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segunda-feira, 1 de abril de 2013

Furúnculos e homúnculos





Porque hoje é dia de incontinentes verbais,
E de todos aqueles que por insanidades mentais,
Encontram em cada dia novas formas de mentir,
Aqui lhes dedico algo que não vem nos manuais,
Se bem que não seja espectável fazê-los refletir!...
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Era um saco cheio de nauseabundos dislates,
A pele tecia-se numa asquerosa serapilheira,
Duas ervilhas já podres em vez dos tomates,
Eram as partes de seus disformes combates,
Forma abjeta, a daquela merda tão rasteira,
Abandonado entre o vómito e a estrumeira,
Tortuosa mente de ressabiados disparates,
    Torturado pelo cheiro da própria asneira!...

Aquele saco cheio de merda tão repelente,
Dizia-se homem e mulher, só não era gente,
De quando em vez,
Tresandando a estupidez,
Despia a serapilheira, o infeliz travestido,
E sua mente de sua demente merda já esquecido,
Com o seu coração imundo desfilava sordidamente,
Rastejando em sua forma de ser distorcido,
Como coisa abstrata que já não sente,
A diarreia em que, inevitavelmente,
   Já se desfez, levando-se consigo!...
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Aquele saco de pus virulento,
Dizia-se mulher abandonada,
Deixada ao abandono… sim,
Por não merecer ser amada,
É seu o miserável tormento,
Disseminando ódio sem fim,
Contra as palavras do vento,
O culpado da sorte infetada,
Do seu coração peçonhento,
   Que mais valia estar cheio de nada!...

*

Esta é a estória possível sobre uns podres furúnculos,
Á beirinha de um ataque de nervos prestes a rebentar,
Tamanha dor e tais intumescimentos dão que pensar,
E dão que pensar os amolecimentos dos homúnculos,
     Que, quer rebentem ou não, mais vale não os cheirar!...

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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Mãos Frias Coração quente (Cap.2-Corações frios)


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Um passo na direção do tempo que não morrera e um beijo ressuscitado nos lábios que os lábios mais abjetos do inferno evitou!...  
…Ardendo em convulsivas combustões de ódio,
Sentiu o prazer da repulsa e gritou!...
Uma profunda repugnância cáustica de sódio,
Escorreu sua alma dentro de quem a profanou,
Um pó muito fino que a brancura do tempo gelou,
Reencetava na ampulheta a memória do episódio,
E todo o tempo de que sempre fugira a alcançou!...

Quando o professor lhe fixara, por momentos, o olhar que a acordou para o pesadelo sentido, voltou todo o ódio carregado de desespero. Dentro de si, seu coração congelou e o fluxo sanguíneo fora interrompido por breves momentos, embranquecendo-a, como se um lençol de neve a cobrisse dos pés à cabeça!... Uma explosão dentro de si e seu sangue ferveu tomando-a num esmagador calor insuportável. Deslizou instintivamente, contornando a esquina da arca e entre alguns passos laterais, sentiu a parede do gimnodesportivo colar-se-lhe às costas; até à porta de saída, foi um pequeno salto para a velocidade do medo!... Não evitou as lágrimas que, silenciosas, beijavam seu rosto arroxeado. Lembrou-se da roupa, no balneário. Enquanto pensava numa maneira de lá voltar, sem ser vista pelo professor, reparou no silêncio do pavilhão; a aula, por alguma razão terminara mais cedo!... Havia uma entrada para o corredor que dava acesso aos balneários mas só abria por dentro, por causa de um problema com a fechadura e a entrada pelo polivalente desportivo, de onde há poucos minutos fugira!... Escondeu-se num recanto do hall, aguardando a melhor oportunidade para ir buscar sua roupa. Lembrou-se que as aulas terminavam às 18:30, mas os funcionários auxiliares só costumavam sair uma hora depois. Ainda que perdesse o autocarro que a levava para a sua terra, os pais não se importariam que alugasse um táxi. Esperou que todos saíssem sem a ver. Não queria ter de estar a dar explicações pela sua estranha saída no jogo de handebol. Depois de todos os seus colegas terem saído, aguardava ansiosamente a saída do professor. Minutos de eternidade angustiante. Os minutos iam passando e os nervos foram tomando-a até ao enjoo que lhe arrancou um vômito lá das entranhas. Correu para a casa de banho ali próxima, contendo um líquido azedo em sua boca. Enfiou a cabeça na sanita para vomitar nervos e dores de estômago!...
Lavou a boca e espreitou do medo de alguém!...
Frios silêncios escondidos na passagem de corredores,
Procuram sorrisos escondidos no rosto de ninguém,
Olhos angustiados vão ao encontro do que por aí vem,
Desconhecendo o Destino dos mais íntimos interiores,
Retalhados por afiadas facas de ódios e frios desamores, 
E o Amor que ao encontro do Destino não se detém,
Flutuando serenamente sobre sigilosos rumores,
Fechados na alma violada onde a dor se mantém!...

