.
.
.
Via em cada partícula de cada pétala de
cada flor, por mais pequena que Deus a tivesse feito,
Uma flor total e única, como todas as
flores que se despediam da árvore ou do seu frágil caule. Deixavam o fruto que
abraçaram conforme Deus quis, hesitavam na brisa e partiam com o vento!... Via
em cada lufada fresca de vento, um lago de fores que ás vezes floria num
mar de pétalas de todas as cores suaves, diluídas num sereno mar de delicadeza
melancólica… e via o rosto insólito de Deus, meigo, condescendente, perfeito, a
repousar no oceano interminável da sua forma tão invisível quanto pleno de
todas as formas que eu imaginava!...
E eu que de alguma forma, voava,
Levado pelo vento que me trazia,
Pressenti que Deus se desfolhava,
A flor única das flores que eu via,
E era esse o desfolhar que sentia,
Por cada flor que Deus me dava!...
Um melro branco de frio, olhava-me sem
medo e com medo de o ver fugir, parado e silencioso, oferecia-lhe o sorriso que
a mim mesmo devia. E o melro, já preto, sorria… a princípio, talvez um sorriso
amarelo e só depois, desfolhado do medo, libertava um lindo sorriso que continua
por aí à solta, entre pétalas muito leves que o vento levou!... Os estorninhos
sem sorriso amarelo, pétalas menores das mesmas flores e aquele grande corvo
negro no batatal que nunca semeei, passeando entre a rama verde das batatas,
passeando entre as suas luzidias penas pretas e o seu bico muito preto e forte,
parecia mais flor do que as flores… e floria o seu contraste, como se tivesse
uma consciência para ter a consciência disso!... Nunca o vi entre flores, não
sei se por culpa das flores ou por qualquer florir acidental...
Acidente, de propósito, provocado,
Pela primavera em seu intenso estado,
De muito fazer crer no bico amarelado,
De um verdadeiro corvo no meu batatal,
Que não fosse um negro melro disfarçado,
De um corvo que se disfarçasse muito mal,
Julgando passar-se por um melro, tal e
qual,
Como as flores de um jardim bem cuidado,
Onde cada flor a outra flor pensa ser igual!...
Como as flores são diferentes!... Umas
mais flores do que outras, por serem tão flores quanto outra flor é igual a
outra flor que se sente mais flor!... Depois, vem a sensação de ser botão, dono
de um par de casas trespassadas por agulhas, quando floresce… e desabrocha,
incrédula, no momento em que tudo acaba, em que descobre o seu destino
imprevisível e o destino do fruto que jamais conhecerá, em sua maturação mais
sensível!...
E é cada flor tão invisível,
Tão visível às cores do olhar,
As flores proibidas de chorar,
Sempre de sorriso irresistível,
Até já não ser mais possível,
Ser flor tão triste e disfarçar!...
O vento também floresce e veste-se com as
mais leves flores que leva consigo. E essas flores, que começaram por ser uma
brisa de pequenas malvas silvestres, lufadas frescas de narcisos orgulhosos de
si e rodopios estonteantes de apaixonadas margaridas,
Fizeram-se vento, um vento forte,
Vento florido de tristes despedidas,
O adeus às cores das flores da sorte,
Rosas negras de saudade e a morte,
E todas as pétalas, perfume de vidas,
No perfume seco do vento perdidas,
E, por fim, a última flor, último corte,
A marcha fúnebre e lágrimas sentidas,
Um carro negro, das flores, transporte,
Que carrega o luto das flores
coloridas!...
Flores que todos os jardins cobrem, flores
que hão de nascer e todos os jardins hão de cobrir... talvez todas as flores sejam terra, fresca e revolvida, de braços abertos à semente, às flores e ao retorno do processo orgânico, de onde todas as flores brotam depois de regadas com as lágrimas do adeus e da saudade e fértil sentimento que, lentamente, passa como passam as flores por cada momento!...
Serão passo flridos do passar lento,
O desabrochar da cor, o florir,
O ameno desvanecimento,
As cores do tempo,
As cores a fugir,
O lamento,
O sorrir,
O desalento,
Lágrimas e o sentir,
Todas as flores e o vento!...
E, em Maio, todas as flores são uma flor única que oferece o fruto a quem nasce, e suas pétalas que acompanham a alma, cobrem a última viagem da vida que parte e fica nos jardins dos que ficam, como flores ainda mais flores, no coração de cada flor nascida para cuidar da cor e do perfume que na vida aconteceu...
E do perfume da alma não parte,
Como se aquela flor fosse pura arte,
Fruto do talento natural e da sedução,
E de toda a beleza, um natural baluarte,
Capaz de fazer florir a beleza no coração!...
Depois... depois, despedem-se as cores que o vento leva, deixando atrás de si o que tantas vezes, da vida, levou enfeitado de flores que continuam a voar por aí... em nós!...
.
.
.