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Não bastou,
A pele coberta por um ano muito pobre,
Transparente de tão sombria que foi a
cortina,
Pele de nossa sombra que muita carne
rasgou,
Muito fina,
Desse ano que ninguém inveja,
Por mais perto que de outro ano se
esteja,
Próximos de pensamentos em dissipar a
neblina,
Dessa densidade anual da memória que não
se deseja,
Muito fina!...
Vergamo-nos por algo que não nos dobre,
E regressamos à fetal posição que nos
cobre,
Procurando descobrir uma proteção quase
divina,
Que nos descobre,
A implorar que vos proteja,
De outro ano tão mau que não nos seja,
Igual à mesma espessa rotina,
Muito fina!...
De tão ténue foi o sobreviver,
Sem ter o que ter,
Como livrar-se dessa sina,
Assassina nova ordem de ser,
Às
ordens de um novo amanhecer,
Prometido por rastejantes poderes de rapina,
Vendedores de modernos sóis ao anoitecer,
Especiosa verve de aparente suster,
Muito fina!...
Essa linha que deu a conhecer,
Prestímanos capazes de iludir um país,
Na certeza de dizer como quem diz,
O que não diz sobre o vir a sofrer,
Às mãos da privada morfina,
Que ri da incurável cicatriz,
Muito fina!...
Mas profunda como a morte;
Se ao menos os pobres tivessem essa
sorte,
De morrer,
De acreditar,
De viver,
Se ao menos se partilhasse a mesma
doutrina,
De adivinhar,
Sentir-se forte,
Talvez poder imaginar,
Que os sacrifícios irão resultar,
Mas o sangue continua escorrendo do
corte,
E ainda que o sentimento de perda pouco
importe,
Não bastará o rigor da mecânica disciplina,
Para que a justiça se vá consumar,
Porque ainda mais forte do que se
imagina,
É a voz da revolta esperada do verbo
gritar,
Sublevando-se…
Muito Fina!...
*
Cai o pano,
De um ano caído,
Sobre os trapos do velho ano,
Tão triste pelo novo ano prometido,
Nua esperança entre retalhos erguido,
Nova pele à medida do mesmo engano,
De esconder a Alma no corpo despido!...
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