Os desencontros são caminhos diversos jogados ao acaso pelas mãos arbitrárias do Destino envolto em inocência, num tabuleiro onde a culpa se divide entre homens e mulheres, entre a culpa dos inocentes e a inocência dos culpados. Às vezes, o silêncio é o destino mais provável dos mais reprováveis destinos e o princípio de algo espreita sempre do alto qualquer de um fim incerto!... O gelo faz parte do jogo e o amor, para uns, justifica a vontade do vencedor nunca admitir que jamais vencerá, mesmo que a vitória dependa de quem nunca pensou o sentimento como uma competição de correspondência a conquistar, partindo do campo da derrota!...

Do gelo que se foi aguçando no escorrer da água,
Cresceu a vingança afiada no inferno gelado da mágoa!...
No fundo de um corredor que os olhos não vêm, ouve-se o varrer abafado, pela distância, de uma vassoura em tempos de poupança!... O silêncio percorre todos os corredores gravados na memória, enquanto um intervalo de tempo se esgueirou atrás do vómito regurgitado pelo medo!...
Em bicos de pés, fez-se sombra do passado para conseguir suas roupas no presente. Enquanto corria na direção dos vestiários, o som de múltiplas bolas ecoavam em sua cabeça, como se fosse apanhada entre duas explosões. Sempre correndo. Lembrou-se, a dado passo, que já se esquecera de correr; no handebol, aquilo não era correr, por falta de interesse e de queda e por cada queda a cada passo!...
Pegou sua roupa do armário aberto e continuou a correr. Não voltou por onde veio e, instintivamente, entrou no gimnodesportivo; era só atravessá-lo e respiraria de alívio!...
À altura de sua ansiedade,
Levantou sua mão suada,
Abrindo a porta à realidade,
Frio de gelo o choque com a claridade,
Tão fria quanto a mão gelada,
Que apertavam os pulsos da desgraçada,
E ali ficou por momentos,
Estátua de gelo feita de congelados pensamentos,
Até encontrar o oxigênio e a combustão adequada,
Que incendiou seu coração com mil fundamentos,
Todos os fingimentos,
E o sorriso fingido de criança encurralada… renasceu!..

-Desculpa, pensei que era um ladrão; dizem que andam por aí a assaltar escolas.
-Senti-me mal e fui à casa de banho. O professor tem as mãos tão frias!!...
-Mão frias coração quente…
-Já estou atrasada; não quero perder o autocarro. Com licença.
-Espera…
Enquanto mantinha o diálogo possível, escapuliu-se subtilmente até ter o campo aberto. A porta de saída estava a pouco mais de cinquenta metros.
-Se quiseres eu levo-te a tua casa no meu carro.
-Não, não é preciso, vou chegar a tempo.
Ela olhou a porta, lá no fundo de si, no fundo de tudo!...
Há portas que ninguém quer ver e outras que nos escancaram toda a verdade, por onde muito poucos querem entrar e, dos que entraram, poucos saíram. Mesmo esses, continuam a ver portas abertas lá num fundo inatingível de tudo, as mesmas que se fecham atrás de si, empurrando-os para o meio de nada, onde um espaço vazio se faz glaciar!... Há saídas que são apenas uma entrada para o que os olhos não querem ver. Há sempre uma arca congeladora no canto de cada um, variando no tamanho e intensidade do que congela. Por enquanto, a dela, era microscópica e envolvida por fogo intenso alimentado por raiva, repulsa e muito medo!... Mas, num ápice, tudo pode mudar.

Um corpo conhecido que fora seu,
Repousado sem vida a um canto,
Olhava da morte que a vida lhe deu,
A morte que agora congelava o pranto,
Das lágrimas congeladas de espanto,
Retidas na morte que o Destino teceu!...

Ajoelhada, contemplou piedosa, seu amor, fonte de sangue jorrado do coração da nascente, ainda um tanto de nada quente!... Um rio se alargava e se tornava cada vez mais claro como água.
Ela olhou a arca, ambas frias, mais geladas do que nunca, congeladas, uma apenas por dentro e outra apenas no coração e por fora do olhar cortante. Abriu a porta da congeladora horizontal e viu…
Quão gélidas podem ser as noites insensíveis,
Que encobrem sua negra sombra diabólica,
Escorrendo da lâmina de geladas facas invisíveis,
Frias, hirtas e afiadas…
Feridas de morte por tanto ódio terrível!...

