segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Máscara e Carnaval


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Com uma faca corroída por velha ferrugem,
Dilacerou metade do rosto já cansado de si,
Uma parte deforme chora pela outra que ri,
Meias caras das caras-metades que urgem,
  Riem das deformidades disfarçadas por aí!...

Há uma parte equivalente à metade risonha,
A chorar da parte asquerosa coberta de riso,
Uma é parte do pesadelo que a outra sonha,
Sendo, ambas, sonho de uma parte medonha,
   Falsas partes corroídas  pela perda do juízo!...

Se uma boa parte à outra parte não leva a mal,
A outra parte não sabe que de sua parte fazer,
Uma parte é parte que a outra já deixou de ser,
Sejam partes mascaradas de consciência carnal,
Ou partes cegas dos olhos no rosto do Carnaval,
São máscaras escondidas na dificuldade de ver,
    Olhar que não reconhece sua imagem como tal!...

Quem já não experimentou máscaras descaradas,
Que dão ao pó-de-arroz a cara por mentirosas verdades,
      Esse que reduz a pó a mentira de verdades mascaradas?!...

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Dar Pérolas...

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Emprestava à educada adulação que dava,
Toda a beleza celestial que dos anjos adultos não tinha,
Redigia aroma a alfazema por cada palavra que perfumava,
Oferecendo vigor ao deleite das flores em Primavera de rainha,
Que levitava em volta do nascer dos sóis que seu reino mantinha,
E deixava despedidas ternas ao fiel súbdito que por elas se cultivava,
Rodeando-se do servil infinito que às doces palavras adulações dedicava,
Por cada sol posto que deixava em misteriosos perfumes de uma adivinha,
Guardada na cor de frasquinhos invisíveis das essências que não adivinhava,
    Fechando todas as palavras num livro onde sua palavra não estava sozinha!...

Oferecia às palavras uma outra versão da verdade que lhe ia na Alma,
Escrevendo lisonjas amorosas no branco dos olhos escancarados ao Sol,
Com que aquecia o engodo iluminado da estimas douradas do dócil anzol,
Na certeza de pescar os amores que nadavam nas repescagens da calma,
Confiantes nos senhores de si e das senhoras erguidas da luz de um farol,
     Para ambos flutuarem na rede das correntes brilhantes vivas em seu prol!...

Enfiadas na dupla transparência das linhas escondidas,
As mais lindas pérolas que no cerne das palavras se formaram,
Mostravam todo o Amor dedicado ao infinito das conchas perdidas,
Sempre abertas de amores às contas de vidro e outras pérolas prometidas,
Anunciadas pelo carinho ilustrado dos colares que aos mimos recebidos colaram,
Espalhando graças reluzentes na sombra grata do desassossego que as alteraram,
Com o sossego das passadas promessas ensombradas por pérolas esquecidas,
Apagadas da memória na folha que em suas páginas separadas voaram,
Poisando entre as costas voltadas do segredo ao abrigo das intrigas,
Onde dormiam sossegadas no espelho das entre costas amigas,
   Reflectindo adulações educadas das palavras que amaram!...

Às vezes pressente-se uma agitação consentida próxima do naufrágio,
E os porcos inocentes que se debatem entre a culpa das conchas antigas,
   Emergem lustrosos em quadros das tão lustrosas pérolas coladas ao adágio,
       Ofertas doces em elásticas lâminas de facas escondidas na doçura das ligas!...

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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Porém...

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O fim do Amor,
Acaba com o perfume das flores,
É como se...
Ao cortar uma flor,
Caísse no coração uma semente de dor,
      E se colhessem todas as dores!...

Porém...
É no jardim da Alma que refloresce,
   O Amor que por ela mesma, flor se merece!...
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segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Entre...

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Deixou-se poisar onde o chão se acaba,
Entre serenos beijos onde o Céu começa,
Hesitante é o corpo fremente que tropeça,
Nos purgatórios que a desejam libertada,
Entre um pouco do fogo que se propaga,
Pelo sangue de uma abrasadora promessa,
Inferno desejado que por ela não se apaga,
   Antes que a perda do seu desejo a impeça!...

