terça-feira, 29 de março de 2016

Hera de uma Era e a Luz

.
.
.

Arriscando entre a luz em perigo,
Entregou-se à luz ténue da fresta,
Não era a fresta um cómodo abrigo,
Era o caminho que caminhava consigo,
Caminhos entre uma iluminada floresta,
Onde as árvores cresciam em festa,
   Natureza de um costume antigo!...

Espreitou a luz que a espreitava,
Trepou com a luz dos seus sonhos,
Entre trevas e pesadelos medonhos,
E o medo que atrás dela desmedrava;
Enfim, a luz e todos os rostos risonhos,
Não se despedira dos rostos tristonhos,
    Era tanta a luz que os sonhos iluminava!...
Uma luz imensa,
A vida expandida das fontes,
Lembrou-se da fresta, viu pontes,
Abriu suas folhas viçosas à recompensa,
Cresceu rapidamente até novos horizontes,
Até sentir um corte que a deixou suspensa,
Na luz que dela se ia esvaindo!...
Ainda sentiu suas folhas caindo,
Caía nas trevas ao corte da foice fria,
Era o sonho que pela fresta se ia,
O fim da única Primavera,
Triste fim de mais uma Era,
A liberdade em agonia,
Era a luz que morria,
Como quem espera,
O que sempre quisera,
    À luz livre de cada dia!...



“Todos os pecados são enterrados vivos,
Sepultados sem pecado, para viver in Natura,
Vivem alimentados pelos mais puros motivos,
    Das flores que crescem em cada sepultura!...”
  
.
.
.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

O Douro e o Rabelo

.
.
.

Há no Douro um feitiço,
Das suas ninfas há um apelo,
Assinou o rio um compromisso,
Seria mágico e mais do que isso,
Exposto seria todo o seu anelo,
Por suas ninfas, pleno de zelo,
E para sempre submisso,
     Á vontade do Rabelo!...

Navegam os Rabelos,
Com suas ninfas enfeitiçadas,
Mulheres pelo Douro apaixonadas,
Soltam ao Douro seus longos cabelos,
Salvam os Rabelos dos seus desvelos,
    Ninfas do Douro por Rabelos beijadas!...

Lá vai o Rabelo com suas pipas de vinho,
Sempre sorrindo no abraço do Douro,
Sempre solitário mas nunca sozinho!...
.
.
.



domingo, 31 de janeiro de 2016

Saudade sem existência


.
.
.

Eram suas as suas saudades,
Saudades que nunca quis ter,
Alimentou-se de frugalidades,
Pratos vazios de necessidades,
Pouco mais desejou para viver,
Só queria ter saudades de ser,
Diferente das suas brevidades,
    Saudades suas antes de nascer!...

Morreu a saudade por ninguém,
Da saudade que de saudades viveu,
Saudades da saudade de alguém,
   Que de saudades não morreu!..
.
.
.



quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Eu, a despeito da potestade

.
.
.

Nada me empurra para trás,
Resisto ao dia seguinte,
E, por conseguinte,
Nada do que será feito me faz,
Tanto faz, a palavra reconstituinte,
Que, por conseguinte, será de paz;
A guerra que ninguém prometeu,
Está prometida,
Por conseguinte, digo eu,
Que eu resisto à verdade escondida,
    De tudo que dentro de mim, é meu!...

Nada do que me acusam,
É mentira!...
Tudo que digam a meu respeito,
A despeito do despeito,
É verdade!...
A respeito do respeito pela verdade,
A despeito do despeito da potestade,
Por maior que seja o poder do preconceito,
Jamais fará de mim um verbo de corpo perfeito…
Nada nem ninguém,
Por mais que tenham respeito por mim, também!...

Este é o ultimo dia dos dias que hão, de vir,
Ninguém se lembra do primeiro choro de Mãe,
    Mas todos choram quando deveriam rir!...
.
.
.


quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Braços caídos - Até ao Futuro

.
.
.

Em teus braços de verdes ramos,
Por tuas verdes folhas envolvidas,
Dormem cores de Outono caídas,
   No velho regaço dos verdes anos!...

O aconchego no ninho de inverno,
Calor da ternura, o afago do vento,
Sem o existir das horas e do tempo,
      Mais um dia, mais um abraço terno!...


Há milagres esperando os penitentes,
A negra esperança, o abraço nefando,
 De braços caídos em anos descrentes;

Inesperada luz que foi desmaiando,
Anoitecendo as auréolas inocentes,
    Pra trás da inocência foram ficando!...


.
.
.



terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Cio das Sombras e dos últimos Dias

.
.
.

