quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Azul


.
.
.
Para lá de todo o céu azul do olhar,
Na imensidão azul onde se coloria a loucura,
Perdiam-se sonhos imensos em azul d’Amar,
Azul em despedida reflectido nos azuis do ar,
Vistos partir no coração azul de uma aventura,
Veleiro azulado que um desejo azul procura,
     Azul que antes do adeus vê seu azul voltar!...

Vai-se desvanecendo o azul no fim do dia,
Olhos guardam imensos azuis enternecidos,
Uma lágrima azul voa sobre azuis da maresia,
Beija o distante horizonte azul com nostalgia,
E sente suaves azuis de sentires indefinidos,
Tornarem-se a brisa de sua azul companhia,
   Até amanhecerem seus azuis agradecidos!...

No alto das falésias azuis e no azul dos cais,
Olhos de todas as cores esperam o azul eleito,
Com a azul Esperança de quem espera demais,
Azul que não basta ao azul que se cansa jamais,
Contemplação que tonaliza de azuis o conceito,
Dos seus azuis afectos matizados de azuis sinais,
    Que do outro lado contemplam o azul perfeito!...

Há azuis assim,
Azuis que palpitam no peito,
    Numa azul admiração sem fim!...
.
.
.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Vinho Botado

.
.
.


Este vinho está botado!...
Vinho de baga bebido,
Memórias com meio sentido,
Enganos de um mundo pintado,
Quadro falso de um pintor falhado,
Que nunca pintou um Amigo!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho Amor!...

E tu, não sendo quem deverias ser,
Sendo ninguém e pouco mais de nada,
Tal amizade é tua concepção deturpada,
Da verdade que os teus ohos deviam ver,
Mas a tua visão doentiamente errada,
Enterrará teu sóbrio viver!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor!...

No copo mais vinho botado,
Vinho agre de esforçado fingimento,
Fingindo ser um bom vinho confiado,
Á confiança da memória no tempo,
Que desconfiando do pensamento,
Bebe amizade em vinho desquebrado,
Como quem bebe copo de nada botado,
Amigo perdido num definhar sedento!...

Este não sou esse pintor,
Sou quem dispensa tamanho amor,
Neste derradeiro vinho que está botado,
Cheiinho do transbordante nada que resta,
Tinto de tanta tinta sem cor,
Pintando tingida nódoa de dor,
Na ilusão de uma tela que não presta,
Pintado lamento de um pobre pintor,
Quadro pobre de origem modesta!...

Desbotado vinho botado,
Em pacto de sangue desfeito,
Baga pelas falsas castas adoptado,
     É vinagre botado ardendo no peito!...

Talvez seja eu esse botado Pintor,
     Quem dispensa tamanho amor!...
.
.
.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sabor

.
.
.

O acre do doce poema com hortelã e pimenta,
Não chega à porcelana do fino poeta breviário,
Quão breve é o sal nas vagas do seu dicionário,
E o vinagre que dos fortes vinhos dão à ementa,
Preferindo temperar os versos com água-benta,
E a poesia fidalga com um insípido vocabulário,
   Dietético pé-de-salsa de tão débil alma sedenta...
Como é generosa a poética da branca fidalguia,
Uma aguada canja de galinha escrita no aviário,
Dada à prova desgostosa da língua que lamenta ,
O sabor de todos os bons sabores da sabedoria,
Saber que não se perde no sabor da especiaria,
Condimento atrevido de um doce verso solitário,
E mais versos salgados com igual doce ousadia,
    Acepipes inelutáveis de um poético glossário!...
.
.
.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

O Presidente

.
.
.


Já ninguém leva a mal,
Quando o pobre mendigo,
Carregando a pobreza consigo,
Jura ter sido figura presidencial,
Aquando presidente de Portugal,
  E até podia ter enriquecido!...

Mas não!...
Seu enorme coração,
De tão generoso altruísmo,
Fez-se do maior simbolismo,
Entregou-se à solidária doação,
Filantropia católica por vocação,
Combatente do capitalismo!...

-Eu já fui presidente!...
Declara o pobre sem abrigo,
Sempre longe do seu umbigo,
Cicatriz nobre do pobre diferente
Dono da verdade quando mente,
   Cereal rico com joio confundido!...

