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domingo, 9 de agosto de 2015

Tão... Tantas, as Almas...


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Tantas almas perdidas,
Á espera das despedidas,
Tantos, os lenços sem dono,
Tantas, as almas ressentidas,
Á espera do seu fiel patrono,
Tantas, as almas ao abandono,
Tantas, as primaveras fingidas,
Á espera de um triste Outono,
   Tantas são as árvores despidas,
Por seus deuses em seu trono,
     Tanta fé à espera das partidas!...

Tanto santo lenhoso,
Tanta santa de porcelana,
Á espera do machado piedoso,
Á espera da beata pedrada insana,
Tão lenhosa é a pobre alma humana,
Tão insignificante é o lenho milagroso,
 Á espera da religiosa alma profana,
  Tão profano é pecado religioso,
     Que por Deus se engana!...

Tão pouca fé no semelhante,
Tão pouca fé na fé viva da Vida,
Tanta é a fé no caruncho cintilante,
Tão pouca é a fé na fé d’Ele renascida,
Tanta é a fé na vaidade degradante,
     Tão pouca, a fé em desgraça caída!...

Tão perto está o pessimismo,
Tão longe está o pessimista,
Tão perto está o abismo,
Tão longe o humanista,
     Tão em nós, o egoísmo!...

Tão ocos de alma,
Tão vazios da verdade,
Tão insaciáveis de vaidade,
 Que nem Deus os acalma,
      Em sua infinita bondade!...
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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Estranha Gente, esta...


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Estranha, estranha, esta gente,
Estranha, ainda que nem tente,
Ser o que por estranheza não é,
Ser palavra de Deus com pouca fé,
Nem tentar sentir o que não sente,
Sentir-se ser mar sem uma única maré,
Enfrentar de costas o que vem pela frente,
Como velho veleiro sem leme e sem velas, até,
Nem tentar ser o vento, do seu propósito ciente,
    E ali deixar-se afundar em águas supostas de ter pé!...

Estranho o quadro salpicado de pintas,
Cada pinta contagiada por salpicos sem cor,
Estranha, a forma informe e o apaixonado desamor,
Dos refúgios em tristes quintais pintados às quintas,
E das quintas como qualquer dia ou seja o que for
   Dias de pintores que estão-se para as tintas!...

Estranho, esse estranho romantismo,
A contemplação da lua no céu iluminado,
Estranha, cada estrela que revive do abismo,
E das lendárias luas iluminadas pelo erotismo,
Do desencanto de mais um príncipe encantado,
Que cavalgava nas frigideiras de fundo anoitado,
E nalgumas histórias de romântico simbolismo,
   Onde só na noite brilhava um ovo estrelado!...

Como estranhar as barbas sem pelos,
Se tão estranhos são os dourados desvelos,
Dos descabelados ourives de cabeludo couro,
Ao descobrir que nem tudo que brilha é ouro,
E procura um barbeiro que já pelos cabelos,
  Cortara o mal pela raiz do mau agouro?!...
Por sorte,
Cortaram-se à morte,
E lá se enforcaram com as que à vida se fizeram,
Outros ourives falam que outros barbeiros houveram,
Que subiram na estranheza da vida à custa do pulso forte,
Pulsos como os de ourives que todo o ouro tiveram,
Quase dourados e de tão verdadeiro recorte,
Já fartos com o que nunca souberam,
Abandonaram o estranho porte,
    E, estranhamente, se detiveram!...

 E é Deus tão estranho nos pregões dos fiéis,
 Tão estranho é o pregão na vaidade do narciso,
Coroado por si mesmo com a bênção de cordéis,
Têm Deus sempre presente no discurso muito liso,
Mas quando o verdadeiro calor humano é preciso,
Quando muita doença e a fome são destinos cruéis,
Escondem-se nos estranhos bolbos, os ricos anéis,
Oferece-se Deus dos ocos com estranho sorriso,
   E a sorrir, com Deus na boca, se sentem Reis!...