Dois corpos frios, declives rochosos, por onde escorre a água de um Inverno seco, agora sem estalactites!...

Olhou o relógio. Perdera o autocarro que a levaria para a sua terra. Os pais não se importavam que ela alugasse um táxi.
-Já vai menina?
-Já sim, senhora Maria!...
-Dê cá um beijo, menina!...
-Sim senhora!...
A senhora Maria, que arrastava a vassoura, pegou-lhe nas nãos enquanto lhe dava dois beijos de despedida e lhe desejava um feliz fim-de-semana.
-Tem as mãos tão frias, menina!!...
-Mãos frias, coração quente...
-Amor para sempre,- completou dona Maria!...


E dois cadáveres unidos pela morte,
Viveram um amor de calor diferente,
Ao lado de um corpo ainda quente,
Um corpo já frio adivinha-lhe a sorte,
Vai derretendo o gelo de um golpe forte,
De dois corações jorra abundantemente,
Água do crime e sangue que não mente!...

Com afiadas estalactites de dor, 
Gelo de Inverno acabou com o Amor!...

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FIM




domingo, 17 de junho de 2012

Mão Frias Coração Quente (cap.I- Coração Quente)


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…O pequeno bilhete vincado em partes multiplicadas, fora reduzido a um pequeno selo branco que escondia na perfeição, um beijo, um abraço, talvez todo o amor do mundo concentrado naquele discreto espaço que deslizou de mão em mão, até ao outro lado de um mundo muito particular, o seu em que o seu era dela e o dela jurara para sempre ser dele. Ainda pensou fazer um pequeno avião de papel; sobrevoaria as cabeças de todos os colegas de turma, arriscava uma gincana entre as longas e afiadas estalactites de gelo que pendiam do vão das rochas naquele Inverno muito seco e atrevia-se, corajosamente, a dar duas voltas à cabeça do professor, antes do pousar suavemente nas mãos mais delicadas. Sorriu, largou os comandos ultraleves do pensamento e confiou a mensagem ao bilhete onde um pequeno poema, quando fosse lido pela destinatária, daria asas à imaginação que nunca lhes faltara. A cumplicidade fizera-lhes férteis, os muitos caminhos do amor sem fim a explorar. Às vezes desmontavam a turma, colega por colega, amigo por amigo, e baralhavam as peças como se nunca as tivessem visto e um dos dois escondia uma delas, o delator ou professor, de preferência. Acabavam por derivar para a montagem do puzzle, de olhos fechados, servindo-se apenas do tacto concentrando todo o prazer na textura suave e apurada das pontas dos dedos e das impressões nas mãos que levemente os guiavam até à inevitabilidade merecida da sensação e sabor de duas línguas que se tocavam em pontas, antecedidas por um sedoso toque de lábios leves e quentes!...
O bilhete, ao fim daquela tarde invernia, fosforescia por cada mão que passava e se algumas serviam de sombra ao brilho estonteante, outras quase sucumbiam à tentação de contar os vincos das dobragens e seus segredos. Havia sorrisos cúmplices!... Olhando as estalactites da perspectiva do bilhete, brilhava uma sensação atrevida na pontinha mais afiada do escorrer lento, pela falta de água naquele inverno muito frio… um piscar cintilante, como se, também esse pedaço de gelo se derretesse por eles e lhes piscasse um olhar conivente!... E tudo se iluminou no olhar anoitecido que se fechou sobre o congelamento...
Frio desesperado a congelar o pensamento,
E todo o calor do inferno que vira nascer,
Uma centelha rendida ao momento,
De sentir na carne o desejo de arder,
Naquela fogueira de ansiado prazer,
Onde o fogo se congelava lento,
 Prolongando o Inverno… como se algo congelasse na memória um sentimento incandescente, capaz de cortar o vento mais arrepiante!... E as arcas congeladoras davam sempre jeito.
 Desde as almas rubras de quem se merece,
Ao desejo carnal das paixões merecidas!...
Alguém leu a mensagem, sem que ele o quisesse,
E clamou a intimidade apaixonada de duas vidas:
“No frio de nossa noites mais aborrecidas,
Dormirei por ti teu sono que me adormece,
Serei teu gelo que derrete quando acontece,
Seres o Sol de minhas noites adormecidas,
Fogo de minhas confissões correspondidas,
Confessando teu amor que em nós cresce…
Como se as vezes do amor não fossem repetidas,
E sempre pela primeira vez o amor se fizesse!...”
Todos riram, uns por acharem ridículo o conteúdo, outros porque a única coisa que os enchia era um riso de corações vazios e todos riam porque o professor ria daqueles dois clássicos “nerds”. Alguns congelaram de riso e uma gargalhada mais pungente abafou-se em silêncio, cravada que fora pela mais sólida estalactite guardada na desdenhosa frieza do ciúme mais impensável!... Porque há coisas que têm dessas coisas e outros mistérios bem escondidos entre a diferença do que pode ser revelado e o que, por razões fracas, prefere o segredo íntimo do medo por uma possível rejeição à frente dos olhos de todos!... O riso, quanto mais divertido, mais humilha o alvo.
Ele há coisas surpreendentes e como se de um filme já muito gasto de amor se tratasse, o bilhete foi devolvido ao remetente e entregue entre os lábios de um longo beijo, ali mesmo, à frente de todos, como tantas vezes, enquanto o resto da sólida e afiada água escorrida se derretia no final do Inverno!... Os aplausos cobriram-nos e ele lá a cobriria mais tarde!... Um final já muito batido de um filme para adolescentes. A noite fazer-se-ia de tristeza melancólica evoluindo para uma raiva impassível de efervescência metabólica. Um calor que chegava a ser desprezível… a coberto da noite!...
Gélida é a noite insensível,
Que encobre sua sombra diabólica,
Escorrendo da lâmina de uma faca invisível,
Fria, hirta e afiada…
Ferida negra de ódio terrível!...