-Foi presidente, sim senhor!...
Confirma com tristeza a Maria,
A outra face de seu rico amor,
Discípula do seu rico professor,
Sua mendiga e fiel companhia,
Voluntário sacrifício à carestia,
    Pobre pedinte de igual valor!...

Pesem embora os cínicos deslizes,
Não querem parecer coitadinhos,
    São pobrezinhos mas são felizes!...
.
.
.


.
.
.
Estes santos mendigos são por vezes,
A esmola dada à sorte merecida de um Povo,
Sebastianismo milagroso de pobres Portugueses,
   A quem a Democracia pouco trouxe de novo!...

.
.
.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Cenotáfio

.
.
.
.

Sabes, meu estranho e amigo Poema desvairado,
Não foi nesta Alma que morreste nem foste enterrado,
Apenas escolheste quedar-te e aqui erguer o teu cenotáfio,
Neste jardim onde não há qualquer poeta desterrado,
  Só para poderes sentir o teu próprio epitáfio!...

Não és poema teu,
És teu fúnebre elogio,
No sobejo verso de ti vazio,
    Cheio de quem em ti morreu!...

Há sempre um preço a pagar,
Pelos pecados sepultados na alma,
    E é por eles que bem podes chorar!...

.
.
.
.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Cansaço



.
.
.

 Por cada triste fatalidade,
Mais e mais o desiludia a Esperança,
Sente que o tempo é tempo que cansa,
É desanimador ser manipulado pela idade,
Sem alento achava que o tempo era uma falsidade,
Foi sempre no dia seguinte que procurou a confiança,
   Cada momento sempre tivera uma certa semelhança...
Ontem ficaram por lá os olhos cheios de ansiedade,
 Hoje perdido no firmamento que não alcança,
Sente que o tempo cada vez mais o cansa,
Já não tinha certeza se humilde era a realidade,
Ou se toda a certeza no dia seguinte era uma lembrança,
Como navalhada na memória que não cicatrizava com a humildade,
   Essa espera da porta aberta que cansa!...

.
.
.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Pena Suspensa

.
.
.


...Há qualquer coisa nos voos intermináveis,
Um não-sei-o-quê nas penas suspensas,
Movimentos um tanto indecifráveis,
A voar com asas de penas extensas,
Sem pena das quedas propensas,
Aos picados voos pouco prováveis,
De libertar aves de asas imagináveis,
    Dando corpo liberto às Almas imensas!...

A meio do céu que eu não vejo,
Uma pena faz de conta que voa,
    Na leveza de um morno bafejo!...

 .
.
.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Pedreiros



Dos judaicos montes negros sem nome,
Os pedreiros esculpiram impérios de poder,
Em seus rituais riem das duras pedras dadas a roer,
E dos escravizados rostos humanos empedernidos de fome,
Castigados pelo maço que decidiu condenar quem não consome,
Britando sem dó os sorrisos inocentes de crianças felizes por viver,
Sem saber das noites após as noites que restam de vida insone,
Aos Pais que são agora prematuros condenados a morrer!...

Do monte mais negro onde negros corações são esculpidos,
Cresceram estátuas cinzeladas pelos finos secretismos mais brutos,
Eleita foi a serpente de pedra  nos silêncio dos bodes protegidos,
Multiplicou-se o poder à custa dos alheios bens consumidos,
Petrificaram frondosas árvores e os comunitários frutos,
E ergueram cumes de privados pomares absolutos,
Sobre a escravidão onde ainda foram erguidos,
    Pedestais para os pedreiros mais astutos!...

 A pureza da luva branca é igual,
   Á corrupção que seduz os podres atributos,
       Que se escondem debaixo da política do avental!...
 .
.
.

.
.
.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Embriaguês Ectópica


.

.

Ninguém soube explicar aquele emprenhanço,
E menos ainda o esgazeado sorriso simbólico,
A escorrer do cunilingus que apontava o tanso,
E o tanso refugiando-se desse caso tão insólito,
Via o caso afirmar ser um caso de teor alcoólico;
Um copo suspeito era esvaziado sem descanso,
Por uma garrafa que se oferecia ao espetanço,
    Abrindo o gargalo atrás do balcão melancólico!...

