quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Elo dos Oráculos

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Esvoaçavam esbeltas as mariposas em sua beleza,
Na feliz transparência das asas que o vento embalava,
Adormecendo-as na anestesia serena de leve sossego,
Quando em chumbo transformadas pesaram a tristeza,
Caindo em si num voo picado que o chumbo denunciava,
Desfragmentou mil peitos corajosos num único medo,
Dando asas brancas às negras asas de sombrio degredo;
Penumbrando de intensa Luz um eclipse que a iluminava,
Radiante a borboleta agora de toda a cor de luz apagada,
É uma folha caída das quatro de um amaldiçoado trevo,
Sorte desmaiada no sortilégio de um dramático enredo!...

Adivinham-se entrelaçados mosquitos por cordas,
Comem-se uns gatos pardos por cio de lebres extintas,
Lêem-te mentiras verdadeiras para que por ti não mintas,
Reiteras o caos da disciplina errante de engajadas hordas,
És o número redondo que em ti, por ti, de ti não recordas,
Cilha de albardas elaborada de tuas premiadas precintas!...

Em tempo de fome regressam oráculos menores,
Ratos envoltos em peganhenta película aderente,
Não desses pobres ratos de igual peçonha diferente,
São ratos e ratazanas de doentias inspirações maiores,
Senhores e senhoras das predições e outros folclores,
Que vendem rédeas soltas ao freio pouco inteligente!...

Quebram-se elos seguros de mau-olhado,
 Os mesmos elos onde os sonhos preguiçavam,
Reforçando a preguiça de um sonho já reforçado,
Sonolento despertar para um olhar desconfiado,
Por olhos desviados dos olhos que olhos amavam,
Amores que aos olhos mal olhados se entregavam,
Falsa paixão ilusória de um engano envergonhado,
Previsto acaso das coincidências que aguardavam!...

Sentados em dunas de nostalgia,
Entre mãos cúmplices que não se tocam,
Observam o quarto minguante que na lágrima flutua,
Baços olhares silenciosos de melancólica eupatia,
Descrentes na noite roubada à mágica Luz da lua,
Cores perdidas no Arco-íris da utopia!...

Regressaram mais santificados oráculos,
Predizendo fúnebres traições perdidas no passado,
Multiplicam-se ventosas de viscosos tentáculos,
Na oportunista clareza óbvia do óbvio gizado,
Mágicas letras de engenhoso fino traçado,
Palavras melodiosas de admiráveis cavernáculos!...


Afinal, na bola de cristal comandam os mosquitos,
Confundidos com cordas de articulados homenzitos!...
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1 comentário:

  1. O poema “Elo dos Oráculos” é, ao mesmo tempo, crítica e alerta à sociedade, ou ao meio, que, cegos às carências, deixam-se envolver por oportunistas que se aproveitam da ingenuidade e da boa vontade alheia. Desfazendo a imagem confortável que o senso comum numa rede de intrigas repousa sua consciência, a poesia d’Alma mantém sua principal característica que é a de ser voz, olhos e ouvidos daqueles que, por ignorância ou inocência, não conseguem distinguir a realidade da ficção, ou o mau caráter do bom caráter.

    A tensão proveniente dos versos é capaz de abalar qualquer razão, é preciso serenar e ler o poema dando ao pensamento uma pausa para olhar o entorno poético sem permitir que o amargor de um estigma, ou de uma experiência pessoal, interfira no seu contexto. A vida segue seu curso natural [“Esvoaçavam esbeltas as mariposas em sua beleza,”] até o primeiro impasse, ou a carência, movida por uma perspectiva de sofrimento e dor [“Radiante a borboleta agora de toda a cor de luz apagada,”] se manifestar e ceder lugar para o oportunista se apresentar [“Sorte desmaiada no sortilégio de um dramático enredo!...”], usufruindo do seu poder de persuasão e convencimento adquiridos de forma ilícita, como magia ou jogos de adivinhas, sem nenhuma preocupação com a ética [“Comem-se uns gatos pardos por cio de lebres extintas, / Lêem-te mentiras verdadeiras para que por ti não mintas,”] e servindo-se da ingenuidade sobre a fragilidade alheia [“Senhores e senhoras das predições e outros folclores, / Que vendem rédeas soltas ao freio pouco inteligente!...”].

    Entre o sono e o despertar existe um espaço para os sonhos [“Quebram-se elos seguros de mau-olhado, / Os mesmos elos onde os sonhos preguiçavam,”]. O excesso de solidão e a carência afetiva são fatores que contribuem decisivamente para o distanciamento da realidade, favorecendo a fantasia e a imaginação. Mas é no despertar é que a realidade reside. É preciso reconhecer, como num jogo de sorte e de azar, se a premonição for concretizada [“Previsto acaso das coincidências que aguardavam!...”], como coincidência. O predomínio da ilusão [“Regressaram mais santificados oráculos,”] em detrimento da realidade deve ser vigiado [“Na oportunista clareza óbvia do óbvio gizado,”] porque a oportunidade continua sendo um forte aliado dos oportunistas [“Palavras melodiosas de admiráveis cavernáculos!...”].

    Não se adivinha a vida, nem a poesia. Mas temos a obrigação de distinguir verdadeiros elos de pseudo-elos [“Afinal, na bola de cristal comandam os mosquitos, / Confundidos com cordas de articulados homenzitos!...”] e acordar pesadelos antes que eles se transformem em realidades. Ainda que seja pela poesia. Ou, pelo menos com a poesia [d'alma].


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