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Onde está o Pão prometido?...
Nos bolsos virados do avesso escasseiam as migalhas,
Restos da grande broa bem à vista no bandulho da cultura,
Gorda revolução doutorada de Abril vencedora de mil batalhas,
Até estiveram presos, os coitados, santos mártires da ditadura!...
Quem dá mais pelo registo de uma falsa prisão e tortura?...
Querem melhor símbolo de patriotismo com castigo?!...
Onde está o Pão prometido?...
Os advogados prometeram transformar os cravos em Pão de fartura,
Empanturrando a ignorância com estrangeiro Pão fresquinho da fornalha,
Só faltava a televisão conveniente e a imprensa que ao poder não falha,
Mas depressa se arranjaram abraços entre a autoridade e a ternura,
E das diferentes ideologias extremas nasceram golpes de cintura,
Porque o ouro bem guardado seria prémio vitalício da batalha,
Ora, como a ração é de quem a come e não de quem a talha,
Aqui temos um Portugal de heróis mórbidos de gordura,
Enquanto o Povo definha por esta história de canalha!...
Onde está o Pão prometido?...
Mais de trinta anos de filhos e enteados,
Governados por sucessão,
Bem seguros pela força da Social Comunicação,
Ao serviço dos desejos sagrados,
No regime dos prosélitos apoiados,
Porque interessa é lembrar o regime antigo,
Continuando a prometer o Pão prometido,
Nem que seja em versos por desertores versados,
Como tantos outros à mentira de um passado poupados!...
Onde está o Portugal que nos prometeram?...
Na pança daqueles que a carne do Povo comeram,
Ou nos bolsos dos mesmos, forrados com o ouro do ditador inimigo,
O mesmo que lhes justificou o abrigo,
Nos palácios oficiais, provando a História que não mereceram?...
Hei, grandes heróis que os carneiros elegeram,
Onde está o Pão prometido?!...
Foi este o 25 de Abril que nasceu para salvar Portugal,
Ou apenas serviu para engordar estes doutos senhores?!...
Os mesmos justiceiros heróis que o País devia levar a Tribunal,
Por serem pais da Democracia prostituída que pariu tais estupores?!...
Hei, onde está a igualdade prometida,
Neste Portugal de Justiça falida?...
Sim, ó gordo ladrão, falo contigo:
-Onde está o Pão prometido?...
Quando vais devolver-nos a Vida?...
Pois é, perdeste o teu Portugal antigo,
Deixaste o Portugal moderno sem abrigo,
E, por tão Lesa-pátria, uma dívida suicida!...
Diz-me, amigo…
Onde está o Pão prometido?...
Talvez no luto de uma luta perdida,
Conquistado a um Povo vencido,
Que chora a Igualdade prometida,
Na promessa previamente urdida,
E quebrada a um Povo perdido!...
Por caridade, amigo, diz-me:
-Onde está o Pão prometido?!...
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25.ABR.2011, da pétala do cravo, uma lágrima sangra no poema “25.ABR.1974-Lesa-pátria” e d’Alma excede a ação política na invenção poética, pintando a tela de versos à poética de percurso político e social.
ResponderEliminarUm palco-palanque. Um homem-cidadão. Uma contribuição. E o uniVerso é voz, nome e fisionomia de todos aqueles que ficaram há 37 anos à margem das promessas redentoras do ‘Portugal de Abril’ [“Onde está o Pão prometido?...”] .
A objetividade da produção poética, conta-nos a história, tem sua origem na realidade, mas marcada pela distância [“E das diferentes ideologias extremas nasceram golpes de cintura,”], entre fatos, ilusões e interesses de classes [“Continuando a prometer o Pão prometido, / Nem que seja em versos por desertores versados, / Como tantos outros à mentira de um passado poupados!...”.
A fina ironia, ainda que camuflada, reveste os versos de crítica política e de humor diVerso, aflorando a realidade pós-revolução resultante da corrupção das classes dominadoras: “Onde está o Portugal que nos prometeram?... / Na pança daqueles que a carne do Povo comeram,”. Interrogações e reticências. O apetite e a fome. A vontade e a urgência. A miséria de um país representada pelo questionamento permanente [“Hei, grandes heróis que os carneiros elegeram, / Onde está o Pão prometido?!...”]. E a resposta [“...serviu para engordar estes doutos senhores?!...”] à conclusão procedente dos vários problemas político-sociais.
Sem alimento, sem moradia, sem justiça: a lesão [“E, por tão Lesa-pátria, uma dívida suicida!...”].
Exausto, descrente, mas nunca desacreditado, e o discurso d’Alma, inédito, é de apelo dramático: “Por caridade, amigo, diz-me: / -Onde está o Pão prometido?!...”. E as reticências, justas, a pontuar o desafio de pensar.
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