Um copo, uma garrafa e um garrafão,
Trocavam felátios à golada muito devagarinho,
Alguém se veio sobre uma conversa de violação,
Um fulano tal classificava o agressor de carrascão,
Enquanto  uma garrafa era esvaziada com carinho,
Já Sicrano de bandulho cheio se retirava de fininho,
Quando Beltrano disse com uma voz de borrachão:
-Cá pra mim quem a fodeu foi o vinho!...

Cus de garrafa ajudaram a ver,
A utopia de tão mau fígado abstinente,
E ajudavam a esconder o estado condizente,
Com a veia porta que à porta se deixou adormecer,
Fechada estava a porta ao que da tripa deveria converter,
Por causa de uma zanga com a hepática pouco competente,
Deixando a veia cava entregue ao descanso quase permanente,
     Enquanto garrafas e garrafões fodiam quem os andava a beber!...

Deu-se assim um popular caso de visível inchaço abdominal,
Classificada por todos os santos da santa tasca pouco católica,
De figadal emprenhanço concebido pela garrafa diabólica,
Que fora seduzindo aquele sedutor fígado virginal,
Acabando por dar à linguagem corporal,
 A voz de uma gravidez alcoólica!...

Na primeira ultrassonografia,
Logo pôde ver-se um pequeno princípio,
A mover-se entre o fígado degradante e a ironia,
Qualidade dúbia do estado degradado da ectopia,
   Na gestação passada de um alcoólico particípio!...
 .
.
.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Abandonadas




Sentir tua sombra instintiva,
Que minha luz apagada empalidece,
Impele-me à masturbação que acontece,
Numa cruel raiva infectada de leitura passiva,
Só tolerada por minha rejeitada maluqueira viva,
Que do teu indiferente Amor meu desejo padece!...

Sobrevoo velhos declives das antigas histórias benditas,
Busco esquecidas palavras abandonadas que me enganam,
Na forca estranha de entrelaçadas odisseias mal escritas,
Em cordas distorcidas de nossas mentiras restritas,
Cópias das cordas que as verdades esganam,
Escrevendo rabiscos dos quais se ufanam,
As cópias sábias de ignoradas eruditas!...

Meu prazer insatisfeito é incomensurável,
Sempre contínuo e para todo o sempre incompleto,
Meu desespero partilhado é um forte desejo circunspecto,
Perdido entre a memória em carne viva do teu sexo mutável,
E a morte do Amor por mim que em mim é dor insuportável,
Sepultada no orgasmo incompleto de um divórcio discreto!...

Moldo naus apodrecidas com páginas amantes,
Para navegar oceanos de palavras que me afogam,
E me salvam de orgulhosas vergonhas degradantes,
Em cada capítulo inacabado de solidões frustrantes,
Que sobre inconfessáveis troca de solidão dialogam,
Ensaiando prévios monólogos que as palavras rogam,
Aos pés de vivas mágoas de abandonos estonteantes!...

Sou agora uma cópia de palavras prostituídas,
Insinuantes nas esquinas de livros que ninguém lê,
Sou a palavras infectada de minhas estimadas feridas,
Alveolar morfina contrafeita de Afegãs papoilas destruídas,
Só não sei se sou o que não confesso ser da mulher que não se vê,
Por incrustada palavra que na cavidade de minha solidão fica à mercê,
Fechando-me no medo do abandono de abandonadas palavras amigas!...

Voam alvéolas amarelas dos parágrafos descontinuados,
Esvoaçam intermitentes no rasto intermitente dos insectos,
Letras de caça abatidas nas palavras ímpares dos pares directos,
Que se refugiam na pele das palavras com diferentes significados,
Parecendo iguais na descrição das lágrimas de olhares encurralados,
Nos pastos da cabra que há em mim entre ovelhas de negros afectos!...

Continuo masturbando-me entre minha dedicada leitura,
Enquanto procuro o único orgasmo que nunca soube atingir,
Restando-me o prazer inacabado no incógnito final da procura!...
.
.
.