domingo, 23 de novembro de 2014

Sentido Contrário, a Mudança


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Sobre a pesada paciência mais alta da superfície plantar
Em superficial observação dos homens que o sacudam,
Curvam-se sob o peso dos pés os homens que mudam,
Mudam homens que mudam ao verem homens mudar,
É eterna a célere mudança dos sonhos até ao calcanhar,
    Não há homens até ao fim que findos homens acudam!...

E quando o homem do avesso chega aos tornozelos,
Acabam-se as vertigens deixadas nos calcanhares,
Os pés nus são belos e como é tão bom tê-los,
Como é sublime vê-los,
Pressentir os despertares,
O desejo trigueiro de querê-los,
 E as mudanças enrubescidas dos ares,
  No ar do tímido saber a açúcar dos mares,
     E, destemidos, contra tudo e todos, sabê-los,
      Passar-lhes o pente pelo desdém dos seus cabelos,
           E adivinhá-los perfeitos aos olhos dos seus olhares!...

Em casa, põem-se mesas de patas para o ar,
Nas costas dos pratos, troca-se a ordem dos talheres,
Em casas mudadas, esperam homens mudados por amar,
A Natureza traída chora as lágrimas que Deus deixa chorar,
    Mudaram-se os beijos roubados aos lábios das mulheres!...

Em sentido contrário ao sentido da gratidão,
Os barbudos marcham de costas contra a ordem natural,
Das longas barbas, caem beijos barbudos que beijam o chão,
Mudam as mulheres que mudam ao verem a mudança casual,
   Mulheres beijam-se por beijar e nada mais lhes resta da razão!...
                         
    
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1 comentário:

  1. Apesar da reivindicação pelo respeito à diversidade sexual e aos direitos homossexuais, e, embora a narrativa estabeleça uma ‘relação contrária à ordem natural’, o Poema “Sentido Contrário, a Mudança” segue configurando-se como um Poema d’Alma. Ou seja, por mais estranhamento que cause, não há qualquer vestígio de preconceito ao tema, embora a sociedade, como um todo, permaneça conservadora e hostil à homossexualidade em suas diversas manifestações, e seja na vida ou na arte. Para isto, António Pina promove uma reflexão sobre as opções sexuais, independente do gênero, e sobre o próprio fazer artístico, utilizando-se de um vocabulário rico em metáforas sem desmerecer o elogio à linguagem poética de efeito, conduzindo-nos a um caminho que aposta na inclusão, e não na segregação, sem extinguir as diferenças, que existem. Fato.

    Sensibilidade criativa e beleza. E se há tabu, é no desprezo da Arte em detrimento do sentimento pessoal, ou do julgamento preconceituoso.

    Boa semana.

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