segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Caso Perdido

.
.
.




Qualquer caso de saúde mental,
É caso para ser um caso perdido,
 O dinheiro é um caso pressentido,
Caso não o tenha é quase mortal,
E em caso da morte ter sucedido,
Sucede-se a óbvia relação causal,
Das causas ao efeito mais natural,
    De para morrer bastar estar vivo!...

Imagina-te bem vivo num caixão,
Há médicos à tua volta atenciosos,
As análises são casos espantosos,
 Das unhas encravadas ao coração,
Dos incríveis vírus muito famosos,
Até à cura por carniceiros zelosos,
Doutores da morte por prescrição,
Tão amáveis e de olhos carinhosos,
   Receitam a morte por procuração!...

Já fora do caixão onde estiveste,
A teu lado vai o caixão a enterrar,
À tua frente há uma porta celeste,
A única porta que nunca quiseste,
Aberta sobre ti convida-te a entrar,
Nas tuas costas há faturas a cobrar,
Dão-te toda a terra pelo que deste,
   Terra que pagaste e morres a pagar;
És um caso perdido,
Que médico algum quer encontrar,
O teu médico amigo,
Caminhou contigo,
Acreditaste que o sorriso te ia salvar,
Milagroso abrigo,
Mas, pobre condenado, até te matar,
Deste muito do que ele quis a ganhar,
         Esse simpático perigo!...
.
.
.


2 comentários:

  1. “Caso Perdido” tem sua estrutura narrativa definida como poema, mas bem poderia ser uma crônica poética. E nisso reside o aspecto inaugural dessa poesia. Um modelo diferente, para não dizer ousado, e quase arriscado, dado ao teor de espanto que o poema tem.

    Um espanto que tem origem na agressividade do wallpaper, no movimento de descontinuidade da vida, ou com a preservação dela, no desrespeito à promoção da saúde e à prevenção de doenças. Em outras palavras, à desumanização do atendimento médico.

    Por outro lado, a Arte. E o fazer poético que tem como objetivo a sensibilização.

    O título do poema é trágico, mas não desesperançado. Estar perdido, ou ser considerado como uma ‘causa perdida’, deve servir de estímulo à procura. Uma vez que os riscos, seguidos pela revolta, pairam num ambiente de atendimento individual, ou pessoal, a tendência é que eles, uma vez iluminados, desapareçam, ou sejam contornados assim que as questões tornam-se temas para serem abordados no coletivo, um lugar eleito como busca de, senão de soluções, pelo menos de debate, ou reflexão, na intenção de transformar uma realidade que a todos, individual e coletivamente, oprime. E compromete a continuidade da vida.

    A poesia, enquanto metodologia, revela-se como uma característica sensível no processo cuidador e cuidado. E se há algo de comum a esse ambiente – instituição, médico e paciente –, é a dimensão humana que não escapa à Poesia d’Alma.


    Abraço, A.

    ResponderEliminar
  2. Uma sátira poética brilhantemente escrita com uma não menos brilhante foto.
    Infelizmente tenho que concordar consigo, é o triste país que temos.

    ResponderEliminar