Cortei o cabelo no velho
barbeiro,
O grisalho da nostalgia
demasiado rente,
Um pouco mais de tempo rente
ao dinheiro,
As tesouras matreiras tosavam
um corte certeiro,
Cortavam velhos tempos e
vendiam quentes chapéus,
O Vento barbeava a geada de
cortar o gelo dos céus,
Vesti o quente capote e
espreitei o azulado do céu,
Comprei um chapéu!...
Ensaio o bater do dente,
Saio de cabelo varrido e sigo
em frente;
Vou estrear o chapéu, quando
passa o Tibério carpinteiro,
Saúdo de cabeça descoberta, o
respeito vem sempre primeiro,
Um desdenhosos cabeludo que
passa oferece-me um pente,
Penteio um sorriso e
devolvo-lhe o presente,
Depois da frescura do corte,
Entranha-se-me um frio mais forte,
Mas eu tenho um chapéu que o
barbeiro me vendeu,
E o meu cabelo que por lá ficou, que o tenha como seu,
Para o frio, tenho um chapéu
e sinto-me com sorte!...
Apresso-me a estrear o chapéu
que é meu,
Minha cabeça gelada já o
sente a assentar,
Tão feliz por um chapéu poder
usar,
É então que, de repente,
Me saúda o Carlos Clemente,
-Saúdo quem me respeitar-
Com o chapéu na mão dormente,
Faço uma vénia, sem parar,
Crianças brincam com gelo que
não quer derreter,
Uma velhota escorrega no gelo
e faz-me doer,
Arrepio-me até às orelhas
cheias de frieiras,
Pego no chapéu e dou os bons
dias a duas freiras,
Passa o Manel a correr,
Passa o senhor Joaquim,
-Como vai o amigo, está bom
ou não quer dizer?...
-Assim, assim…
E agora sim,
Vou andar de chapéu,
enfim!...
Adianto o passo e passa-me o
frio de tão comovido,
Um estalo no toutiço faz-me o
chapéu saltar,
-Há quanto tempo não te
via!!!...
Era o Zé de cabelo branco
tingido,
Havia desaparecido,
E logo agora havia de
voltar!!!!!...
Apanhei o chapéu preto e
quentinho,
Uma rajada de vento fê-lo
voar,
Corri atrás dele como um
maluquinho,
Olhei para os lados e estava sozinho!...
Só não olhei para a frente
onde me olhava o João,
Passei pelo cabeludo
Joãozinho,
Pelo Quinzinho,
Passou o Carlão,
O filho do vizinho,
E o Sebastião,
O gato vadio e até o velho
cão,
Que corria atrás do Quim manquinho,
Por todos tirei o chapéu em humilde saudação!...
Há tanto tempo que não via
minha professora da escola:
-Olá senhora professora, como
passou?
Ela quer saber como estou,
-Com um friozinho…
Estende-se a mão de um pedinte
e dou uma esmola,
Tropeça em mim o Felício que
não é bom da cachola,
A vesga padeira dá-me um
encontrão,
E lá volta o chapéu para o
chão,
Apressa-se o gordo padre que
me confessou,
Apanha-me o chapéu o magro
sacristão!...
Aí vem a dona Maria do
Toninho,
Mais o Toninho que se
engasgou,
Com os filhos, pequeno
Bonifácio e o grande Zezinho,
Perguntam-me como vou…
Ai, como vou, como vou…
A mais de muitos digo que
vou devagarinho,
Encolho os
ombros a mais um que me saudou!...
Chego a casa com um estranho
calor,
Tantas foram as vezes que não
pus o chapéu,
Quanto todas aquelas vezes
que o quis pôr,
Não me falem de chapéus por
favor,
Vou continuar de cabeça ao léu!...
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