domingo, 18 de setembro de 2011

Alvado

.
.
.


Um calvo cabo de velho eucalipto imponente,
Ergue-se ao renascer um novo alvor diferente,
Sacode terra desterrada do olhar desenterrado,
Na memória ainda cava uma sachola obediente,
Arrancando da terra o suor do campo semeado,
É tempo de voltar a ser vigoroso corpo abraçado,
Pela parte que de sua parte é parte concernente,
Tempo de ser-se completo pelo olho do alvado!...

Um ancinho longe do néon da moderna floresta,
Dormia com seus dentes arreganhados para o ar,
Por falta de pagamento viam-se as luzes apagar,
Nas noites da ribalta trevas eram donas da festa,
Um desalojado da terra regressa à casa modesta,
Lembrou a humildade que resolvera abandonar,
Ao pisar uns dentes levou com o cabo na testa!...

O cabo está bem apertado,
Um campo fresco está semeado,
A natureza tem seus decifráveis códigos,
Na taberna embebeda-se o canto do fado,
A terra acolhe seus filhos pródigos,
Olha-se a colheita pelo olho do alvado!..

.
.
.




2 comentários:

  1. Um poema (como sempre) espantosamente bem escrito e desenvolvido.
    De tal maneira o fizeste que consegui vislumbrar tudo o que foi explanado com arte e fluidez.
    Senti-me integrada no ambiente.

    Bom domingo

    Bjgrande do lago

    ResponderEliminar
  2. O poema prepara, semeia e aduba a terra, mas é a poesia de “Alvado” quem colhe uma paisagem de memória, saudade e regresso à terra natal, onde tempos de crise não atormentam a colheita.

    Os versos relacionam a história do homem com a importância do instrumento de trabalho no exercício da profissão na mão-de-obra especializada na exploração da terra [“Sacode terra desterrada do olhar desenterrado, / Na memória ainda cava uma sachola obediente,”], a angústia poética traduz o sofrimento daqueles [“Um ancinho longe do néon da moderna floresta, / Dormia com seus dentes arreganhados para o ar,”], que abandonaram a terra pela ilusão de uma vida melhor na cidade e no silêncio das reticências está à reflexão sobre a dignidade humana [“O cabo está bem apertado, / Um campo fresco está semeado,”] na necessidade de um trabalho como forma de valorização pessoal.

    Afinal, a mesma terra que proporciona a colheita, também acolhe [“A terra acolhe seus filhos pródigos, / Olha-se a colheita pelo olho do alvado!...”] o profissional.


    ¬

    ResponderEliminar