Saberão os dias resistir,
Aos dias ferozes que se abeiram,
Por mais que resistam os dias de sentir,
Sem o sentirem, acabarão por sucumbir,
   E terão fim, por mais que não queiram!...

Há dias e há dias de verdade,
Há dias e há dias que mentem,
Verdades dos dias que sentem,
Não se escondem da saudade,
Amanhecendo-se na claridade,
Do dia findo que pressentem,
E anoitecem na luzente idade,
Das mentiras que consentem,
    Por tristeza e triste bondade!...

E os dias que não são dias,
Escondidos no tempo fugidio,
Acordam das noites sombrias,
Como sombras cobertas de cio,
     Possuídas por auroras fugidias!...

São os dias que não resistem,
Às noites amantes que caem,
Entram nas noites e insistem,
    Prostituem a verdade e saem!...
.
.
.


  


domingo, 27 de dezembro de 2015

Nuvens de Corvos (Mais tarde ou mais cedo)


.
.
.

Mais cedo ou mais tarde,
Vemos uma nuvem que desanima,
Aproxima-se em silêncio, sem alarde,
Escorre por sua pouco líquida auto estima,
Sua memória do arco-íris já não a mima,
Está perto do inferno sem cor e arde,
  Cai sobre nós, com o céu em cima!...

Mais tarde ou mais cedo,
As nuvens mais brancas escurecem,
Desabam sobre espantalhos, em segredo,
Não haverá raios de Sol que espantem o medo,
Searas de trigo cobrem-se de corvos e arrefecem,
Erguendo-se da terra, nuvens de corvos amanhecem,
Para escurecerem o pão em seu triste arremedo,
Longe do Sol que já não vêm e falecem!...

A três dias do fim do último dia,
Logo após a esperança nascer,
A terra grávida de agenesia,
Viu uma árvore esmorecer,
A chuva desaparecer,
E tudo que sentia,
     Secar e morrer!...

Mais tarde ou mais cedo,
As nuvens de corvos voltarão,
Chuva de penas negras escorrerão,
E aos olhos da Terra coberta de medo,
Enterrar-se-á o princípio do fim da razão,
     Haverá chuva, mais tarde ou mais cedo!...

.
.
.


sábado, 28 de novembro de 2015

Fome

.
.
.

Dos rostos mais feios da espécie que nos devora,
É a vergonha mastigada por uma adefagia doente,
Uma fome alimentada com a maldade de muita gente,
Diferente fartura de Espírito, alimento das almas de outrora,
A mesma fartura em falta da fria humanidade que já não chora,
Chorando solidariedade hipócrita na exposta miséria conveniente,
Sedutor donativo depositado para abastados vencimentos na hora,
Herdadas contas insaciáveis de candidaturas legítimas a presidente,
Prometida manteiga a derreter no ougado pão que à boca demora,
É tudo isso calor do momento que a fresca esperança não melhora;
Estando a mesa de reis garantida, esquece o rei seu povo indigente,
Continuando o resignado castigo de um comido povo imprudente,
    Avesso virado no interior de anorética moda disfarçada por fora!...

Rei dos espermatozoides mais fracos,
Impunha sua lei de ejaculações contidas,
Estrangulando inatingíveis orgasmos velhacos,
Com a verga amolecida por desidratados buracos,
E simulava falsas palpitações de farturas fingidas,
Como se nadassem em prazer pelo prazer nutridas,
Mas tudo se foi desmoronando em orgânicos cacos,
Quando muita da fome encoberta por olhos opacos,
Revelou dispensas vazias de fertilidade desprovidas,
Restando um forte bafio exalado de esquálidos nacos,
    Herdeiro possível de escondidas migalhas perdidas!...

Gratos pelo fundo migado da lambida tigela,
Mimos empedernidos cavam salgados granitos,
Matando a fome com a sede mortal dos malditos,
Cozinhando vómitos com as migas que o medo martela,
Mas são deliciosas as migas guardadas pelo Amor bendito,
De pais sacrificados na luta contra a fome que filhos flagela,
    Trabalhando os calos ásperos de ódio por salário magricela!...

Sobre o caruncho dos ossos de mesas quebradas,
Sentam-se costas de cadeiras coladas ao abdome,
Esperando o bolor esquecido em pratos sem nome,
Enquanto à farta vergonha de lágrimas esfomeadas,
Se junta a seca penúria de alcunhas envergonhadas,
    Alimentando o choro com tristes lágrimas de fome!...

Atentados à pobreza são pagos em instituições de caridade,
Com a caridade dos pobres servida à mesa pelo pobre cicerone,
     Repastos de pobreza cozinhada na inópia da mirrada solidariedade!...
.
.
.


sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Ironia do Zé Ninguém

.
.
.

