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Não me lembro do primeiro Poema!...
Talvez não o tivesse deixado por aí, numa folha qualquer, na ponta da língua ou
intitulado no dorso da alma. Por falta de muitas razões, não lhe atribuí um
título, não o chamei disto ou daquilo ou certifiquei alguma relação com a minha
identidade, a identidade do poema, de qualquer coisa guardada nas páginas
viradas da vida e das que se vão virando, virando… até ao fim do livro!... Como
poderia existir o livro se não existe o primeiro poema?!... Também não guardo na memória, o segundo
poema, nem a sombra do verso mais iluminado. Desisto de procurar uma razão para
a existência do terceiro, do quarto, do quinto e por todas as páginas viradas
de um livro, adentro na possibilidade remota de não encontrar todo o meu
interior do lado de fora, simplesmente!...
Devo ter acarinhado letras e convencê-las
a juntarem-se até às palavras, embalando-as, do embalo de um verso ao castigo
de um poema sem nome, profundo que seria o castigo de quem o lesse!...
Chego às páginas em branco e tudo que
devo ter escrito, se resume a essas páginas por tingir, por afagar com pena e
pena tingida, de não as ter preenchido mais cedo. Como se uma página em branco
me preenchesse mais do que qualquer página preenchida, albergue do primeiro, do
segundo, do terceiro, do quarto, do quinto e de todos os possíveis poemas sem
memória que me desmemoriaram da minha sombra à luz do consentimento involuntário
da poesia dos outros!...
É do lado de fora que guardo o que arranquei de dentro, com mais ou menos dor,
É do lado de fora que guardo o que arranquei de dentro, com mais ou menos dor,
Com mais ou menos amor,
Com muito prazer,
Constantemente!...
Nem sempre o tenha sabido fazer,
Muitas vezes devo ter sido um grande
estupor,
Umas vezes por o querer,
Outras sem o saber,
Mas sempre em assunção de autor,
Inevitavelmente!...
E é do lado de dentro que fecho as chaves
da gaveta, da porta, do cofre insuspeito à prova do meu lado de fora, em
denúncia fúsil entre facções do mesmo corpo, da mesma alma e de todas as
semelhanças com o que de mais diferente há no silêncio ou no grito!...
Eco dos estados comuns em que acredito,
O verdadeiro silêncio em precioso
auxílio,
Do dito e do que dizer do não dito,
Nada dizendo do sentir mais restrito,
Mas sentindo, apesar da sensação de
exílio,
Obrigado a ser seu verdadeiro domicílio,
Viver e estranhar a descoberta do fim do
infinito…
E sobreviver!...
Como se desconfiasses da subentendida
virtude,
E te entregasses às certezas mais incoerentes,
Indiferente às memórias adolescentes,
Apaziguando tua indiferença com atitude,
Por ser tão forte aquela sensação de
juventude…
E como são jovens os versos do poema!...
Sem idade, a poesia sem idade aparente,
Lendo-se entre versos de inquietude,
Com o olhar brando de uma quietude
latente…
E como é bela a Poesia sem idade e
serena!...
A verdade, essa sim, fria e sem cálculos, envelhecia páginas vivas e, ávida como o tempo, refastelava-se à mesa da falta de cuidado, do abandono e esquecimento. Sem dó nem piedade!... E aqui está a desculpa, uma mísera tentativa vã de justificar o primeiro Poema inexistente, poema, esse, que deu origem à inexistência dos Poemas seguintes, como se eles não existissem no cheiro do teu livro, do teu e do teu… e do teu também!...
Os poemas sabem bem,
Sabem do cheiro dos eucaliptos abatidos,
Do papel dos livros envelhecidos,
E de outros papeis olhados com desdém,
Pelo papelão dos culturais adidos,
Esse bem tratado papel grosseiro,
De gente afetada e fina!...
Fina como a mentira jovem, sempre muito
infantil, incapaz de merecer a generosidade do tempo… e morre. Insustentável,
tenra e verde, antes da Poesia e da verdade que se mete na cabeça de todos e
nem a morte a consegue desalojar. Sempre tive medo da morte, não da morte,
morte, enquanto morte e fim de quase tudo que significasse a vida que quase
ninguém quer perder; medo da morte da verdade, isso sim, de aceitá-la como
verdade e ser capaz de “fazer-lhe a folha”, a mando ou traindo-me,
anavalhando-me nas minhas próprias costas com um dos muitos corta-papéis que os
falsos poetas usam para cortar métricas e rimas, sentidos e sentimentos,
emoções e beleza emocionante… navalhadas na banalidade dos voos das borboletas e no cheiro
poético das flores, facadas profundas no mel das abelhas e no pólen sensível
das Primaveras!... Até, da queda lenta, muito, muito lenta da velha folha
carregada de velhas nuances outonais, sobre a qual há universos de Poesia sem
fim!...
