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domingo, 18 de dezembro de 2016

As Duas Vezes do Bêbado

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Um bêbado deve ouvir-se duas vezes,
Uma, antes de ser ouvido,
Outra, antes de ter caído;
Um bêbado sem dizer nada tem muito a dizer,
Abre a boca duas vezes:
Uma para dizer a verdade e outra para beber,
Enquanto bebe nada diz,
Só em seu copo mete o nariz,
E todos à sua volta bebem,
São todos o espelho do país,
Mas só os bêbados pagam o que devem,
Pagam até o que não bebem,
Pagam o que muitos bebem sem pagar,
Só ao bêbado ninguém paga para se embebedar;
Paga a conta quando cai,
Quem não paga solta um ai,
Levanta-se o bêbado a cambalear,
Segue por onde o vinho vai,
Entre trambolhões e sem ninguém para o ajudar,
Lá chega a casa quando a mulher sai,
Sem nada dizer, muito diz sem falar,
E não há chaves que abram o raio daquela porta!...
A chave está torta,
A fechadura está torta,
E aquela mulher que saiu,
Não parece ser a mesma que a sogra pariu,
Ou a vida está muito torta,
Ou não foi a sua mulher que viu,
Mas, não importa,
Uma porta é uma porta,
 As chaves já antes esta porta abriu,
Só não se lembra daquela horta,
         E o rolo da massa sumiu!!!!!!!...
-Que se lixe, fico mesmo aqui,
Já não me lembro do que bebi,
     Mas, ao pé desta porta até que se está bem,
A porta de minha casa que nunca vi,
Casa minha e de mais alguém,
     Com quem nunca vivi!...

“Alô, Maria...
    O meu Manel está à tua porta a dormir?!!...
E disse ele que ontem não se embebedaria,
Por isso aproveitei para sair com quem queria,
E passei a noite com o Zé que não parou de se rir;
A propósito, obrigado pela tua casa, mas é muito fria,
Vi o meu Manel chegar a tua casa quando eu saía,
      Mas ele não me conheceu quando estava a saír!...”

Um bêbado deve ouvir-se duas vezes antes de beber,

Uma, antes de, por todas as razões, ser fodido,
    Outra, antes de alguém, por causa do vinho, o foder!...
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terça-feira, 4 de outubro de 2016

Entre o Bojo e o Gargalo

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No bojo de uma garrafa,
Sem substância, mas placebo,
Repousam olhares que eu percebo,
Estreitaram-se pelo gargalo, numa estafa,
Não sabem que dali já ninguém os safa,
   Mas, do bojo, só vêm o que eu bebo!...

Nadam dentro do que beberam,
Fora do que bamboleiam, no bojo,
Cores vomitadas do que comeram,
Cativeiro de vidro onde nasceram,
      E olham para o que bebo com nojo!...

Esbelto e sadio,
Passou pelo gargalo,
Passou o estreito do vadio,
Dentro do bojo, forma-se um halo,
Evapora-se o vinho bebido com regalo,
E à medida que o bojo se enche de vazio,
Enche-se o bandulho com um vapor sombrio;
Ainda pareceu vir à tona uma cura de intervalo,
Depressa se afundou entre sorvos e o extravio,
Onde se alimentava de um ou outro exalo,
     E se saciou com a fome e o fastio!...

Quis Deus virar a garrafa ao contrário,
Lá deslizou pelo gargalo, até ao bandulho,
Mas, por mal contadas contas do seu rosário,
Já seu fígado era de muito vinho um sacrário,
Tão tamanho do bojo inchado e sem orgulho,
   Ao abandono no bojo da vida, fim solitário!...
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sábado, 1 de outubro de 2016

Todo o Vinho do Mundo

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Mais cedo ou mais tarde,
Todos sentir-se-ão à rasca,
Há algo nos outros que nos arde,
Não será um fogo de muito alarde…
Talvez as uvas madura se refugiem na casca,
E a velha videira sofra de um enxerto impessoal,
Mais dia, menos dia, todos se sentem muito mal,
Uns procuram o remédio santo na santa tasca,
    Outros são vindimados na cura do hospital!...

