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Derivando na vaidade dos verdes bardos,
Flutuava a graça de um mágico barquito rabelo,
Acariciava parras que protegiam o cacho perfeito,
Ao estimular o movimento na leve brisa de um apelo,
Retribuía-se com brisas maiores de um acordo satisfeito,
Impelindo o Rabelito nos maduros socalcos de xistoso leito,
Emergido das encostas dos montes que juraram protegê-lo,
Resistiu às intempéries que vinham com o desejo de vê-lo,
Barquito que sobrevoava seus rios de vinhas a preceito!...
Derivando na deriva de admiráveis castas orgulhosas,
Sobre as mais nobres castas de qualidades frondosas,
Navega feliz o rebelde rabelito de si seu único dono,
Com a coragem de um fiel trabalhador que nada teme,
Não adormecendo no desleixo dos folgados com sono,
Enche o vento a vela de suas descendências aventurosas,
Rabelo lírico decidido em ser seu próprio dono do leme,
Transporta paixão por suas uvas o barquito que freme,
Só à tardinha ancora a visão de mágicas curvas sinuosas,
Lá em baixo onde deslizam gigantescas velas misteriosas,
Confirmando os pagamentos sedutores de amargo abono,
Ameaçado pão e vinho por outras das paixões deliciosas,
Paixões de novas paixões, vinhas deixadas ao abandono!...
Derivando na derivada paixão por Portuguesa Touriga,
Entre o corte à tesourada de suas paixões separadas,
E os frios lagares onde as protegidas serão esmagadas,
Encalha o Barquito Rabelo apartado que a tristeza abriga,
Sem desconfiar que é fado mágico de uma tradição antiga,
Arrebatamento de paixões rubras por paixões apaixonadas,
Oferta de vindimadas deusas às irresistíveis paixões fadadas,
Essa mesma paixão pelo pequeno Rabelo incompreendida!...
Caiu-se de si o Barquito Rabelo sobre pedras de xisto,
Deixou-se derivar na deriva das espadelas sem vontade,
Murchou sua vela sem vento num amarrotado imprevisto,
Abandonando-se sob sua sombra de um olhar jamais visto,
Deixou que a prata do Douro reflectisse a profundidade,
De um fim de tarde marcado por resignada passividade,
Descurado chão onde flutuava o perigo de elevado risco,
Seca corrente forte onde correm Douros em maturidade!...
Acordou com luz de prata em seu peito de fundo chato,
Sensação de estranha sede da sede que nunca tivera,
Saboreou toda aquela luz num sôfrego sorver imediato,
Confundindo lágrimas escorridas num pequeno regato,
Com as acolhedoras boas-vindas que o Douro lhe dera,
Rio docemente sinuoso ao qual ficaria para sempre grato,
Douro que em seu leito de vida do rabelito estava à espera,
Para a praxe regada com generoso vinho de mais uma era!...
Derivando na deriva do rio que entre colinas ri,
Navega nervoso o pequeno rabelo atarantado,
Descobrindo a corrente na qual navega enviesado,
Esquecendo-se da espadela em remo do leme de si,
Sua quadrada vela agora ao vento se arredonda e sorri,
Bem segura pelo mastro no suor da vinha trabalhado!...
Lá se ajeitou o Barquito,
Seguindo a corrente dos grandes Rabelos imponentes,
Transporta agora a melhor uva, um único baguito,
Acenam-lhe alegrias lá nos montes as videiras contentes,
Recordando aquele rabelo pequenito,
Que flutuava num imaginário infinito,
Imaginação sem fim de grainhas sementes,
De onde germinam histórias entre calos dos crentes!...
O barquito Rabelo continua a derivar no mosto da deriva,
Navega também nos lagares dos grandes prazeres da vida!...
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Fabuloso.
ResponderEliminarInédito o Poeta que rabiscou essa barca tão Portuguesa, esse estimular dos ventos Norte cedendo ao rasto do mosto, orgulhoso, lírico e decidido a encher a paixão do travo de todos nós.
Amei!
Beijo
da
Assiria
“Barquito Rabelo” apresenta uma estrutura arquitetural, sua sequência, na simultaneidade do movimento, segue um itinerário que é de descobrimento e renascimento, representando um lugar de acolhimento e harmonia.
ResponderEliminarNa nobreza de uma leitura atrativa, circundada de carinho pedagógico e marcada pelo descobrimento contínuo de revelações, encontros e desencontros, o poema navega na sutileza dos ventos, onde os sentimentos estão em trânsito num trajeto gradativo de percepção, cumprindo a cada momento uma etapa: Ilusão [“Derivando na vaidade dos verdes bardos,”]; orgulho [“Derivando na deriva de admiráveis castas orgulhosas,”]; realidade [“Derivando na deriva da paixão por Portuguesa Touriga,”].
No passo a passo desse rio existencial, a poesia ancora no caos da reflexão, a consciência é uma experiência de risco e não menos dolorosa [“Caiu-se de si o Barquito Rabelo sobre pedras de xisto, / Deixou-se derivar na deriva das espadelas sem vontade,”]. Aliviada a tensão, a esperança [“Acordou com luz de prata em seu peito de fundo chato, / Sensação de estranha sede da sede que nunca tivera,”] renasce com uma nova existência [“Derivando na deriva do rio que entre colinas ri, / Navega nervoso o pequeno rabelo atarantado,”].
O instante é de revelação [“Descobrindo a corrente na qual navega enviesado, / Esquecendo-se da espadela em remo do leme de si,”]. E foco. Perito no uso e no manejo de seus próprios sentimentos, a navegação se dá de forma prazerosa e segura [“Sua quadrada vela agora ao vento se arredonda e sorri, / Bem segura pelo mastro no suor da vinha trabalhado!...”].
Com admiração vislumbramos o novo ‘Barquito’ como quem acaba de REnascer para o mundo e para si mesmo, a alegria, senão contagiosa, é lição de vida e comunhão de abrigo e sossego, o verdadeiro amor tem propriedades curativas, paliativas, redentoras, estimulantes [“Transporta agora a melhor uva, um único baguito, / Acenam-lhe alegrias lá nos montes as videiras contentes,”] e a convicção da produção de ótimos vinhos no destino que é poético: “O barquito Rabelo continua a derivar no mosto da deriva, / Navega também nos lagares dos grandes prazeres da vida!...”.
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