Só Deus sabe onde está o meu primeiro Poema!... Só Deus sabe onde encontrar a minha última folha, quando eu for folha que cai lenta no tempo suspenso… até ao Poema que antecedeu o primeiro, logo a seguir ao indecifrável Poema derradeiro!... A imortalidade da Poesia nas mãos de alguns mortais, uns quantos, dos quais não souberam morrer nem souberam ensinar alguém a matá-los, acabando a sua imortalidade de consagrar-se entre outros poemas da humanidade comercial e capitalista. Pró diabo com o primeiro poema grátis, capitalizado pela morte do Poeta, carregado em ombros na noite do seu enterro, até à cova de onde jamais sairá para reivindicar o que é seu, por direito!... Afinal, diz-me o Poeta: “ -Reivindicar o quê?!... Dinheiro, honrarias e bocas pintadas de um forte vermelho dissimulado entre os lábios, sempre prontas a beijar qualquer morto que lhes abra a porta do paraíso, sem que o inferno onde arderão ao abandono da alma, lhes cause a mais pequena hesitação?!...”
Só Deus sabe onde está o meu primeiro Poema!... Só Deus sabe onde encontrar a minha última folha, quando eu for folha que cai lenta no tempo suspenso… até ao Poema que antecedeu o primeiro, logo a seguir ao indecifrável Poema derradeiro!... A imortalidade da Poesia nas mãos de alguns mortais, uns quantos, dos quais não souberam morrer nem souberam ensinar alguém a matá-los, acabando a sua imortalidade de consagrar-se entre outros poemas da humanidade comercial e capitalista. Pró diabo com o primeiro poema grátis, capitalizado pela morte do Poeta, carregado em ombros na noite do seu enterro, até à cova de onde jamais sairá para reivindicar o que é seu, por direito!... Afinal, diz-me o Poeta: “ -Reivindicar o quê?!... Dinheiro, honrarias e bocas pintadas de um forte vermelho dissimulado entre os lábios, sempre prontas a beijar qualquer morto que lhes abra a porta do paraíso, sem que o inferno onde arderão ao abandono da alma, lhes cause a mais pequena hesitação?!...”
Poetas, confiam às palavras, poemas sobre o Poeta que se virou de bruços e cavou um pouco mais além do último poema exumado!... “Reivindicar, o quê?”, desabafa o pobre coitado, enterrado e bem enterrado na interpretação mais errada daqueles que o enterraram para mais tarde o desenterrarem, com a pesada certeza daquele doido não sair do silêncio a que foi votado com toda a censura dos vivos, dos vivos e dos bem vivos também!... “Reivindicar o quê?...
O que tu não sabes sobre o que sinto,
Quando sofres sem sofrimento pelo que
sentes,
E por mais que tentes,
Serás sempre um papa-formigas faminto,
Matando a fome com o trabalho daqueles a
quem mentes?...”
No primeiro livro do poeta extinto, extinto que foi o primeiro poema, os
livros não acabam no princípio da poesia. É uma tal coisa!... Os pensamentos
defuntos dos vivos que os vivos vão desenterrar aos mortos!... Só assim o Poeta
existe, a Poesia existe. Só assim tu existes, tu existes, tu existes e tu
existes, todos existem… uns mais do que outros e tu também!...
É!... Não me lembro do primeiro Poema que
perdi,
Devo tê-lo perdido nas primeiras palavras
levadas pelos ventos,
Bóreas, Noto, Zéfiro ou pelo Eurus das
tempestades que nunca vi,
Mas tenho esta sensação inexplicável do
que senti,
Um só
sentimento?... Quantos sentimentos!...