O diagnóstico desconfia da mesma origem
Há o temor embriagado que o vinho se acabe,
Muitos doentes, por abstinência, se afligem,
   Por o soro não saber ao que o vinho sabe,
        Mas já nem o vinho nas veias, exigem!...

Há um pássaro cor de vinho a pairar,
Vão escurecendo as penas da sua cor,
De gota em gota, vai morrendo a dor,
Um pássaro negro parou de voar,
Tanto vinho bebido com amor,
   Onde o amor se foi afogar!...

Talvez lá no fundo,
No fundo dos copos por esvaziar,
    Tivesse bebido todo o vinho do mundo,
     Vinho que acabou por acabar!...
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sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Não Veio Para Ficar


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Não veio para ficar,
    Janeiro!...
Do céu só pode nevar,
Há olhos frios no ar,
Dinheiro,
    Não veio para ficar!...
O álcool aquece até queimar,
Do último dia até ao primeiro,
Companheiro,
   Não veio para ficar!...
Mais um passageiro,
Vendido por inteiro,
E ainda por pagar;
Vem lá o mensageiro,
Emissário do despertar,
Do medo verdadeiro,
    Não veio para ficar!...

Sem medo de sorrir,
Há, de acordar a decência,
Há, de perder o medo, a consciência,
    Há, num Janeiro qualquer, de o medo partir,
Há, no fim da noite, de nascer um dia de desobediência,
  Sem medo do que não veio mas há, de estar para vir!...
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sábado, 12 de janeiro de 2013

A Balsa dos Pinguços


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Mágoas triunfantes,
Encostadas a uma esquina qualquer,
Inúmeras saídas para o apaziguamento,
Escondidas nos taninos de tintos em mutação,
Um lago alargado de sulfitos mortos na fermentação,
E rosáceas das balsas a bailar com destino incerto,
Mais que certo,
Em cada rosto onde não havia sequer,
A imagem sóbria de uma preocupada mulher,
Nem da vergonha de filhos alheados do pensamento,
Abandonadas às lágrimas desiludidas de seus soluços,
Prostrados aos pés trôpegos do último sacramento,
   À saúde do “que Deus leve” todos os pinguços!...

Mágoas triunfantes,
Mergulham em triplos mortais,
Para copos cheios de tintos dados à sorte,
Copos pagos por outros copos delirantes,
No delírio de muitos copos e tantos mais,
Haviam-se ido copos dados aos pardais,
Passaritos na ilusão de pássaro forte,
Arrastado por suas asas vacilantes,
Para lagos de vinhos abundantes,
     Atravessados por balsas da morte!...

Mágoas triunfantes,
Avinhadas em azeite e alho,
Bebiam da carne em mau estado,
Espremido unto de vício envinagrado,
Dado a engolir com gordurento enxovalho,
Enjoando de indiferença um indiferente vergalho,
Engolido pelas tripas do vómito e orgulho vomitado,
Na deglutição do orgulho atrás do azedo rebuço,
E de sua sóbria auto-estima já muito falho,
   Avivava-se-lhe a mágoa de pinguço!...

Línguas de vinho em carne viva,
Quebravam esquinas que lambiam,
Mortas à sede que da sede bebiam,
Em copos de sua sede inexpressiva,
 Bem no fundo árido de suas agruras,
Tanta era a sede a secar nas securas;
Mulheres distantes,
Divorciadas da culpa solteira,
Casavam as mágoas triunfantes,
Com a viuvez dos ébrios amantes,
   Esses que pagavam a sede do vizinho...
E a travessia nas balsas!...
Na outra margem da bebedeira,
Estremunhado por mais um copinho,
Desembrulhava a língua de costaneira,
E estendia o papel branco no caminho,
De suas canetas permanentes de vinho,
Para o trémulo abaixo-assinado,
Certificado,
De mais uma valente borracheira!...

Dão as balsas tantas voltas,
À volta de mágoas revoltantes,
Afogam-se mágoas revoltas,
Nas reviravoltas,
Das mágoas triunfantes!...
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