segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Luvas

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São tão insustentáveis as luvas do pugilista!...
Os ossos do povo entram no pequeno quadrado,
O primeiro directo é certeiro e fica sem uma vista,
Vê as sombras por cordas que o deixam encurralado,
Ameaças dos “segundos fora” ordenam que não desista,
E muito antes que o milagroso toque do gongo o assista,
Um golpe traiçoeiro nas partes baixas deixa-o capado;
A toalha branca limpa restos de caviar derramado,
Espumantes traidores celebram a conquista!...

1, 2, 3, 4... e antes que se ouvisse a voz do dez,
Todo feito num oito, levantou-se aos nove sobre os pés,
Ainda mal refeito dos tremeliques nos seus pobres joelhos,
Um par de uppercuts muito baixos fizeram-lhe cair os pintelhos,
A imagem desfocada do seu canto abandonado era um duro revés,
Ondulavam  grogues risos convexos como em divertidos côncavos espelhos,
Embora as dores nos esmagados testículos matassem,  não caiu e, ao invés,
Fustigado pelo murros do adversário atravessou o ringue de lés a lés!...

Um espartilho de cordas deixou-o imóvel a um canto,
Entre a saraivada de jabs e outros golpes mal encaixados,
As costelas acusavam os castigos e da direita caiam cruzados,
Os impactantes maus tratos de esquerda levantavam o espanto,
Que não deixavam cair aquele Povo para qualquer um dos lados,
Porque é assim, de pé, que os Povos sem nada são massacrados,
Depois de combinadas as garantidas apostas com todo o encanto,
Victórias arranjadas pela traição do dono dos derrotados!...

Do gongo chegou-lhe a muito custo um toque fraquinho,
Caiu em si, como se não bastassem os golpes que lhe caíam,
Percebeu a toalha desaparecida entre o espumante fresquinho,
E o desaparecido banco,
No seu solitário canto,
Onde...
Com o seu sangue e todas as partes que lhe doíam,
  Ali estava ele, um saco de pancadas com ele mesmo sozinho!...
Sentado sobre a dura realidade do verdadeiro caminho,
Levantou-se a custo até onde suas pernas podiam,
Entre cortinas de sangue avançou devagarinho...
Silêncio que vai...
Devagarinho...
Silêncio que vem...
Devagarinho...
Coragem era a única força que todos viam,
À volta do ringue os velhos cravos morriam,
A última rosa deixou cair a última pétala...
                                                                                        E o último espinho!...

E caiu!...




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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Gambozinos


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Rodeou-se o imaculado gestor de S. Bento,
De excelsos sábios e protectores génios divinos,
Hábeis decifradores de todos os enigmas dos destinos,
Que haviam enfrentado tempestades liderados pelo vento,
Lendas contam que cegaram o mais ambíguo olho agoirento,
E expurgaram o veneno do mau olhado entrelaçado nos hinos,
Canto das bandeiras envenenadas pelo mais ardiloso intento,
     Mas não há Povo que resista aos guardiões de gambozinos!...

É por demais evidente a imagem da realidade,
São gambozinos que o inquilino do palácio não vê,
Cresce a fome que alimenta fantasmas da tempestade,
Nas costas reais de um génio já careca de tanta vaidade,
     E as pedras de S. Bento não querem perceber porquê!!...
É estranho o analfabetismo do sábio que não lê,
As bizarrices geniais dos analfabetos mais finos,
Carecas que deixam o cheque do Povo à mercê,
     Da negação existencial de milagrosos gambozinos!...

Lá para os lados de Belém,
Outro investidor rodeou-se também,
De outros investidos génios e sábios iguais,
Venerados economistas de públicas falências reais,
Protegidos pela  careca Justiça deste Povo refém,
   Dos invisíveis Gambozinos e outros que tais!...