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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Veredito:Velho

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Ergueram-se fronteiras à última caminhada,
Do percurso em que toda a felicidade partilhou,
Sua juventude,
Plena de saúde,
Foi por todo o consumo estimada,
Ao cair nos braços do abismo que restou,
Lembrou-se de todos os filhos que criou,
Algures entre a fímbia que a abraçava,
À beira das trevas da memória futura,
E o infinito da profunda amargura,
Que lhe beijava a face enrugada;
Pareceu-lhe ver um Amor que nunca a beijou,
Desejou tanto ser abraçada,
Por mais um pouco da vida que fora desperdiçada,
Mas apenas o abismo a abraçou!...
Os anjos dizem que procurou
Um rosto algures no fim do fundo,
Dizem que por momentos o encontrou,
Ao sentir nas costas a mão que a empurrou,
Para o passo em frente onde começava o fim do mundo!...

Soltam-se ecos silenciosos no abismo,
O paradigma da meia idade reza em silêncio,
Pelo renascimento do velho Humanismo!...

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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Asas do Pensamento

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Nem sempre as asas acompanham o voo do pensamento,
Pássaros que já não sabem porque se esqueceram de voar,
  Esvoaçam sobre o silêncio do céu sem o azul encantamento...
Há nuvens dispersas desvanecidas por não saberem chorar,
 O retrospecto infinito dos olhos onde o Sol deixou de brilhar,
 Voa com as penas fragmentadas no voo do deslumbramento,
Transparece de fascínio a liberdade que seca no afastamento,
Das asas e dos leves corpos livres sem força para desanuviar,
O mistério que paira entre o desejo de voar e o voo cinzento,
  Asas etéreas que do mistério da Alma não se sabem afastar!... 


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segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Luvas

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São tão insustentáveis as luvas do pugilista!...
Os ossos do povo entram no pequeno quadrado,
O primeiro directo é certeiro e fica sem uma vista,
Vê as sombras por cordas que o deixam encurralado,
Ameaças dos “segundos fora” ordenam que não desista,
E muito antes que o milagroso toque do gongo o assista,
Um golpe traiçoeiro nas partes baixas deixa-o capado;
A toalha branca limpa restos de caviar derramado,
Espumantes traidores celebram a conquista!...

1, 2, 3, 4... e antes que se ouvisse a voz do dez,
Todo feito num oito, levantou-se aos nove sobre os pés,
Ainda mal refeito dos tremeliques nos seus pobres joelhos,
Um par de uppercuts muito baixos fizeram-lhe cair os pintelhos,
A imagem desfocada do seu canto abandonado era um duro revés,
Ondulavam  grogues risos convexos como em divertidos côncavos espelhos,
Embora as dores nos esmagados testículos matassem,  não caiu e, ao invés,
Fustigado pelo murros do adversário atravessou o ringue de lés a lés!...

Um espartilho de cordas deixou-o imóvel a um canto,
Entre a saraivada de jabs e outros golpes mal encaixados,
As costelas acusavam os castigos e da direita caiam cruzados,
Os impactantes maus tratos de esquerda levantavam o espanto,
Que não deixavam cair aquele Povo para qualquer um dos lados,
Porque é assim, de pé, que os Povos sem nada são massacrados,
Depois de combinadas as garantidas apostas com todo o encanto,
Victórias arranjadas pela traição do dono dos derrotados!...

Do gongo chegou-lhe a muito custo um toque fraquinho,
Caiu em si, como se não bastassem os golpes que lhe caíam,
Percebeu a toalha desaparecida entre o espumante fresquinho,
E o desaparecido banco,
No seu solitário canto,
Onde...
Com o seu sangue e todas as partes que lhe doíam,
  Ali estava ele, um saco de pancadas com ele mesmo sozinho!...
Sentado sobre a dura realidade do verdadeiro caminho,
Levantou-se a custo até onde suas pernas podiam,
Entre cortinas de sangue avançou devagarinho...
Silêncio que vai...
Devagarinho...
Silêncio que vem...
Devagarinho...
Coragem era a única força que todos viam,
À volta do ringue os velhos cravos morriam,
A última rosa deixou cair a última pétala...
                                                                                        E o último espinho!...