Como sofria aquele Zé Ninguém!...
De olhar caído nos subúrbios de Deus,
Pendia dos cílios de uma solitária mãe,
Adormecida no sonho de ser alguém,
   Amplexo comprimido dos olhos seus!...

Deixando afogar-se em remoinhos salgados,
Sentia o oxigénio fugir na frialdade dos castigos,
Que emergiam na superfície os oculares abrigos,
Escondidos na dor da retina de olhares segregados,
Quase cegos pela sobrevivência dos amores antigos,
Afogados na separação das lágrimas de olhos amigos,
     Pelo transbordo incerto de opostos ângulos cruzados!...
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Entre sulcos de rugas inertes dos rostos abandonados,
    E os raros cabelos grisalhos, penitentes de cabelos caídos!...

Possuídos por espíritos em agonia,
Despidos da luz de muita alma dilacerada,
Rasgou-se a lâmina atrás da pálpebra suturada,
Pelas vacilantes tentativas da suicida travessia,
Dos caminhos sem saída, empedrados de nostalgia,
     Esses atalhos resignados de tristeza consumada!...
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Pelos extenuados olhos tristes cheios de nada,
    Espelhos embaciados por esquálida melancolia!...

Corpos moribundos arrastavam-se no negrume da tristeza,
Esgadanhavam ténues memórias de punitivas loucuras carnais,
Onde carpiam desabafos abafados às lágrimas de sua fraqueza,
E ali definhavam as almas abandonadas à verdadeira crueza,
     De corpos irreconhecíveis na humanidade de trapos imorais!...
Como sofria aquele Zé Ninguém!...
Ao ver aqueles pecados vivos transformarem-se em mortais,
    Enterrando a felicidade viva, na sombra morta da beleza!...

Ninguém amava o amor que o amava,
Fazia amor com o amor que amor com ele fazia,
Lambiam mel sem fim que dos seus corpos escorria,
Entre orgasmos intensos do prazer que os abraçava,
E os pecados simultâneos que a felicidade defendia,
Perdoados por Deus que suas almas não julgava,
     Pelo prazer do Amor recíproco que Ele protegia!...

Afirmam ser um pecado mortal de alguém,
Mais de mil anos de prazer e Amor imenso,
Do Amor fiel e o libertador orgasmo intenso,
Almas abandonadas que olham com desdém,
     O respeito pelo Amor e aplicado bom senso!...

Como sofriam todos aqueles,
Os que sofriam sentindo-se alguém,
    Cheios de todos quanto os cheios deles…
E como sorria aquele Zé Ninguém,
     Como ninguém, sorria por eles!...
.
.
.












quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Rebusco

.
.
.
No final das vindimas,
Já não corre à solta o riso patusco,
Nem se recorta o gesto das pantominas,
Na sombra da luz das velhas lamparinas,
Que iluminavam as estórias do rebusco,
Combinadas com as tesouras traquinas,
Desafiadas pelo cacho mais robusto!...

Um ancião com estórias infinitas no olhar,
Falava aos gaiatos que o ficavam a contemplar,
Atentos às sábias palavras que sempre trazia consigo,
-Filhos, não esqueçam o que em boa verdade vos digo,
Nem respiravam, os petizes, para o ouvir falar,
-É importante haver alguém em quem confiar,
Para que não haja necessidade de procurar o respigo,
     Que no fim da vindima, os vossos filhos vêm rebuscar!...

Há três bagos escondidos atrás da folha da videira,
Aguardando o filho de quem os ajudou a esconder,
Há vinhas ocultas cultivadas por ignorante cegueira,
Abandonadas na sombra vindimada da culpa solteira,
Amantes de misteriosas sombras que ficaram a dever,
A Luz solar nas encostas de costas deitadas na asneira,
Deixando que videiras sem memória ficassem a arder,
Entre obscuros bardos de cachos parados de crescer,
Quando as cepas vivas foram queimadas na fogueira,
    Dos cheques inflamáveis que ninguém quis deter!...

Há um provecto a deixar escorrer um sorriso,
Quando afaga a escola retomada da necessidade,
Há ainda outro velho sábio com um sentido preciso,
Protegendo três bagos no olhar de um gaiato indeciso,
     Entre o respigo perdido e o renascido rebusco na vontade!...

Um moço vivaço com a luz de um candeeiro reflectido no olhar,
Conta estórias sobre três bagos maduros de vaidade,
    Que muitas famílias ajudaram a sustentar!...
.
.
.