Estranha, esta gente,
Com o pão sempre escondido,
Comungando como quem mente,
Egoismo vaidoso de si, e só de si, ciente,
Aceita o divino título a si, só por si concedido,
Encontrando-se em cada pensamento perdido,
    Para acabar por ser esquecido, estranhamente!...
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segunda-feira, 9 de maio de 2011

O Peregrino

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Uma infeliz criatura,
Já de nascença sem pernas para andar,
Prometeu até aos pés da Sagrada Santa rastejar,
Abrir-se aos ensinamentos da Sagrada Escritura,
Se aliviasse essa alma de tão injusta agrura,
Concedendo-lhe o milagre de caminhar!...

Num abençoado Maio santo de trovoada,
Entre raios fantásticos e misteriosos trovões,
Atirou-se aquela alma lá do alto de suas convicções,
Estatelando o rosto numa porção de trampa dejectada;
Entre lábios ensanguentados, limpou a língua toda borrada,
Enquanto com os dedos esfolados e com arranhões,
Pediu licença a Deus, antecipando mil pedidos de perdões,
Por soltar uns desabafos que deixou aquela alma aliviada:
-Foda-se!... Queixou-se ao acaso entre outros palavrões,
-Se não me nascerem umas pernas ao beijar os pés da Adorada,
Juro continuar sem andar e voltar a não acreditar em mais nada!...

Lá começou a rastejar no início do escolhido calvário,
E tal era a fé perneta daquela alma penitente,
Que em poucas horas já provara pedras de sabor diferente,
Saboreando pratos de terra no chão e contas de um rosário,
Alimentando-lhe as forças com que alargava seu vocabulário,
Pelo que praguejava por cada metro de provação indecente,
Na certeza do sacrifício ser mesmo necessário,
Para que o regresso não fosse plangente,
E a todos mostrar-se como crente voluntário!...

Subserviente à sua vontade carregada de fé peregrina,
Bem ataviados e formosos leigos de afortunada sina,
Passavam por ele espertos peregrinos de pé ligeiro,
Classificando aquela alma de meio peregrino verdadeiro,
Metade da fé de uma outra doutrina,
Avidez egoísta de quem quer chegar primeiro,
Sem a necessidade de ser o oportuno herdeiro,
Das migalhas guardadas por pecados de rapina,
Rastos de fome em restos de orgulho de cordeiro,
Sisados na metade da alma de meia morfina,
Que uma parte do corpo vendeu ao banqueiro,
Deixando a outra parte ao abandono na esquina,
Misturada na fé da carne que outra fé não ensina,
Outros meados credos de um credo inteiro,
Vedado a meias almas de meio corpo rasteiro!...

Das horas já inchadas de anos,
De cada centímetro um quilómetro ensanguentado,
Já sentia o perneta seu coração profano,
Ser dilacerado por chibatadas de delírio humano,
Entre lautos almoços do mais fino pó só aos eleitos reservado,
Em fartas ceias de excremento vário de terra misturado,
Ainda serviu de meio tapete à passagem de outro meio engano,
E, ainda que espezinhado,
Só não foi rasteirado,
Porque, já se sabe, faltavam as pernas ao pobre Lusitano;
Reconhecendo um hábito de poder soberano,
Já que qualquer romeiro sobre ele passava,
Arrastou-se com a pouca força que lhe restava,
Convidando o voto de castidade a servir-se de seu corpo insano,
Ensaiando olhares de suposta sedução estranha no caminho atravessada,
Como uma espinha de peixe podre na garganta espetada,
Provocando náuseas ao clérigo da tenra carne em sagrado segredo ufano!...


Desprezado e tão longe dos pés da Santa que prometeu beijar,
Com as unhas esgaçadas e já incapaz de dar mais um “passo”,
Nunca o faria, por aquele “andar”,
Porque se não levasse ao Destino o beijo que prometera dar,
Desejo que de Esperança se tornava escasso,
Seu sacrifício inumano seria considerado fracasso;
Ainda rodou o tronco sobre si mesmo, tentando sobre as costas avançar,
Mas com as mãos desfeitas e a falta de pernas como castigo crasso,
Tudo que conseguiu foi praguejar,
Ficando ali imóvel de papo para o ar,
Tal como seu parado olhar baço,
Procurando o azul do céu atrás de pesadas nuvens de negro despertar!...


