quarta-feira, 16 de outubro de 2013

República dos Piolhos


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As mãos desesperadas procuravam com exatidão,
A dúvida que uma parte incerta do juízo lhe mordia,
Unhas e desespero contra o regresso da comichão;
Coça e volta a coçar,
Morde e volta a morder,
Fuga e meia volta volver,
Esfola e volta a esfolar,
Sangra e volta a sangrar,
Sente os dentes ranger,
Coça e continua coçar…
Ouve-se mais uma má notícia na televisão,
Parasitas continuam a chupar a Democracia,
A notícia espalha-se da fome até à solidão,
Crescem unhas que coçam até à exaustão,
Cai-se no caos, avançam unhas de anarquia,
Atrás dos sujos cabelos há uma hospedaria,
E o hóspede a engordar,
Come e continua a comer,
Há sangue magro para beber,
Bebe e come até rebentar,
Enerva-se com tanto poder,
 Morde e volta a morder,
O hospedeiro já a sangrar,
Coça e volta a coçar!...

Torneiras privatizadas bebem pó sem pagamento,
Lambe-se o azinhavre ressequido do cobre vendido,
Faz-se de conta que se lava a queda do cabelo sebento,
Caem os tufos desgrenhados que são levados pelo vento,
O vento levou a canseira da coceira com o cabelo perdido,
     Ficou a falacrose com o desengano e o último sacramento!...

Aproxima-se o jornal do dia seguinte e a água benta no olho,
Nas notícias esconde-se a Democracia em estado terminal,
Fartos cabelos brilhantes levam a liberdade a tribunal,
Coça-se a fome atrás de um improvisado ferrolho,
De cada lêndea nasce uma justiça desigual,
Perde-se a cabeça atrás do piolho!...

Chega o dia dos piolhentos em que os votos se soltam,
Promessas são ameaças veladas de franzir o sobrolho,
     Vota-se nos sais de banho e há mais piolhos que voltam!...


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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Fimícolas


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As asas de donzelinhas reminiscentes,
Vagavam entre o carinho atirado às malvas,
Cândido, aquele jovem corpo em terras calvas,
Abandonado junto de todas as flores ausentes,
Recobrou a vida na candura dos inocentes,
    Com todas as flores que foram salvas!...

Descorçoadas as fimícolas inolentes,
Escondem-se de feitiços que as afligem,
Ao procurarem-se nos cheiros repelentes,
Apodrecem mudas em silêncios plangentes;
Em silêncio ergue-se do estupro, a virgem,
No olhar trás o veneno de uma serpente,
      Na virgindade imaculada trás a vertigem!...

Jardins brancos de uma só branca flor,
Cobrem a culpa de um forte corpo apodrecido,
Desse peito onde um coração teria implodido,
Outras flores maiores olham pelo seu amor,
     Sobre a sorte de mais uma flor ter nascido!...

No mistério de um jardim indefinido,
O céu azul cuida das vergônteas com primor,
Talvez Deus floresça de uma cândida luz interior,
E alguém que não O sinta em si florescido,
Só veja fimícolas à volta de sua dor!...


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terça-feira, 8 de outubro de 2013

Em Estado de Emprego Constitucional

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Governado por muito roubar,
Levou o rico desgoverno a decidir,
Mais um santo dia para o povo trabalhar;
De uma tristonha segunda à feliz sexta-feira,
Dia algum sente falta de isenção da primeira feira,
Logo a seguir há o sábado e o domingo para acalmar,
Antes de segunda, há mais um dia descontado por contar,
Um desses longos dias sem descanso inventados para descontar,
O oitavo dia das novas semanas mais longas e a dedução a extorquir,
Já registado em mais uma das muitas inconstitucionalidades a constituir,
    Da constituição composta por desiguais medidas de austeridade a consagrar!...

Nada há para fazer nos gabinetes congestionados pelo vazio onde nada se faz,
Pagam-se mais de doze meses ao ano, mais as férias a troco de nada fazer,
Depois de tanto descanso, são belos os dias que nos cansam de prazer,
Somos capazes de enganar a inexistência do trabalho mais incapaz,
Ainda que a função não exista, engendra-se uma defesa tenaz,
Luta-se pela falta de trabalho como trabalho útil a receber,
De um momento para o outro há uma esperança fugaz,
Juízes nebulosos juram a velha constituição defender,
Outros piores defendem o empobrecimento eficaz,
E o espírito da pobreza que não quer entender,
Pede explicações à política mais mordaz,
    Acabando de rastos ao pé do poder!...

E vá-se lá procurar saber,
Como desta pobreza sair,
Se os há a querer entrar,
Pensando em enriquecer,
Sem pensar em contribuir,
    Com o que hão, de roubar!...

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Procura-se um óptimo emprego,
Que esteja distante de qualquer trabalho,
    Dá-se como garantia a promessa de total apego!...
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terça-feira, 1 de outubro de 2013

Bordados Involuntários

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Cruzavam-se em qualquer caminho,
Dos seus caminhos traçados no deserto,
Cada qual, dentro de si caminhando sozinho,
Consumidos por ásperas vendas de bordado linho,
Fitas rasgadas nos olhos fechados em ponto aberto,
E nos olhos bordados,
Relevos desencontrados,
Cresciam atrás de agulhas do bordado mais incerto,
Não eram agulhas de aço a entristecer de desalinho,
Nem o tecido era toalha de altar dos pecados liberto,
Eram veredas, o caminho por toda a solidão coberto,
     Silêncio bordado no coração triste aberto ao espinho!...

Sem desígnios, os espectros transversais,
Bordam-se com a poeira que os atravessa,
Tempestades exaustas morrem nos areais,
A praia deserta e desertos são almas iguais,
    De olhos postos em alguém que as impeça!...

Todos vão passando pelo que passamos,
E não vemos passar quem por nós passa,
Somos caminho único da nossa desgraça,
    E por nossa desgraça todos desgraçamos!...
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