quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Sorte...




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Perguntaram a todos que a viam,
Sobre a vida que só alguns conheciam:
-Nasceu velha como a morte,
Dela diziam,
-Quem a teve, teve essa sorte!...

Vivia-se viva por ela abençoada,
Destinada a ser tudo perto de nada,
Campo livre aberto ao desejo mais forte,
E à impaciência da vereda mais apressada,
Nasceu já atalhada com mágico recorte,
Pensam-na em abraço e abraçada,
E por ela existem na passada,
       -Quem a tem, tem essa sorte!...
Diziam dela,
Com alguma cautela,
   Alguns já perto da morte!...

Enrolou-se já velha à velha mortalha,
Da vela feita da mais branca espuma,
Esmorece o seu pavio que se esfuma,
Há uma luz a perguntar a quem calha,
Se sabem da velha Luz que lhe valha,
Cinzas a sul dizem ter sorte nenhuma,
Dizem que os ventos a viram a norte,
Dizem que sua voz dissipava a bruma,
Dizem que era uma voz de despedida,
E disse uma vida sem sorte alguma:
-Procurei-te por toda a vida,
      E só encontrei a minha sorte!...
-Eu sou a Vida,
Dizem que disse,
-Sou mais velha do que a morte!...


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quarta-feira, 5 de junho de 2013

Cancro


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Meu cancro e eu,
Inseparável inimigo,
Em mim e só meu,
  Aconteceu!...
Sempre comigo,
Leva-me consigo,
Sou alimento que é seu,
Sou seu abrigo,
Alento que arrefeceu,
Quase jazigo,
Quase morreu,
   Meu cancro amigo!...

Quase morri,
Quase vivi,
Medo de viver,
Vida que não vi,
Medo de morrer,
Inesperado castigo,
Medo de ver,
Descuido sentido,
Fizeste a vida crescer,
    Meu cancro amigo!...

Vive cem anos em mim,
Teu escravo eu serei,
Serei teu bondoso rei,
Para que não sejas ruim,
E contigo viverei,
   Nossa vida sem fim!...

Um cancro achou-se indigno,
Não merecia alimentar-se da maldade,
Sabia ser um destino demasiado benigno,
Para corações tão ausentes de bondade,
Sua força crescia na doente verdade,
     Morreu triste o cancro maligno!... 
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sábado, 1 de junho de 2013

Látice


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De um lado o prazer do pecado que se confessava,
Todos os pecados passam pelo látice até ao missionário,
Ao outro lado, chega a confissão em forma de nudez escrava,
A carne ajoelha-se na penumbra da tentação da penitente que pecava,
Os demónios em expurgação atravessam as carnes cruzadas do confessionário,
Envolvem a penitência decotada da pecadora e a tentação do pecado incendiário,
São postos em causa dois últimos mandamentos,
Há o pressentimento dos últimos sacramentos,
Infinitas configurações de fogo apossavam-se da proteção do látice que latejava,
Entre as línguas que se cruzam arde a cruz crucificada do confessor solitário,
Abrem-se e fecham-se os espaços do mesmo fogo que o pecado ateava,
Vai e vem o entra que sai à volta dos pensamentos,
Perversos desejos do inferno lambiam o arrependimento que restava,
O secreto lado absolvente ajoelha-se no centro sentido do contrário,
Ao lado da penitência que ardia de prazer e já não se salvava!...

A sotaina que cobre a carne açoitada pelo pecado,
Cobre o homem que resiste e toda a sua fraqueza,
Trinte e três botões e as cinco chagas do crucificado,
Absolvem-se aos olhos de sete símbolos do sagrado,
Seja preta, violácea ou vermelha de maior grandeza,
Cobrem apenas as partes de uma parte da pobreza,
     Eternas suas cruzes traçadas no látice excomungado!...

Uma batina esgueira-se em auxílio,
Há beatas possuídas exorcizadas num ápice,
Devotas sem um único pecado auxiliadas ao domicílio,
Murmuram-se silêncios na noite de um santo concílio,
   Apaziguada foi a carne nos diversos lados do látice!...

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