E caiu!...




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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Gambozinos


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Rodeou-se o imaculado gestor de S. Bento,
De excelsos sábios e protectores génios divinos,
Hábeis decifradores de todos os enigmas dos destinos,
Que haviam enfrentado tempestades liderados pelo vento,
Lendas contam que cegaram o mais ambíguo olho agoirento,
E expurgaram o veneno do mau olhado entrelaçado nos hinos,
Canto das bandeiras envenenadas pelo mais ardiloso intento,
     Mas não há Povo que resista aos guardiões de gambozinos!...

É por demais evidente a imagem da realidade,
São gambozinos que o inquilino do palácio não vê,
Cresce a fome que alimenta fantasmas da tempestade,
Nas costas reais de um génio já careca de tanta vaidade,
     E as pedras de S. Bento não querem perceber porquê!!...
É estranho o analfabetismo do sábio que não lê,
As bizarrices geniais dos analfabetos mais finos,
Carecas que deixam o cheque do Povo à mercê,
     Da negação existencial de milagrosos gambozinos!...

Lá para os lados de Belém,
Outro investidor rodeou-se também,
De outros investidos génios e sábios iguais,
Venerados economistas de públicas falências reais,
Protegidos pela  careca Justiça deste Povo refém,
   Dos invisíveis Gambozinos e outros que tais!...

A realidade perdeu o tino da imagem,
Só os promovidos gambozinos são imagem real,
Acreditar na genialidade destes sábios é ser o aval,
    De todos os cheques carecas deste pelado Portugal!...
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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Azul


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Para lá de todo o céu azul do olhar,
Na imensidão azul onde se coloria a loucura,
Perdiam-se sonhos imensos em azul d’Amar,
Azul em despedida reflectido nos azuis do ar,
Vistos partir no coração azul de uma aventura,
Veleiro azulado que um desejo azul procura,
     Azul que antes do adeus vê seu azul voltar!...

Vai-se desvanecendo o azul no fim do dia,
Olhos guardam imensos azuis enternecidos,
Uma lágrima azul voa sobre azuis da maresia,
Beija o distante horizonte azul com nostalgia,
E sente suaves azuis de sentires indefinidos,
Tornarem-se a brisa de sua azul companhia,
   Até amanhecerem seus azuis agradecidos!...

No alto das falésias azuis e no azul dos cais,
Olhos de todas as cores esperam o azul eleito,
Com a azul Esperança de quem espera demais,
Azul que não basta ao azul que se cansa jamais,
Contemplação que tonaliza de azuis o conceito,
Dos seus azuis afectos matizados de azuis sinais,
    Que do outro lado contemplam o azul perfeito!...

Há azuis assim,
Azuis que palpitam no peito,
    Numa azul admiração sem fim!...
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Vinho Botado

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Este vinho está botado!...
Vinho de baga bebido,
Memórias com meio sentido,
Enganos de um mundo pintado,
Quadro falso de um pintor falhado,
Que nunca pintou um Amigo!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho Amor!...

E tu, não sendo quem deverias ser,
Sendo ninguém e pouco mais de nada,
Tal amizade é tua concepção deturpada,
Da verdade que os teus ohos deviam ver,
Mas a tua visão doentiamente errada,
Enterrará teu sóbrio viver!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor!...

No copo mais vinho botado,
Vinho agre de esforçado fingimento,
Fingindo ser um bom vinho confiado,
Á confiança da memória no tempo,
Que desconfiando do pensamento,
Bebe amizade em vinho desquebrado,
Como quem bebe copo de nada botado,
Amigo perdido num definhar sedento!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor,
Neste derradeiro vinho que está botado,
Cheiinho do transbordante nada que resta,
Tinto de tanta tinta sem cor,
Pintando tingida nódoa de dor,
Na ilusão de uma tela que não presta,
Pintado lamento de um pobre pintor,
Quadro pobre de origem modesta!...

Desbotado vinho botado,
Em pacto de sangue desfeito,
Baga pelas falsas castas adoptado,
     É vinagre botado ardendo no peito!...

