domingo, 23 de novembro de 2014

As Abelhas


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Abelhas rastejam até onde podem,
A fome alastra até onde a obrigam a ir,
Tristes e tristeza perderam-se no pó do sorrir,
Não pensam como é que os mortos se sacodem,
Nem se haverá alguma salvação que os possa sacudir,
Caídas, as leves asas sem pólen não os podem acudir,
Há novas semente nos cemitérios em desordem,
E antes do voo da morte que esteja para vir,
     Amam-se venenos que a vida acodem!...

O voo livre das abelhas foi censurado,
O sorriso das abelhas foi alvo de censura,
Vendem-se sorrisos aos crimes de Estado,
Os estados pagam com asas de ditadura,
Talvez algumas abelhas tenham voado,
E com elas, suas livres asas levado,
Talvez voltem com doce bravura,
O voo do mal nem sempre dura,
Talvez o mel esteja guardado,
     No cheiro da flor mais segura!...

*

Uma abelha trabalha entretida,
Prova néctares de flor em flor,
Apresenta o Sol a uma formiga,
Dá-lhe calor onde ela se abriga,
E a luz meiga do seu esplendor,
É a Natureza perfeita do Amor,
    Nas asas de uma abelha amiga!...
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1 comentário:

  1. A quem cabe o desafio de comentar um Poema onde a humanidade, em risco, tem a palavra poética como defensora de seus direitos? O próprio Poeta ou aquele que, não tendo a habilidade necessária para desenvolver a capacidade reveladora das palavras em tom de poesia, aproxima-se do objeto de estudo para se atrever a desvendá-lo? Ou caberia também ao Poeta a chave, enquanto instrumento de analítico de seu próprio fazer poético, sem, assim, interferir de forma positiva ou negativa ao seu desempenho, sem a pretensão da definição, ou clareza, ou a falsa modéstia que sirva de disfarce?

    Não sei. Mas a verdade é que às vezes me sinto como uma perfeita ‘estranha no ninho’. Embora acolhida, estranha, e embora estranha, com intimidade suficiente para comentar. E comento, ou não, mas sempre baseada nos meus espaços vazios e que, preenchidos de poesia, me cobram uma posição, ou a palavra enquanto meio de transporte, no tal do movimento, e tão perfeito seria acrescentar: ‘locomoção’.

    E assim dou início, depois de algum tempo, às minhas impressões, depois de descobrir que, por ser brasileira, algo que depõe contra mim, tanto culturalmente quanto pela defasagem do tempo, por não ter um horário normal para desempenhar minhas funções profissionais, e, em função disso, não viver à disposição da conexão, e principalmente, após pesquisar que uma das etiquetas se refere a “Monsanto Chemical Company”, maior produtora de herbicidas do mundo, e está entre as cem empresas mais lucrativas dos EUA, e que as abelhas, título deste poema, “simbolizam a imortalidade, a ordem, a diligência, a lealdade, a cooperação, a nobreza, a alma, o amor e a dor, e algumas características marcantes desses insetos os quais buscam o pólen das flores para produzir seu alimento, são: a organização, o labor e a disciplina”.

    O Poema “As Abelhas” enfrenta duas linhas de ação: indireta e direta. Indireta para a humanidade devastada pelo mal causado pelo uso indiscriminado dos herbicidas, responsável por, pelo menos, dois tipos de câncer em mulheres que consomem leite de vaca, e, direta para a leveza da poesia que agrega, como característica própria desse inseto ‘a organização, o labor e a disciplina’.

    E é nisso que o desafio consiste, em arrumar palavras para dignificar a Poesia que encontra nos versos um sentido para a Vida que vivemos, em harmonia ou em guerra, fazendo uso de todas as verdades, convenções ou não, e limitações, mas também de suas belezas: com conteúdo emotivo estabelece uma relação entre a vida afetiva e sua sensibilidade intelectual, instaurando uma ação que, uma vez manifesta, não corre o risco de se confundir com a linguagem comum, e perdida, de quem comenta.

    E esse é o milagre da poesia d’Alma: construir uma paisagem dentro de outra paisagem.

    E de repente me lembro de que é a segunda vez que faço uso dessa expressão, pela simples constatação de que só agora me dou conta: uma segunda paisagem também pode ser chamada de referência que serve de voz a outras vozes!

    E estaciono. Aquilo que antes servia de alojamento para o vazio, agora completo, e cheio, também assustador, me faz pensar que prosseguir com o discurso de decompor enigmas, mesmo assim, é um perigo para quem se atreve a pensar, e a escrever sobre ele.


    Obrigada, António Pina.

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