.
.
.
Estou tão gasto de tudo, esgotado,
Vazio, seco de todos e sem ideias,
Sou terra exaurida entre as areias,
Onde, exaurido, arrefeço enterrado,
Não sinto aquele nada enfeitiçado,
Que corre no vazio de minhas veias…
E,
árido, nem ávido sou de pousio!...
Sou este estranho curso evaporado,
No sumiço das margens desaguado,
Não procuro o significado de ser rio,
Sou esse caudal inerte e estagnado,
Nem
sol ou lua, nem quente nem frio,
Escurecido sem o defeito, sem o feitio,
Não sou a noite nem o dia iluminado...
Nem, aparte, ávido sou de consciência!...
Nem, aparte, ávido sou de consciência!...
Sou a minha própria consequência,
Sem saudades do siso desassisado,
Facto presente em minha ausência,
A gravitar fora de minha demência,
Adentrados auspícios do meu fado,
Suspensos no abismo ao meu lado,
Ala que me esvazia sem clemência!...
*
Aquém do que sou e rindo de mim,
Estou eu que ri do poético lampejo,
Rio também de belos rios que vejo,
A transbordar de tanta vida, assim,
Como se isso, a modos que, enfim,
Não passasse de poesia ou gracejo!...
.
.
.
Hehehehehehe….
Uma desinspiração inspirada. É o que lemos.
ResponderEliminarEmbora fugindo ao estilo caudaloso de poetizar.
Que venham muitos outros momentos de desinspiração!
ResponderEliminarAbraço, poeta!
Gostaria de estar assim desinspirada, para escrever algo tão profundo.
ResponderEliminarGostoso de ler-te.
bjo!
[Um dia, aqui mesmo, e já não sei de qual leitura, descobri que sua aversão aos elogios sobre os Poemas d’Alma era movida por sua humildade em exercer a autocrítica com a mesma sensibilidade de quem tanto escreve quanto lê, e muito sem graça, cheguei a fazer essa referência em algum de meus comentários. Nesse cenário, faço minha leitura de “Desinspirado...” e tenho a certeza de que poucas vezes fui tão feliz na minha colocação.]
ResponderEliminarNeste Poema tudo é passível de discussão, incluindo o mistério da inspiração e da ‘desinspiração’, e as muitas alternativas de concepções de literatura. Seu olhar crítico não desmerece o valor poético de sua Poesia, a própria vigília é a razão de seu enriquecimento.
Mantendo o ritmo, o Poema soa como um grito de libertação. Grito que, mais poderia se assemelhar a uma explicação, não fosse pelo tom satírico e irônico, porque além de registrar uma fase, também a interpreta. O tema, que mais parece existir apenas para fins de sublimação, desafia o leitor a comentar, nem que seja pela contrariedade, embora fique claro que a intenção não seja esta, na sutileza da autocrítica que não se limita à intimidade, mas sim, como misto de chiste e imaginação, pela condição humana e tudo aquilo que incluiu dignidade trágica.
A sátira, por mais inquieta, não se revela no desespero ou na solidão, antes pelo contrário, aposta no humor pela provocação irônica e se destaca por uma provocação ambígua. E nisto, d’Alma se supera. O rigor dos versos que anseiam por uma organização, explicativa ou não, lembram o estilo simplista da poesia d’Alma, nem um pouco vaidosa, ou orgulhosa, apenas para memória futura, ou como ‘arquivo’ de impressões, apontamentos ou questionamentos. Lições para alguns. Reflexão para outros. E liberdade para muitos.
Bom fim de semana.