Talvez seja eu esse botado Pintor,
     Quem dispensa tamanho amor!...
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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sabor

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O acre do doce poema com hortelã e pimenta,
Não chega à porcelana do fino poeta breviário,
Quão breve é o sal nas vagas do seu dicionário,
E o vinagre que dos fortes vinhos dão à ementa,
Preferindo temperar os versos com água-benta,
E a poesia fidalga com um insípido vocabulário,
   Dietético pé-de-salsa de tão débil alma sedenta...
Como é generosa a poética da branca fidalguia,
Uma aguada canja de galinha escrita no aviário,
Dada à prova desgostosa da língua que lamenta ,
O sabor de todos os bons sabores da sabedoria,
Saber que não se perde no sabor da especiaria,
Condimento atrevido de um doce verso solitário,
E mais versos salgados com igual doce ousadia,
    Acepipes inelutáveis de um poético glossário!...
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Presidente

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Já ninguém leva a mal,
Quando o pobre mendigo,
Carregando a pobreza consigo,
Jura ter sido figura presidencial,
Aquando presidente de Portugal,
  E até podia ter enriquecido!...

Mas não!...
Seu enorme coração,
De tão generoso altruísmo,
Fez-se do maior simbolismo,
Entregou-se à solidária doação,
Filantropia católica por vocação,
Combatente do capitalismo!...

-Eu já fui presidente!...
Declara o pobre sem abrigo,
Sempre longe do seu umbigo,
Cicatriz nobre do pobre diferente
Dono da verdade quando mente,
   Cereal rico com joio confundido!...

-Foi presidente, sim senhor!...
Confirma com tristeza a Maria,
A outra face de seu rico amor,
Discípula do seu rico professor,
Sua mendiga e fiel companhia,
Voluntário sacrifício à carestia,
    Pobre pedinte de igual valor!...

Pesem embora os cínicos deslizes,
Não querem parecer coitadinhos,
    São pobrezinhos mas são felizes!...
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Estes santos mendigos são por vezes,
A esmola dada à sorte merecida de um Povo,
Sebastianismo milagroso de pobres Portugueses,
   A quem a Democracia pouco trouxe de novo!...

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cenotáfio

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Sabes, meu estranho e amigo Poema desvairado,
Não foi nesta Alma que morreste nem foste enterrado,
Apenas escolheste quedar-te e aqui erguer o teu cenotáfio,
Neste jardim onde não há qualquer poeta desterrado,
  Só para poderes sentir o teu próprio epitáfio!...

Não és poema teu,
És teu fúnebre elogio,
No sobejo verso de ti vazio,
    Cheio de quem em ti morreu!...

Há sempre um preço a pagar,
Pelos pecados sepultados na alma,
    E é por eles que bem podes chorar!...

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cansaço



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 Por cada triste fatalidade,
Mais e mais o desiludia a Esperança,
Sente que o tempo é tempo que cansa,
É desanimador ser manipulado pela idade,
Sem alento achava que o tempo era uma falsidade,
Foi sempre no dia seguinte que procurou a confiança,
   Cada momento sempre tivera uma certa semelhança...
Ontem ficaram por lá os olhos cheios de ansiedade,
 Hoje perdido no firmamento que não alcança,
Sente que o tempo cada vez mais o cansa,
Já não tinha certeza se humilde era a realidade,
Ou se toda a certeza no dia seguinte era uma lembrança,
Como navalhada na memória que não cicatrizava com a humildade,
   Essa espera da porta aberta que cansa!...

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Pena Suspensa

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...Há qualquer coisa nos voos intermináveis,
Um não-sei-o-quê nas penas suspensas,
Movimentos um tanto indecifráveis,
A voar com asas de penas extensas,
Sem pena das quedas propensas,
Aos picados voos pouco prováveis,
De libertar aves de asas imagináveis,
    Dando corpo liberto às Almas imensas!...

A meio do céu que eu não vejo,
Uma pena faz de conta que voa,
    Na leveza de um morno bafejo!...

