segunda-feira, 21 de outubro de 2013

A Corrida

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Corremos atrás da vida incerta,
Vivendo na incerteza do que vivemos,
Atrás de nós vem a morte mais que certa,
Cheia de nós cegos com que a vida nos aperta,
Vamos desatando os olhos enquanto corremos,
Por cada nó desatado atamo-nos ao que colhemos,
Laçadas desfeitas por cada manhã que nos desperta,
Olhamos para trás do que passamos e nada vemos,
    Á nossa frente, fechamo-nos na noite à descoberta!...

Corremos à toa como perpétuos alienados,
Em cada corrida perpetuamos mais um labirinto,
Atrás de nós, abrem-se esquecidos labirintos fechados,
Ao sentirmos portas fecharem-se corremos assustados,
Sempre em frente, abrimo-nos à diversão por instinto,
Pelo desvio com menos custo,
Sobressaltados por cada susto,
Ante a primeira dúvida de um momento imortal já extinto,
Continuamos a correr pelo tempo dos mortais acossados,
Cada vez mais perto da meta sentimo-nos mais pesados,
Ser o primeiro é o prémio justo,
De repente o sobressalto é medo atacando todos os lados,
Ser último é um desejo robusto,
     Desistir é sair vencedor pela entrada prévia dos condenados!...
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Um jovem imortal, entre os mortais nascido para viver,
Passou de imortal a simples imortal só enquanto viveu,
A meio da marcha do nada que temeu até muito temer,
Foi de um passo firme a um outro passo já a esmorecer,
Uns passos mais adiante, olhou em volta e estremeceu,
Haviam morrido todos os imortais com quem cresceu,
Sentou-se numa lápide onde seu nome pode ler,
Ainda se levantou para ver o que aconteceu,
Antes de ter a certeza de morrer,
    Deu mais um passo e morreu!...

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quarta-feira, 16 de outubro de 2013

República dos Piolhos


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As mãos desesperadas procuravam com exatidão,
A dúvida que uma parte incerta do juízo lhe mordia,
Unhas e desespero contra o regresso da comichão;
Coça e volta a coçar,
Morde e volta a morder,
Fuga e meia volta volver,
Esfola e volta a esfolar,
Sangra e volta a sangrar,
Sente os dentes ranger,
Coça e continua coçar…
Ouve-se mais uma má notícia na televisão,
Parasitas continuam a chupar a Democracia,
A notícia espalha-se da fome até à solidão,
Crescem unhas que coçam até à exaustão,
Cai-se no caos, avançam unhas de anarquia,
Atrás dos sujos cabelos há uma hospedaria,
E o hóspede a engordar,
Come e continua a comer,
Há sangue magro para beber,
Bebe e come até rebentar,
Enerva-se com tanto poder,
 Morde e volta a morder,
O hospedeiro já a sangrar,
Coça e volta a coçar!...

Torneiras privatizadas bebem pó sem pagamento,
Lambe-se o azinhavre ressequido do cobre vendido,
Faz-se de conta que se lava a queda do cabelo sebento,
Caem os tufos desgrenhados que são levados pelo vento,
O vento levou a canseira da coceira com o cabelo perdido,
     Ficou a falacrose com o desengano e o último sacramento!...

Aproxima-se o jornal do dia seguinte e a água benta no olho,
Nas notícias esconde-se a Democracia em estado terminal,
Fartos cabelos brilhantes levam a liberdade a tribunal,
Coça-se a fome atrás de um improvisado ferrolho,
De cada lêndea nasce uma justiça desigual,
Perde-se a cabeça atrás do piolho!...

Chega o dia dos piolhentos em que os votos se soltam,
Promessas são ameaças veladas de franzir o sobrolho,
     Vota-se nos sais de banho e há mais piolhos que voltam!...


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sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Fimícolas


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As asas de donzelinhas reminiscentes,
Vagavam entre o carinho atirado às malvas,
Cândido, aquele jovem corpo em terras calvas,
Abandonado junto de todas as flores ausentes,
Recobrou a vida na candura dos inocentes,
    Com todas as flores que foram salvas!...

Descorçoadas as fimícolas inolentes,
Escondem-se de feitiços que as afligem,
Ao procurarem-se nos cheiros repelentes,
Apodrecem mudas em silêncios plangentes;
Em silêncio ergue-se do estupro, a virgem,
No olhar trás o veneno de uma serpente,
      Na virgindade imaculada trás a vertigem!...

Jardins brancos de uma só branca flor,
Cobrem a culpa de um forte corpo apodrecido,
Desse peito onde um coração teria implodido,
Outras flores maiores olham pelo seu amor,
     Sobre a sorte de mais uma flor ter nascido!...

No mistério de um jardim indefinido,
O céu azul cuida das vergônteas com primor,
Talvez Deus floresça de uma cândida luz interior,
E alguém que não O sinta em si florescido,
Só veja fimícolas à volta de sua dor!...


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