Quando se preparava para ensaiar um ódio de vingança,
Enquanto ainda procurava o céu azul e um novo dia,
Um azul estranho espreitou sua desconfiança;
Parecendo fitá-lo lá do alto de algo que ele não entendia,
Um maltrapilho de barba empoeirada sua mão lhe oferecia,
Reparou no pobre peregrino uma desencorajadora semelhança,
Com a fome de quem sempre esteve bem longe da bonança,
E praguejou mais uns agradecimentos de escárnio a um deus seu guia:
-Obrigadinho por me enviares a ajuda mais pobre da hierarquia!...
E, enquanto a ironia desprezível era seu fiel da balança,
Vendo passar perto dele um gordo símbolo de abastança,
Arrastou-se célere, para longe do maltrapilho que desconhecia,
Temendo ser confundido com aquele tolo que a mão lhe estendia!...


-Ó vadio, segue o teu caminho e fica bem longe de mim!
Disse o aleijado ao estranho peregrino que sorria humildemente,
-Desaparece, instigou com desdém o sem-pernas, descrente,
-Não quero ser visto junto de um tão miserável assim,
E, continuando a desdenhar, disse que para a sua reputação seria ruim:
-Nem Deus quer saber de pobres como tu, ó demente!...
Se não és rico, mais vale à tua vida pores fim!
Mas o magro peregrino continuou sorrindo alheio àquele chinfrim,
E até prometeu carregar o alijado até ao templo do milagroso jardim!...


Olhando de soslaio, ainda no chão prostrado,
A primeira coisa que viu foi um par de sandálias disjunto,
Nos estranhos pés limpos daquele misterioso esfarrapado;
Rebolou, então, o olhar para um e outro lado,
Não fosse alguém vê-lo “daquilo” junto,
Lá acedeu o arrogante aleijado,
Deixando claro que não haveria mais assunto,
E não queria conversas ao ser carregado,
Porque do nada e ninguém era o tolo sorridente transunto,
Já encavalitado nas costas do bom Homem, ordenou irado:
-Toca a cavalgar bem depressa ó piolhoso bestunto!
E este, com sorriso amável, seguiu apoiado num esguio cajado!...


Entre esgares de desprezo e palavras injuriosas,
Bem seguro em cima do Homem que continuava a sorrir,
Aproximavam-se aquelas almas do sagrado solo de gente religiosa,
E se a caminhada, para uns, fora penosa,
Foi para aquela alma sem pernas uma esperança que começou a luzir,
Graças à bondade de outra Alma que a Esperança lhe deu sem ele a pedir!...
Um pouco antes de entrar em solo de milagres dos crentes,
O perneta puxou violentamente o cabelo do desconhecido prestável,
Fazendo de quem o ajudou uma travada besta miserável,
Desferiu o perneta ordens insolentes,
De intenções que ele mais achava convenientes,
E ignorando a ajuda sobre-humana de Alma tão admirável,
Imediatamente ordenou ao bondoso venerável:
-Põe-me no chão, ó besta de carga de todas as gentes,
Se os ricos senhores e pessoas tão influentes,
Me vêm acompanhado de uma figura como tu tão insuportável,
Será pouco provável,
Que a Santa adorada me dê um par de pernas valentes!


O Homem que o carregara desde os princípios da Fé,
Delicadamente o aconchegou no chão sagrado, na entrada do templo;
Sorrindo meigamente, olhou o Céu para logo desferir um santo pontapé,
Na primeira banca que vendia pecados da santa Sé,
Disfarçados de milagroso exemplo!...


Correndo à cajadada todo o mercado por tantos milagres feitos,
Com o cajado que nunca encontrou na bondade obstáculo,
Expulsou mercadores de ímpios proveitos,
Por ditos apóstolos de pressupostos purgados preceitos,
Elegendo em seu representante, mais um tentáculo,
De rico homem do cajado que transporta o sagrado Báculo!...


Anos passados, ainda rastejando entre a poeira da alma vencida,
Recorda o pobre aleijadinho sem suas pernas para andar,
Um passarinho morto que o Homem que o carregou fez voar,
Lembrou-se ainda de uma promessa não cumprida,
De sua Fé que sempre estivera perdida,
E da língua afiada que o privara de falar,
Mas, o que mais dói em sua Alma ferida,
É o sorriso meigo daquele olhar,
Que um dia lhe ofereceu nova Vida,
E que, por ingratidão, o aleijadinho não soube aceitar!...
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