Uns cheios de paz, outros muito violentos,
Com alguns quase chorei,
Por outros cheguei mesmo a chorar,
Por todos os poemas eu ri,
Umas vezes de alegria pelo que li,
De outros, ri de tristeza, por momentos…
Voei com a leitura de quem sabe voar,
Nunca foi preciso saber rimar,
Sabem-no os atentos,
Basta respirar,
Amar e…
Trezentos!...
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De tanto somar em múltiplas divisões, o resultado não encontra na matemática uma solução. É da língua, e Portuguesa de Portugal, que o poema “300” escreve Plural. Por não ser singular. Nem simples.
ResponderEliminarE assim consigo, antes de chegar ao meu destino, esboçar o foco do meu comentário, instigando a memória, no exercício da leitura de um Poema de A. Pina, o que senti pela primeira vez: “A Arte entrando na pele, o corpo ganhando forma, e de repente, eu era outra pessoa, melhor do que eu era, e tudo isso só porque eu li um Poema. Um Poema d’Alma.”.
Uma das minhas maiores dificuldades sempre foi descobrir a temática de um poema, e a seguir, a primeira frase, aquela que daria início a tudo aquilo que eu havia acabado de experimentar. E mesmo agora, depois de tantas leituras, pelo encantamento da surpresa, é assim que me encontro. Sem saber por onde começar, e como começar. Mas esse Poema, esse em especial, e que por mais que se assemelhe à coletânea de todos os outros, tem a característica de penetrar amorosamente no desconhecido, e seja ele o leitor, o seu mundo particular ou a coletividade.
O indicador de segurança, até para ser aceito, parte da premissa de ser original, e fiel, à leitura e ao Poema. Porque não existe uma coisa separada da outra, nem um único tipo de leitor para todos os poemas. Ainda que sejamos os mesmos. Eu e minha pele; eu e minhas experiências. Mas nunca essa poesia, sempre tão precisa e sensível.
E volto ao plural, e que na verdade tem a ver com ressignificação, em ‘dar outro ou novo valor de significação’ não à Poesia, mas à excitação da página em branco [“Como se uma página em branco me preenchesse mais do que qualquer página preenchida,”], aquilo que move por ser movido, e que, por ter movimento, infere uma reflexão num itinerário não previsto, e combinando diversos estilos d’Alma depõe, expõe, põe, repõe, contrapõe e justapõe.
Aberta a ferida, e já em fase de cicatrização, o Poema pode ser definido como uma espécie de consciência de seus segredos, porque convive com o desejo preeminente de manter exposta a realidade, por ser mais que verdadeiro, por ser confessional, autorreferente e também referente. Onde a única preocupação é com o ritmo e com a harmonia que se depreende de sua autocrítica. Sem linhas de fuga nas reticências, ou metáforas, ou mesmo nas metonímias. Há o dedo. Em riste ou não.
E há um olhar de foco azul, cuja pena e tinta sempre valem a pena, a escrever valores, defeitos e virtudes da vida humana que d’Alma coloca dentro do Poema.
[Continua]
Olá António, como vai?
ResponderEliminarO meu novo blogue está inativo. Publico só no facebook https://www.facebook.com/helena.figueiredo.739
e na revista Mallarmargens - http://www.mallarmargens.com/.
Um beijinho
Helena
[Continuação]
ResponderEliminarQuando dei início ao meu comentário, e por mais que a impressão inicial me levasse ao plural, não tinha a noção de exata de quanto! Por tão complexo, e tão extenso. Quanto tenso e denso. Não tinha ideia do risco de estava correndo, ou incorrendo, de, ao cometer inclusões e exclusões, e deixar vazios a serem preenchidos, não conseguir nunca alcançar a profundidade do Poema. Faltou noção, e condição, habilidade e propriedade para comentar um Poema que representa, por si mesmo, toda a história da poesia d’Alma.
Para isto, A. se entrega à narrativa poética, mistura estilos entre travessões e aspas, exclamações e reticências, e desnuda o Poema para encontrar uma fórmula, ou receita, em justificar que a razão está em sentir. E Amar. Porque todos os Poemas d’Alma são de Amor.
Neste desfecho, interrompo minha leitura, e sigo viagem por linha própria.
A graça, ou o milagre, consiste em seguir, ou prosseguir, à continuidade da Vida. Sem nenhuma beleza, sem nenhuma magia, e, entretanto, encantada com a poesia que eu acabara de ler, e adsorver, descobrir que é possível resistir. E sobreviver, nem um pouco indiferente.
Obrigada d’Alma.