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pedreiros



Dos judaicos montes negros sem nome,
Os pedreiros esculpiram impérios de poder,
Em seus rituais riem das duras pedras dadas a roer,
E dos escravizados rostos humanos empedernidos de fome,
Castigados pelo maço que decidiu condenar quem não consome,
Britando sem dó os sorrisos inocentes de crianças felizes por viver,
Sem saber das noites após as noites que restam de vida insone,
Aos Pais que são agora prematuros condenados a morrer!...

Do monte mais negro onde negros corações são esculpidos,
Cresceram estátuas cinzeladas pelos finos secretismos mais brutos,
Eleita foi a serpente de pedra  nos silêncio dos bodes protegidos,
Multiplicou-se o poder à custa dos alheios bens consumidos,
Petrificaram frondosas árvores e os comunitários frutos,
E ergueram cumes de privados pomares absolutos,
Sobre a escravidão onde ainda foram erguidos,
    Pedestais para os pedreiros mais astutos!...

 A pureza da luva branca é igual,
   Á corrupção que seduz os podres atributos,
       Que se escondem debaixo da política do avental!...
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Embriaguês Ectópica


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Ninguém soube explicar aquele emprenhanço,
E menos ainda o esgazeado sorriso simbólico,
A escorrer do cunilingus que apontava o tanso,
E o tanso refugiando-se desse caso tão insólito,
Via o caso afirmar ser um caso de teor alcoólico;
Um copo suspeito era esvaziado sem descanso,
Por uma garrafa que se oferecia ao espetanço,
    Abrindo o gargalo atrás do balcão melancólico!...

Um copo, uma garrafa e um garrafão,
Trocavam felátios à golada muito devagarinho,
Alguém se veio sobre uma conversa de violação,
Um fulano tal classificava o agressor de carrascão,
Enquanto  uma garrafa era esvaziada com carinho,
Já Sicrano de bandulho cheio se retirava de fininho,
Quando Beltrano disse com uma voz de borrachão:
-Cá pra mim quem a fodeu foi o vinho!...

Cus de garrafa ajudaram a ver,
A utopia de tão mau fígado abstinente,
E ajudavam a esconder o estado condizente,
Com a veia porta que à porta se deixou adormecer,
Fechada estava a porta ao que da tripa deveria converter,
Por causa de uma zanga com a hepática pouco competente,
Deixando a veia cava entregue ao descanso quase permanente,
     Enquanto garrafas e garrafões fodiam quem os andava a beber!...

Deu-se assim um popular caso de visível inchaço abdominal,
Classificada por todos os santos da santa tasca pouco católica,
De figadal emprenhanço concebido pela garrafa diabólica,
Que fora seduzindo aquele sedutor fígado virginal,
Acabando por dar à linguagem corporal,
 A voz de uma gravidez alcoólica!...

Na primeira ultrassonografia,
Logo pôde ver-se um pequeno princípio,
A mover-se entre o fígado degradante e a ironia,
Qualidade dúbia do estado degradado da ectopia,
   Na gestação passada de um alcoólico particípio!...
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Abandonadas




Sentir tua sombra instintiva,
Que minha luz apagada empalidece,
Impele-me à masturbação que acontece,
Numa cruel raiva infectada de leitura passiva,
Só tolerada por minha rejeitada maluqueira viva,
Que do teu indiferente Amor meu desejo padece!...

Sobrevoo velhos declives das antigas histórias benditas,
Busco esquecidas palavras abandonadas que me enganam,
Na forca estranha de entrelaçadas odisseias mal escritas,
Em cordas distorcidas de nossas mentiras restritas,
Cópias das cordas que as verdades esganam,
Escrevendo rabiscos dos quais se ufanam,
As cópias sábias de ignoradas eruditas!...

Meu prazer insatisfeito é incomensurável,
Sempre contínuo e para todo o sempre incompleto,
Meu desespero partilhado é um forte desejo circunspecto,
Perdido entre a memória em carne viva do teu sexo mutável,
E a morte do Amor por mim que em mim é dor insuportável,
Sepultada no orgasmo incompleto de um divórcio discreto!...