A realidade perdeu o tino da imagem,
Só os promovidos gambozinos são imagem real,
Acreditar na genialidade destes sábios é ser o aval,
    De todos os cheques carecas deste pelado Portugal!...
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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Azul


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Para lá de todo o céu azul do olhar,
Na imensidão azul onde se coloria a loucura,
Perdiam-se sonhos imensos em azul d’Amar,
Azul em despedida reflectido nos azuis do ar,
Vistos partir no coração azul de uma aventura,
Veleiro azulado que um desejo azul procura,
     Azul que antes do adeus vê seu azul voltar!...

Vai-se desvanecendo o azul no fim do dia,
Olhos guardam imensos azuis enternecidos,
Uma lágrima azul voa sobre azuis da maresia,
Beija o distante horizonte azul com nostalgia,
E sente suaves azuis de sentires indefinidos,
Tornarem-se a brisa de sua azul companhia,
   Até amanhecerem seus azuis agradecidos!...

No alto das falésias azuis e no azul dos cais,
Olhos de todas as cores esperam o azul eleito,
Com a azul Esperança de quem espera demais,
Azul que não basta ao azul que se cansa jamais,
Contemplação que tonaliza de azuis o conceito,
Dos seus azuis afectos matizados de azuis sinais,
    Que do outro lado contemplam o azul perfeito!...

Há azuis assim,
Azuis que palpitam no peito,
    Numa azul admiração sem fim!...
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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Vinho Botado

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Este vinho está botado!...
Vinho de baga bebido,
Memórias com meio sentido,
Enganos de um mundo pintado,
Quadro falso de um pintor falhado,
Que nunca pintou um Amigo!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho Amor!...

E tu, não sendo quem deverias ser,
Sendo ninguém e pouco mais de nada,
Tal amizade é tua concepção deturpada,
Da verdade que os teus ohos deviam ver,
Mas a tua visão doentiamente errada,
Enterrará teu sóbrio viver!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor!...

No copo mais vinho botado,
Vinho agre de esforçado fingimento,
Fingindo ser um bom vinho confiado,
Á confiança da memória no tempo,
Que desconfiando do pensamento,
Bebe amizade em vinho desquebrado,
Como quem bebe copo de nada botado,
Amigo perdido num definhar sedento!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor,
Neste derradeiro vinho que está botado,
Cheiinho do transbordante nada que resta,
Tinto de tanta tinta sem cor,
Pintando tingida nódoa de dor,
Na ilusão de uma tela que não presta,
Pintado lamento de um pobre pintor,
Quadro pobre de origem modesta!...

Desbotado vinho botado,
Em pacto de sangue desfeito,
Baga pelas falsas castas adoptado,
     É vinagre botado ardendo no peito!...

Talvez seja eu esse botado Pintor,
     Quem dispensa tamanho amor!...
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sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sabor

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O acre do doce poema com hortelã e pimenta,
Não chega à porcelana do fino poeta breviário,
Quão breve é o sal nas vagas do seu dicionário,
E o vinagre que dos fortes vinhos dão à ementa,
Preferindo temperar os versos com água-benta,
E a poesia fidalga com um insípido vocabulário,
   Dietético pé-de-salsa de tão débil alma sedenta...
Como é generosa a poética da branca fidalguia,
Uma aguada canja de galinha escrita no aviário,
Dada à prova desgostosa da língua que lamenta ,
O sabor de todos os bons sabores da sabedoria,
Saber que não se perde no sabor da especiaria,
Condimento atrevido de um doce verso solitário,
E mais versos salgados com igual doce ousadia,
    Acepipes inelutáveis de um poético glossário!...
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segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Presidente

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Já ninguém leva a mal,
Quando o pobre mendigo,
Carregando a pobreza consigo,
Jura ter sido figura presidencial,
Aquando presidente de Portugal,
  E até podia ter enriquecido!...

