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As contas
por pagar,
A cabeça
tonta a doer,
O fim do
mês para fatigar,
Anorexia
do salário a enjoar,
Os pelos
em pé e varas a tremer,
O que
resta da força a desfalecer,
O vómito
na boca cheia a sufocar,
Uma conta
atrasada por resolver,
O carteiro
e mais contas a chegar,
Voltas à
cabeça de entontecer,
Frias
vertigens a ameaçar,
E a
febre!...
De
repente, o estômago em alerta,
O
gargarejar das tripas e o casebre,
-Ai, Deus me
tenha a porta aberta,
O cu que até
ao alívio se aperta,
Correr
como uma lebre,
Diarreia
certa!...
Cercado
por extra-humanos para cá da terra,
Talvez o
fantasma de um Neil Armstrong lunar,
E da
pequena nave onde me puseram a sonhar,
Parece-me
ouvir um ranhoso fedelho que berra,
Um cadáver
já previsto disse que o iam incinerar,
Os extraterrestres
socorrem com ares de guerra,
Um
batalhão de luvas brancas está pronto a pagar,
Os
herméticos sabem que sou um cão que não ferra,
Aproximou-se
uma picada que me fez desconfiar,
E logo me
apaguei!...
Um raio de
sol e acordei,
Que raio
teria acontecido?!...
Não sei se
sonhei que tinha morrido,
Talvez
tenha mesmo morrido, pensei,
Tentei
levantar-me, meio entontecido,
Soltei um
peido e por ali me fiquei,
O cheirete
deixou-me divertido,
Mas voltou
a diarreia comigo,
Mais um e
me envergonhei,
Mais um
arrepio sentido,
Senti que me borrei!...
Uma televisão a um canto,
A notícia
e uma estória malévola,
É sem
grande esforço que me levanto,
Falam dos
meus sintomas, para meu espanto,
Para uns,
sou a pior bomba a rebentar de ébola,
Para
outros sou vacina milagrosa, por enquanto!...
Há um esquálido médico com ar desprezivo,
A sua indiferença nada diz sobre o
diÉbolico respectivo,
Da superfície do seu ameaçador silêncio,
quer que eu acredite,
Eu sou a cura de marca e o genérico do
ébola inofensivo,
Prescreve-me caldos de galinha e um anti
gripe!...
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“Quasecaos diÉbólico” assume, mediante a diversidade da temática, um ritmo urgente – como é a vida frente ao caos social e ao estado de saúde delicado, ou grave – unindo-se à sensibilidade humana através da multiplicidade de formas que seguem entre a história à atualidade, e entre o texto e o contexto à poesia, extremos que, trazidos à luz da realidade, precisam ser agregados à visão contemporânea sem o individualismo dos opostos.
ResponderEliminarNo limite, entre a Arte e a Realidade, ao contrário do sonho, ou da fantasia, ou da ficção, a dinâmica preenche uma lacuna no leitor, ou na leitora, através de uma abordagem lúcida, mas poética o bastante – característica principal dos Poemas d’Alma – e apresenta uma temporalidade imprescindível à ligação que existe com a própria pulsação da vida.
O Poema transita entre sinais, sintomas [“Frias vertigens a ameaçar, / E a febre!...”, / “Diarreia certa!...”], diagnóstico [“Cercado por extra-humanos para cá da terra,”], tratamento [“E da pequena nave onde me puseram a sonhar,”] e prognóstico [“Um cadáver já previsto disse que o iam incinerar,”] do Ébola, ou Ebola, mas, o que mais chama a atenção, além da informação dos noticiários, [“Uma televisão a um canto, / A notícia e uma estória malévola,”], e da analogia entre a pandemia e a miséria, é o tom humorístico, cuja negritude é devastadora, que o Poema transpira, literalmente: “Há um esquálido médico com ar desprezivo,”.
O interesse das Indústrias Farmacêuticas, enquanto fonte de estudos e apenas promessas milagrosas em concomitância com o descaso social, visivelmente doloroso na exclamação e nas reticências que sucedem ao último verso [“Prescreve-me caldos de galinha e um anti gripe!...”], por restringir a cura à qualidade de nutrientes absorvidos e por considerar a Vida (enigma de) e Morte (previsão de) são, na verdade, a única enfermidade incurável para António Pina.
Bom domingo.