segunda-feira, 11 de julho de 2011

Abutres de Cristal

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Fui pérola azul de cristal protegida,
Em regaço de cristal concha de amor,
Fui mimada em placenta cristal de vida,
Filha cristal de um esquecido parto sem dor,
Tesouro terno de tão desmedido cristal valor,
Aval branco de cristal esperança desmedida,
Palavra de cristal em páginas brancas lida,
Pétalas de cristal soletradas numa flor!...

Sou agora filha de dor sem parto,
Amante vertigem de acolhedor abismo,
Espiral hipnótica precipitada no vazio farto,
Para fora de mim da despedida que parto,
Partindo de ti numa cicatriz de meu egoísmo,
Fecundo teu mundo com meu doentio cinismo,
Sendo parte que não sou da quebra que parto!...

Quisera ser eu também cristal adorada,
Esquecendo que do útero era eu útero também,
Experimentei o ciúme pela vida idolatrada,
Que dentro de mim por ti fora mimada,
E do amor de cristal à utilidade de mãe,
Foi um curto passo em oferta de desdém,
Oferecida a mim e por mim desdenhada,
Passando a ser mulher que por aí passa,
Como quem passa não passando por ninguém,
Calvário que o meu olhar de cristal não disfarça,
Brilhando faíscas de cristal na vontade quebrada,
Puzzle de estilhaços em prévio futuro de desgraça!...

Voou rasteiro meu cristal sem suas plumas aladas,
Aprisionando minhas asas que não me deixam voar,
Sou tomada por tão iguais penas de aves negras violadas,
Agoiros que agoiram o coração de almas fracas magoadas,
Mantendo a ferida aberta pelo prazer certo de magoar,
Paixão masoquista de negro e sádico amar!...

Esta fopa que das cinzas voou,
É ínsula ausente que de mim se apartou,
Extinguido fogo deste frio que já não sinto,
Tristeza sem fim de minha memória que se eivou,
Cristal verde em despeito meu de insulso absinto,
Verdade ancestral que em silêncio desminto,
Afirmando a negação do vazio que ficou,
Ébria mentira do que não minto!...

Insular de mim, poleiro de teu corvo,
Circunvalação agoirenta de milhafres acolhedores,
Amigas insulares onde ser Mulher feliz é estorvo,
Reconquista proibida de negros abutres solitários,
Vendendo sofismas entre fumos de falsos favores,
Oferecem a comiseração dos divórcios solidários,
Pintando arco-íris com os fumos de negras cores!...

Mas à Vida que tudo oferece,
É oferecida a ingratidão por quem a Vida não merece!...

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2 comentários:

  1. O ideal poético, na ficção, a realidade. Na história que é de durante e depois, “Abutres de Cristal” chama a atenção na temática que enfoca o casamento e o divórcio de modo a refletir sobre suas complexidades e consequências que, nós mulheres, enfrentamos na vida real.

    Durante [“Fui pérola azul de cristal protegida,”]. O discurso é mediado por uma racionalidade sensitiva, não falta diVersidade e inovação. O casamento proporciona à mulher a estabilidade, seja ela, afetiva, financeira e/ou emocional. Tão bem representado pelo cristal, duro e frio o bastante para proteger. Ao mesmo tempo, e são os símbolos que complementam a ideia, o cuidado e o carinho [“pérola, placenta, Tesouro”]. Mas é na suavidade do relacionamento/tratamento que consiste o tão desejado equilíbrio [“Pétalas de cristal soletradas numa flor!...”].

    Depois [“Sou agora filha de dor sem parto,”]. O útero, antes fonte de vida, abrigo e proteção, transforma-se, e, como tal em sua anatomia, numa cavidade oca, pela perda do amor conquistado, em tormento. O cristal, por sua vez, agora é material de extrema frieza [“E do amor de cristal à utilidade de mãe,”] e nada se compara ao sofrimento da indiferença [“Como quem passa não passando por ninguém,”]. Ódio, desprezo e ciúme são experimentados. Discriminação e preconceito também.

    A sinceridade verbal é essencial à poesia. A diferença entre os gêneros comanda o mundo social. Mulheres divorciadas serão sempre mulheres divorciadas. E predadores serão sempre predadores. Mas a mesma ironia que é destinada às mulheres, é também passível de crítica aos predadores. O título não nega. Nem a vida [“Mas à Vida que tudo oferece, / É oferecida a ingratidão por quem a Vida não merece!..”].

    Muito menos a razão.


    ¬

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  2. Ser feliz é sempre uma escolha nossa, mas também uma força interior, não pode depender dos outros.

    Gostei do que li, "Amigas insulares onde ser Mulher feliz é estorvo", pouco importa que o seja e não deixa de ser bom sinal ser um estorvo desses.

    Obrigada pelas visitas.
    Beijinhos
    Branca

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