Mas não!...
Seu enorme coração,
De tão generoso altruísmo,
Fez-se do maior simbolismo,
Entregou-se à solidária doação,
Filantropia católica por vocação,
Combatente do capitalismo!...

-Eu já fui presidente!...
Declara o pobre sem abrigo,
Sempre longe do seu umbigo,
Cicatriz nobre do pobre diferente
Dono da verdade quando mente,
   Cereal rico com joio confundido!...

-Foi presidente, sim senhor!...
Confirma com tristeza a Maria,
A outra face de seu rico amor,
Discípula do seu rico professor,
Sua mendiga e fiel companhia,
Voluntário sacrifício à carestia,
    Pobre pedinte de igual valor!...

Pesem embora os cínicos deslizes,
Não querem parecer coitadinhos,
    São pobrezinhos mas são felizes!...
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Estes santos mendigos são por vezes,
A esmola dada à sorte merecida de um Povo,
Sebastianismo milagroso de pobres Portugueses,
   A quem a Democracia pouco trouxe de novo!...

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cenotáfio

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Sabes, meu estranho e amigo Poema desvairado,
Não foi nesta Alma que morreste nem foste enterrado,
Apenas escolheste quedar-te e aqui erguer o teu cenotáfio,
Neste jardim onde não há qualquer poeta desterrado,
  Só para poderes sentir o teu próprio epitáfio!...

Não és poema teu,
És teu fúnebre elogio,
No sobejo verso de ti vazio,
    Cheio de quem em ti morreu!...

Há sempre um preço a pagar,
Pelos pecados sepultados na alma,
    E é por eles que bem podes chorar!...

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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cansaço



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 Por cada triste fatalidade,
Mais e mais o desiludia a Esperança,
Sente que o tempo é tempo que cansa,
É desanimador ser manipulado pela idade,
Sem alento achava que o tempo era uma falsidade,
Foi sempre no dia seguinte que procurou a confiança,
   Cada momento sempre tivera uma certa semelhança...
Ontem ficaram por lá os olhos cheios de ansiedade,
 Hoje perdido no firmamento que não alcança,
Sente que o tempo cada vez mais o cansa,
Já não tinha certeza se humilde era a realidade,
Ou se toda a certeza no dia seguinte era uma lembrança,
Como navalhada na memória que não cicatrizava com a humildade,
   Essa espera da porta aberta que cansa!...

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Pena Suspensa

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...Há qualquer coisa nos voos intermináveis,
Um não-sei-o-quê nas penas suspensas,
Movimentos um tanto indecifráveis,
A voar com asas de penas extensas,
Sem pena das quedas propensas,
Aos picados voos pouco prováveis,
De libertar aves de asas imagináveis,
    Dando corpo liberto às Almas imensas!...

A meio do céu que eu não vejo,
Uma pena faz de conta que voa,
    Na leveza de um morno bafejo!...

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pedreiros



Dos judaicos montes negros sem nome,
Os pedreiros esculpiram impérios de poder,
Em seus rituais riem das duras pedras dadas a roer,
E dos escravizados rostos humanos empedernidos de fome,
Castigados pelo maço que decidiu condenar quem não consome,
Britando sem dó os sorrisos inocentes de crianças felizes por viver,
Sem saber das noites após as noites que restam de vida insone,
Aos Pais que são agora prematuros condenados a morrer!...

Do monte mais negro onde negros corações são esculpidos,
Cresceram estátuas cinzeladas pelos finos secretismos mais brutos,
Eleita foi a serpente de pedra  nos silêncio dos bodes protegidos,
Multiplicou-se o poder à custa dos alheios bens consumidos,
Petrificaram frondosas árvores e os comunitários frutos,
E ergueram cumes de privados pomares absolutos,
Sobre a escravidão onde ainda foram erguidos,
    Pedestais para os pedreiros mais astutos!...

 A pureza da luva branca é igual,
   Á corrupção que seduz os podres atributos,
       Que se escondem debaixo da política do avental!...
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