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“…de qualquer maneira,
Por mais linda que seja,
Para a patroa feia e sua inveja,
Serei sempre uma porca rameira,
Pano de chão de língua na soleira,
Serei sempre uma pobre sopeira!...
Criadinha de servir,
Ao servir como ninguém,
Servindo-se no papel de mãe,
Escreve o trabalho sem um ai,
Livro que esconde seu sentir,
À patroa rica que há-de vir,
Contratá-la com desdém,
Do qual não se abstrai,
De encontrar mais um pai,
Para mais um filho que vai parir,
Irmão de outros que ao mesmo não sai!...
…de qualquer maneira,
Pago pelo apagado calor,
De mais um casal sem amor,
Frio rescaldo de fria fogueira,
Que me queima naquela asneira,
De ser prazer em vez de dor;
De qualquer maneira,
Serei sempre uma Sopeira!... “
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Título e poema entre aspas, uma linguagem terceirizada na paisagem d’Alma e o poema “Sopeira” inaugura maio, marcando um novo estilo à poesia que não conta uma história, mas é um conto à realidade que não se impõe à ficção.
ResponderEliminarPatroa e empregada. A igualdade dos gêneros e a desigualdade das relações sociais [“Por mais linda que seja, / Para a patroa feia e sua inveja,”]. Distinto da escravidão, o trabalho doméstico é um emprego assalariado, mesmo assim é repleto de restrições no que diz respeito aos direitos trabalhistas. A carência da mão-de-obra especializada e a falta de perspectiva de um futuro promissor instigam a comparação à prostituição [“Serei sempre uma porca rameira,”]. Sem melhorias de vida, a conformação [“Serei sempre uma pobre sopeira!...”].
Os versos [“Criadinha de servir, / Ao servir como ninguém,”] incomodam e revolucionam o pensamento. Logo em seguida, sem romper com o dinamismo da poesia, a indefinição de limites [“Servindo-se no papel de mãe”] excede a função da mão-de-obra feminina, o caos da desigualdade social [“À patroa rica que há-de vir, / Contratá-la com desdém,”] e a transferência das tarefas atingem a esfera familiar [“Para mais um filho que vai surgir, / Irmão de outros que ao mesmo não sai!...”].
“…de qualquer maneira,” a poesia é d’Alma e o contrário dos versos prevalecem: “Pago pelo apagado calor, / De mais um casal sem amor,”. Seus paradoxos também [“Frio rescaldo de fria fogueira,”]. As contrariedades [“De ser prazer em vez de dor”] dos relacionamentos de 'dominação' e a ausência de limites, essenciais à construção de nossa identidade, independente de qualquer posição que possamos nos encontrar.
Um ponto e vírgula e “De qualquer maneira,”/ Serei sempre uma Sopeira!...” fecha as aspas.
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