quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A Vontade que Falta


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Está um normal tempo de danar,
Tempo de ver corações já frios gelar,
O frio já faz tremer a vontade da malta,
Ainda não é chegado o tempo de nevar,
O tempo é paciente e não se quer vingar,
     Mas vontade não lhe falta!...

Subiu na vida sem ter nada a perder,
Subiu ainda mais do que seria de prever,
Subiu até ao pico de sua vaidade mais alta,
Deixou de olhar por onde poderia descer,
Sabe que destronar Deus não pode ser,
         Mas vontade não lhe falta!...

É o melhor amigo do seu amigo,
Partilharia sua cama e daria abrigo,
Um amigalhaço, um inofensivo peralta,
Trás a sua silenciosa mulher sempre consigo,
Não cobiça mulheres alheias atrás do seu umbigo,
      Mas vontade não lhe falta!...

Chega a ser o melhor amigo do tempo invencível,
Escada da sorte que, por tanta sorte, o sobressalta,
Ser completude para além de si é impossível,
Não é homem à prepotência suscetível,
    Mas vontade não lhe falta!...

O coração frio continua de arrepiar,
Sobre nuvens, treme de frio a vaidade,
O quente olhar do sol continua a brilhar,
Olhos sabem que tanta luz pode cegar,
Podiam abrir-se à verdadeira saudade,
E acordar de alguma falsa humildade,
Bastava olhar abaixo para se salvar,
  Mas falta-lhe a vontade!...

    
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1 comentário:

  1. Respeitando o princípio ético das fraquezas humanas, “A Vontade que Falta” não chega a ser uma crítica, mas uma observação, através da reflexão que tematiza o paradoxo entre o ‘certo e o errado’ e a ausência de consciência.

    A dinâmica pode ser compreendida, numa visão ampla, como uma época contraditória, onde a Poesia, por sua vez, pode ser definida por dois conceitos paradoxos: céu e inferno. A estação do ano, responsabilizada pela ‘indiferença e egoísmo’, não define a geografia, mas permite a apontar a causa, embora nem todas as linhas e direções sejam exatas, sugerindo uma posição incoerente e imprecisa. Entretanto, apesar dos extremos nem se aliciarem nem se desviarem, eles congregam-se, e a tal ponto que formam um conjunto poético de imensurável valor à compreensão dessa Poesia.

    Caminhar sobre as nuvens de calças e sapatos, evidenciando, não o sonho, mas a realidade, culmina num percurso que é de luz e sombra, ou terra firme e céu; um lugar onde as fugas, ou os devaneios, não se reconciliam com as convicções. Inerentes ao comportamento humano, os conflitos expressos [“Mas vontade não lhe falta!...” / “Mas falta-lhe a vontade!...”] não fazem parte do mistério da vida. Ao contrário! São aceitos conscientemente em sua condição. Um mal necessário? Ou uma queda predestinada?!

    E, neste caso, pela ausência de uma resposta, só resta então concluir que não só de falta vive a vontade, mas a própria escassez do caráter em admiti-la. Cumpre, daí, a Poesia de António Pina, outra vez, a Arte... de dizer, (e muito!) por meio do silêncio, ou da geografia, em oposição ao ruído estabelecido, o mundo de desumanização em que vivemos. Indiferente à estação do ano.


    Bom fim de semana, A.

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