sábado, 20 de abril de 2013

Cravos Ressequidos

.
.
.



Quando amamos os cravos que nos libertaram,
E passamos mais de trinta anos sem os regar,
Não podemos negar,
Nossa culpa pelos cravos que secaram,
E se culpamos aqueles que nos roubaram,
De sermos água a evaporar,
 Somos os culpados que não queremos culpar,
E a culpa já viúva,
Ainda antes de ser casada,
Assenta-nos como uma luva,
Essa que segurou o guarda-chuva,
Um guarda atento que regar não deixava,
O símbolo daquele cravo que secava,
E continuou secando,
Enquanto fomos regando,
O jardim de quem se governava,
Com o que nos ia roubando,
Legitimado pelos votos,
Dos devotos,
    Que nos traidores foram votando!...

Agora choramos os ideais dos cravos traídos,
Sobre o suave deboche-rosa dos trampolineiros,
  Os laranjais continuam regados com votos de cordeiros,
Nas searas queimadas arderam foices e martelos vencidos,
Ao mesmo tempo que um grupo menor de parasitas indefinidos,
Continuam no centro das ilusões prometendo água aos pobres carneiros,
    Esses animaizitos que nem se importam de comer os cravos já ressequidos!...
.
.
.





1 comentário:

  1. Um plano sólido, e o lugar é privilegiado para a organização e recriação do passado na produção simultânea de seus efeitos no presente, refletindo, ou a se fazer imprescindível numa reflexão na construção de um futuro que precisa ser instaurado. Além de esclarecedor da história, porque crítico, também é acusador, porque não faz frente à hipocrisia na omissão da culpa e dos culpados. E ninguém escapa da sátira. Nem o próprio poema.

    A estreita relação entre o tema e o contexto político atual, responsabiliza a política vigente e os partidos políticos, bem como quem os elegeu, pelo progresso da decadência dos “Cravos Ressequidos”, destacando o papel interventivo da poesia por seu comprometimento com a realidade ainda que de forma metafórica. E nada é escrito ao acaso. Sem negligenciar qualquer aspecto social, os verbos ‘regar, evaporar e secar’ em confluência com ‘roubar e votar’ permite visualizar um elo em que a liberdade do plantio se fundamenta na irresponsabilidade, e não ao seu oposto.

    A este elo subscreve-se a forma de um jardim cuja colheita, tardia, é deplorável: “Sobre o suave deboche-rosa dos trampolineiros,”, e, irônico, o verso é neste contexto quase submetido a uma tortura, porque o terreno só é fértil pela imaginação poética! E nesta alusão está incluída uma severa crítica ao poder de escolha e decisão, no progresso que não existiu e na miséria que não foi combatida. Antes pelo contrário!

    Exceto pela poesia, sempre atual e em tempo de florir, senão cravos, pelo menos a consciência, e qualquer que seja.


    Bom domingo d’Alma.

    ResponderEliminar