Moldo naus apodrecidas com páginas amantes,
Para navegar oceanos de palavras que me afogam,
E me salvam de orgulhosas vergonhas degradantes,
Em cada capítulo inacabado de solidões frustrantes,
Que sobre inconfessáveis troca de solidão dialogam,
Ensaiando prévios monólogos que as palavras rogam,
Aos pés de vivas mágoas de abandonos estonteantes!...

Sou agora uma cópia de palavras prostituídas,
Insinuantes nas esquinas de livros que ninguém lê,
Sou a palavras infectada de minhas estimadas feridas,
Alveolar morfina contrafeita de Afegãs papoilas destruídas,
Só não sei se sou o que não confesso ser da mulher que não se vê,
Por incrustada palavra que na cavidade de minha solidão fica à mercê,
Fechando-me no medo do abandono de abandonadas palavras amigas!...

Voam alvéolas amarelas dos parágrafos descontinuados,
Esvoaçam intermitentes no rasto intermitente dos insectos,
Letras de caça abatidas nas palavras ímpares dos pares directos,
Que se refugiam na pele das palavras com diferentes significados,
Parecendo iguais na descrição das lágrimas de olhares encurralados,
Nos pastos da cabra que há em mim entre ovelhas de negros afectos!...

Continuo masturbando-me entre minha dedicada leitura,
Enquanto procuro o único orgasmo que nunca soube atingir,
Restando-me o prazer inacabado no incógnito final da procura!...
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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

...Tentação

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“ ...Nem Sol nem Lua,
Apenas esta ânsia de ser tua,
Mais para lá do amor e sonho meu,
Ser o desejo frutado no sonho teu,
Timidez de Eva vestida e Alma nua,
     Paraíso anoitecido que amanheceu!...”

A sombra iluminada de uma serpente,
Oscila entre o abraço hipnótico do luar,
E a sugestão do crepúsculo impaciente,
Veste neblinas nuas de fogo impudente,
Perto dos lábios no outro lado do mar,
Ateando os infernos que ardem no olhar,
Cegueira de incontrolável tesão insolente,
   Capaz de todos seus mares incendiar!...

...Nem lua nem Sol,
Tentação de maçã,
Canta pela manhã,
Cantar de rouxinol,
Isco híbrido e anzol,
No amor e na romã,
Anagrama e lençol,
Chá doce e hortelã,
A mar perdido...
                                        seu farol!

Alheio,
Ainda viu um seio,
Espreitar da seda macia,
Indiferente à outra mama vadia,
Nem sabe a sorte que tem estar fora do enleio,
Poupado ao embaraço e confusão  entre a noite e qualquer dia!...


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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Lacr(i)sê-lo


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Desprezara apostar toda a indiferença,
No papel castigado por carimbos arrependidos,
Pensando, ainda hoje, no que seu dinheiro pensa,
Deixou de pensar nas marcas carimbadas pela ofensa,
Por saber apostas perdidas na queda dos anjos já caídos,
Chancelados por estranhos sinetes dos sentimentos falidos,
Em distantes céus esmagados entre o lacre e a querença,
Dos baixos relevos por relevantes lacres derretidos!...

Ao segundo dia,
Caíra-lhe no esquecimento a falência do primeiro,
E do presente!...
Nem o coiro da capa queimada pelo ferro lhe doía,
Tal era a confiança no efeito do terceiro,
E ainda mais forte era o plágio da analgia,
Que a dor presente a outras conhecidas dores recorria,
    Selando a mentira dos dias com lacre verdadeiro!...

O terceiro dia é-lhe selo que não desiste,
Não sido uma segunda estampilha de tê-lo,
Como primeiro dia que adiante de si persiste,
Na teimosia de ser um tempo futuro de sê-lo,
    Sendo Futuro do Passado esquecido que resiste!...

Continuam a cuidar das feridas,
Vendendo-as ao mundo como cicatrizes,
Vivos sulcos de aparentes lágrimas infelizes,
     Por onde ainda correm pecados de mil vidas!...

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domingo, 1 de janeiro de 2012

... em Vão!

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...Olho em frente,
E tento não enlear-me na ilusão,
De acreditar que tudo será em vão,
E em vão seja a ilusão do Sol nascente,
Que nasce em meu olhar poente,
    Luz e Calor de minha razão!...
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