Mostrar mensagens com a etiqueta Crise. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Crise. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

República dos Piolhos


.
.
.




As mãos desesperadas procuravam com exatidão,
A dúvida que uma parte incerta do juízo lhe mordia,
Unhas e desespero contra o regresso da comichão;
Coça e volta a coçar,
Morde e volta a morder,
Fuga e meia volta volver,
Esfola e volta a esfolar,
Sangra e volta a sangrar,
Sente os dentes ranger,
Coça e continua coçar…
Ouve-se mais uma má notícia na televisão,
Parasitas continuam a chupar a Democracia,
A notícia espalha-se da fome até à solidão,
Crescem unhas que coçam até à exaustão,
Cai-se no caos, avançam unhas de anarquia,
Atrás dos sujos cabelos há uma hospedaria,
E o hóspede a engordar,
Come e continua a comer,
Há sangue magro para beber,
Bebe e come até rebentar,
Enerva-se com tanto poder,
 Morde e volta a morder,
O hospedeiro já a sangrar,
Coça e volta a coçar!...

Torneiras privatizadas bebem pó sem pagamento,
Lambe-se o azinhavre ressequido do cobre vendido,
Faz-se de conta que se lava a queda do cabelo sebento,
Caem os tufos desgrenhados que são levados pelo vento,
O vento levou a canseira da coceira com o cabelo perdido,
     Ficou a falacrose com o desengano e o último sacramento!...

Aproxima-se o jornal do dia seguinte e a água benta no olho,
Nas notícias esconde-se a Democracia em estado terminal,
Fartos cabelos brilhantes levam a liberdade a tribunal,
Coça-se a fome atrás de um improvisado ferrolho,
De cada lêndea nasce uma justiça desigual,
Perde-se a cabeça atrás do piolho!...

Chega o dia dos piolhentos em que os votos se soltam,
Promessas são ameaças veladas de franzir o sobrolho,
     Vota-se nos sais de banho e há mais piolhos que voltam!...


.
.
.
 


terça-feira, 2 de abril de 2013

Contas

.
.
.


Não contava encontrar,
O velho contador;
Em tempos,
Contava estórias de encantar,
Contas de rico teor,
Sobre contas de rico senhor,
     Contas que dele sabia contar!...

-Olá, amigo contador,
Que contas,
Amigo sonhador?...
Que contas,
Sobre tuas ideias tontas,
    Com que foste sonhando?...

Com uma triste desilusão,
Baixou a cabeça e acenou que não,
Há anos que deixara de sonhar,
 E foi contando:
.
.
.
 -Conto que já nada tenho para contar,
Já não conto os anos que passam,
Não conto os que estão por passar,
Faço de conta que conto,
E conto que conto,
E volto a contar,
Conto as horas que deixei de contar,
     Conto que parei de sonhar;
Já ninguém me tem em conta,
Dão-me um desconto,
E volto a contar,
Só não conto,
Nem desconto,
As contas que ficaram por pagar!...
E conto mais:
Conto que olho,
E volto a olhar,
Conto que vejo um pote,
Cheio do frio que ficou,
Sobre cinzas que a fome não levou,
E volto a contar,
Conto que raspo-lhe o fundo,
Todo raspado pelos donos do mundo,
E volto a raspar,
Conto que conto e volto a contar,
Conto que os olhos de um filhote,
Raspados no fundo do pote,
Me contam ser olhos de fome,
E volto a contar  a tristeza no olhar,
De quem já nada come,
Conto que vejo olhos que choram,
 E voltam a chorar,
Conto que já pouco conto,
E nada mais quero contar,
E conto que conto,
  E volto a contar!...
Conto com quem não me conta,
Que ainda conta comigo para contar,
Conto com quem não me paga a conta,
Essa conta que não conta,
Para as contas que não posso pagar,
 E continuo a contar,
Conto que conto,
Que não ter que contar,
   É um conto que me vai matar!...

E conto e volto a contar,
Conto que não contem comigo,
Porque nem comigo eu conto,
   Para as minhas contas pagar!...

E conto que conto,
  E volto a contar…
 .
.
.
 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Fartura... (contentores)



.
.
.



Três camarões grelhados,
Meia lagosta e um lagostim,
Foram aperitivos para o festim,
Tenros salpicões finamente fatiados,
Concorriam com queijos amanteigados,
E tostinhas integrais com caviar;
Havia salada para acompanhar,
Mas…
-Por mil esfomeados,
Onde raio está a salada?!...
Ainda pensou em protestar,
Mas com a noiva já casada,
A criança baptizada,
E a louça por lavar,
Achou conveniente perdoar!...
Saboreou carnes deliciosas,
Tenrinhas,
 E outras proteínas gostosas!...
Do peixe, nem as escamosas,
Ainda se lembrou de sardinhas,
E outras pobrezas vergonhosas,
   Palitou os dentes com as espinhas!...

Certo dia, porém,
Dormia ele tão bem,
Em seu sono modesto,
Acordou sobressaltado,
Pelo barulhento protesto,
Do seu estômago revoltado,
    E de alguns peidos também!...

   Havia algo que não batia certo...
     Ninguém no contentor habitual?!...
Saiu debaixo das folhas de jornal,
E já mais desperto,
Um pressentimento muito perto,
Foi prenúncio de tragédia nacional!...
O nó das tripas chegou-lhe ao coração,
Onde estava a sua rica refeição?!...
Onde estaria o lixo com fartura,
As ricas sobras e o pão?!...
Em seu redor tudo procura,
Uma pequena razão,
Em contentores cheios de loucura,
   E só encontram a fome pelo chão!...

*
Perto do saco onde morreu um recém-nascido,
Há sombras jovens de recém-casados a mendigar,
Algures, há um pequeno gato que morre a miar,
Pegou no velho pensamento que trazia consigo,
E junto com a realidade escorrendo do olhar,
Ali mesmo deixou de ser mendigo!...

.
.
.