténue bom senso,
     E arderá alguma de minha razão aparente!...

       Meu Deus!...
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sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Anos das Cabras (Os pastos secos da liberdade)


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… e se onde nasce o Sol a Paz é desejada no ano da ovelha,
Pede ao inferno, o olhar desta terra que se põe, que se abra,
São bípedes abestalhados,
No macio dos tempos bastos,
A engordar nos verdes pastos,
Á sorte selvagem abandonados;
Cresceram as bestas que são agora apanhadas de cernelha,
Afagam-lhes as cruzes fustigadas no lombo que se descalabra,
Arfam os quadrúpedes de língua pendida e olhar de esguelha,
E antes de verem o seu sorriso ser farpado de orelha a orelha,
Vêm uma familiar vaca coberta pelo desejo de ser cabra!...
São as vacas sem vergonha e de rastos,
Já fartas dos seus gordos bois castrados,
Fartas do olhar puro dos puros e castos,
Correm carregadas de pecados vastos,
Aguentam os cornos de bois derreados,
 Enquanto pastavam foram encornados,
     Escondem agora seus cornos já gastos!...

O Sol continua a nascer e cada um tem direito à sua centelha,
Os pastos do olhar deposto são agora sem cor e cor de viagra,
Pequenos olhos tranquilos vêm harmonia e Paz numa ovelha,
Grandes olhos traídos põem-se nos cornos de uma cabra!...

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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Tempo de Ler-te


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É tempo de ler os livros que nunca li,
É tempo de abrir-me e aprender contigo,
Não sei se é tempo de encontrar o tempo que perdi,
Não sei se vou a tempo de ver o tempo que nunca vi,
É tempo de abrir tuas folhas e folhear-te comigo,
É tempo de seres livro que lê o que digo,
Não sei se é tempo meu que de ti,
   É o tempo que eu persigo!...

Tuas folhas que eu nunca virei,
As folhas que em branco se escreveram,
São folhas brancas onde as palavras se esconderam,
Procuro em tuas páginas o que tanto de ti nada sei,
Não sabendo se dentro de ti, te encontrarei,
Entre as palavras que se perderam,
  Palavras com que não fiquei!...

Quero-te livro aberto à minha leitura,
Quero que sintas cada palavra que de ti leio,
Tuas palavras sejam minha pronúncia em teu seio,
E te cubram, tomando teu corpo com ternura,
E se, porventura,
O prazer em ler-te que tanto anseio,
Puser fim ao fim de minha procura,
O teu fim será o melhor meio,
De ser esta minha sã loucura,
    De voltar a ler-te sem receio!...
                                                                
É tempo de continuar a escrever,
Este mesmo livro que nós somos,
E não sei se haverá maior prazer,
De sermos o que sempre fomos,
     Livro irresistível à vontade de ler!...
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quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

A Árvore Branca e o Abraço Branco da Neve


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Eu era a única árvore branca do arvoredo,
Até à tranquilidade fria do dia em que nevou,
A frieza branca da neve, minha brancura levou,
Tanta é a brancura de gelo a gelar-me de medo,
Agora tudo é branco e já não sei o que sou!..

Vou desaparecendo e não me reconheço,
Sou envolvida no abraço frio deste manto,
Sinto-lhe o frio em meus braços e arrefeço,
É por tão serena brancura que eu escureço,
Sinto desvanecer-se meu olhar tão branco,
    E vendada pelo branco silêncio, adormeço!...

Depois, permite a brancura sonhar,
Sonhar que frescas lágrimas cintilantes,
Brilham ao longo do meu fresco despertar,
Derrete-se o manto branco ao sol a chegar,
Sou a única árvore branca como era antes,
     Feliz pela neve que volta para me abraçar!...
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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Anuência do Fim do Mundo - Silêncio da Culpa e da Inocência


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Crianças desfilam em passadeiras rendadas,
Despidas da inocência até às rendas adultas das ligas,
O adultério embuçado de silêncio não lhes diz que foram violadas,
Transformando-as em sombra de silenciosas filhas envergonhadas,
Ainda antes que o sol despontasse nos olhos das jovens raparigas!...
Os pais anoiteciam no segredo do ciúme, demasiado cedo,
Mães, entregavam-se às noites da vergonha e do medo,
O silêncio da noite contava às filhas histórias antigas,
Histórias que se escondiam no silêncio das amigas,
E das lágrimas agrilhoadas ao mudo segredo,
     Atrás dos gritos das palavras amordaçadas!...
Hoje, já mulheres desesperadas,
As crianças continuam a desfilar,
Pais pagam para as namorar,
Mães são desprezadas,
   E proibidas de falar!...

Os pequenos lábios vermelhos desfilam, sensuais,
Insinuam-se os olhares perdidos nas cores do pecado,
Os aplausos entrelaçam-se em nós de laços carnais,
E antes que as crianças possam crescer mais,
   Já suas virgindades têm o destino traçado,
Com a anuência destes tempos brutais,
       Num banal espectáculo desgraçado!...
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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Esplim (Melancolia Existencial)








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Talvez sim,
O princípio esteja na existência,
Talvez na primeira impressão da aparência,
Ou na aparente impressão de princípios assim,
E nada exista!...
A fantasia e o olhar a florir entre flores de jardim,
As cores, cada perfume e a sua fantástica essência,
Os regatos de cristal e as fontes incríveis de marfim,
A sorte longínqua e lenta dos elefantes, pesada e ruim,
O vapor das lágrimas transparentes em evidência...
Talvez sim,
    E nada exista...
Tudo gire num bailado harmonioso de inocência,
E um ou outro sublime estado de abstrato esplim,
Talvez a razão do fim do mundo, afinal não exista,
    E só para todos nós e todas as coisas haja um fim!...


Talvez tudo que existe seja irreal,
Talvez a melancólica realidade não resista,
A esta melancolia existencial,
   E nada exista!...

   
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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Vontade que Falta


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Está um normal tempo de danar,
Tempo de ver corações já frios gelar,
O frio já faz tremer a vontade da malta,
Ainda não é chegado o tempo de nevar,
O tempo é paciente e não se quer vingar,
     Mas vontade não lhe falta!...

Subiu na vida sem ter nada a perder,
Subiu ainda mais do que seria de prever,
Subiu até ao pico de sua vaidade mais alta,
Deixou de olhar por onde poderia descer,
Sabe que destronar Deus não pode ser,
         Mas vontade não lhe falta!...

É o melhor amigo do seu amigo,
Partilharia sua cama e daria abrigo,
Um amigalhaço, um inofensivo peralta,
Trás a sua silenciosa mulher sempre consigo,
Não cobiça mulheres alheias atrás do seu umbigo,
      Mas vontade não lhe falta!...

Chega a ser o melhor amigo do tempo invencível,
Escada da sorte que, por tanta sorte, o sobressalta,
Ser completude para além de si é impossível,
Não é homem à prepotência suscetível,
    Mas vontade não lhe falta!...

O coração frio continua de arrepiar,
Sobre nuvens, treme de frio a vaidade,
O quente olhar do sol continua a brilhar,
Olhos sabem que tanta luz pode cegar,
Podiam abrir-se à verdadeira saudade,
E acordar de alguma falsa humildade,
Bastava olhar abaixo para se salvar,
  Mas falta-lhe a vontade!...

    
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