Ninguém se lembrou da Primavera que começara e já a universidade espreitava os melhores finalistas, depois de doze anos a moldar-lhes o carácter e o espírito!... Sentia-a, cada um à sua maneira que era comum a todos. As flores, com todas as suas cores, passavam desapercebidas e algumas só existiam para ser esmagadas por corpos que se rebolavam sobre elas, em desfloramentos incontidos, porque há uma primeira vez para tudo e, embora as flores não crescessem na regra, os apetites adolescentes não faziam parte de qualquer excepção!...
Em diversos casos, o amor costuma começar no fim de cada ciclo e quando a Primavera é Primavera, a adolescência desabrocha e floresce do coração e desejo quase incontrolável das mais estranhas criaturas, hipnotizadas por toda a natureza… e tudo é beleza irresistível a exalar os ácidos estonteantes da frescura do sexo fresco que arde na denúncia de oferecer-se ao apaziguamento!...
No fim da tarde, o gimnodesportivo tornava-se um espaço um tanto sombrio!... Sexta-feira, último dia da semana e última aula do dia; cansativo ao entrar e mais ainda ao sair!... O andebol era-lhe extenuante e ela não tinha grande inclinação para levar com as bolas em tudo que era corpo. Sorria ao pensar noutras bolas a baterem-lhe noutras partes e ninguém lhe lia os pensamentos, o que a fazia sorrir mais ainda. Sentiu falta do seu diamante, como ela o chamava, por o ter como puro e duro. Riam-se com a cumplicidade de sempre quando ela lhe sussurrava uma pontinha de língua, quente e húmida, no ouvido, arrepiando-o!... 
Naquele dia sairia mais cedo para uma consulta no dentista e regressaria antes do fim da última aula, para a levar à estação de camionagem. Ela vivia noutra cidade. Aproximavam-se dois longos dias de fim-de-semana, longe um do outro. Dois dias sem beijos nem apaziguamentos!...
Era decepcionante a falta de aptidão para a educação física, mas o sonho de entrar em medicina e vir a ser uma médica reconhecida, enchia-a de coragem. Um dia, aquelas correrias disciplinadas talvez deixassem de contar para a média final, pensou enquanto, exausta, se chegou até á arca frigorífica que sempre estivera lá no fundo, a um canto do pavilhão. Todos os professores de educação física, relutantes no princípio, lá acabavam por concordar que dava muito jeito ter gelo sempre à mão, por causa de contusões e outros traumatismos do género. E havia sempre água fresca para arrefecer alguns ânimos mais exaltados nas derrotas ou pela sede de vitórias. Um problema qualquer fazia com que congelasse muito rápido, qualquer líquido que lá guardassem, por isso, um dos alunos era sempre destacado para controlar o tempo, não fossem as garrafas de água congelar!... Por assim dizer, a frescura e o calor eram seu suporte, como se...
Dois corações e uma só batida!...
Por cada batimento mais forte,
Debate-se com o bater da sorte,
No desencontro da flor abatida,
Bate mais forte na flor da vida,
Que vai ao encontro da morte!...


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(Continua...)