terça-feira, 29 de maio de 2012

Linhas!...


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…Conheceram-se entre linhas carregadas de uma certa inocência adocicada na manha das cartas e não descartaram a hipótese de perpendicularem os caminhos da escrita!... O mel das palavras foi escorrendo nas inclinadas linhas de uma fina teia já cruzada em rede, como perpendiculares esperançadas à espera, também elas, de se cruzarem entre si, transformando o desejo pautado num encontro longe de ser quadriculado!... Bem à maneira dos tempos alinhados, um dia fecharam os envelopes e combinaram dar cartas brancas, logo que suas linhas, já trepadoras compulsivas de paredes até aos caibros, se encontrassem. Depois de contados, um por um, muito lá no alto e bem a pino, bem teso como a contagem reivindicava entre as linhas das entrelinhas e desejos estranhamente desalinhados, pelo que cada um imaginava o alinhamento ávido dos sonhos do outro, na mesma proporção do que cada um sentia por si mesmo!... Combinaram também, na última troca de linhas, que ela estaria à sua espera com duas linhas na mão, e ambas sustentando o perfeito equilíbrio de uma dúzia de letras de boas vindas, na simbiose ideal das palavras e a felicidade bem-vinda, bem visível no “SOU a TUA LINHA” que escrevera, distinguindo-se das demais anónimas passageiras casuais!... Por sua vez, ele, quando chegasse, e por alinhamento recíproco, sairia do comboio com duas correspondentes linhas firmes, alinhando a gratidão numa igual “SOU a TUA LINHA”, sem qualquer também, porque era um desejo seu e prenda surpresa!...  Ambas as linhas, nas suas costas e nas costas das mesmas folhas, haviam convergido, sem que um do outro soubesse, num “quero teu beijo”; seria uma surpresa do tamanho de suas longas e doces trocas de linhas e suas linhas saltariam de um para o idílio do outro, encontrando-se... cruzando-se numa troca de fluidos contidos que há tempo demais escorriam na incontinência das linhas paralelas, aquando de posições verticais, tal era o desejo de se meterem umas pelas outras, as linhas embeiçadas e ansiosas!...
O comboio chegou, percorrendo e percorrido que foi o corpo cúmplice das linhas e duas folhas caíram em movimentos laterais de vaivém seco… leve… e… suave… queda, lá do alto das pontas dos dedos que as seguravam, mal os olhos alinharam a linha de visão na direção do virado “eram suas linhas”, trespassadas por frias pedras de granizo que desfizeram certezas e dúvidas!...
Ali ficaram dois beijos desajeitados e abandonados à pressa, no chão de todos os pés, caídos dos olhos cegos de donos sem lábios, servindo de tapete maltratado por todos que entravam e saíam dos comboios perfeitamente alinhados nas estações, nas linhas que levavam e traziam histórias de linhas desencontradas das partidas,
Das chegadas fingidas,
Das perdidas sem regresso!...
E os beijos paralelos,
Nunca se tocando por lábios belos,
Entregues com todo o amor confesso,
À paixão jamais sentida como excesso,
Pelos inocentes sonhos singelos,
Do imaculado desejo mais professo,
Páginas fechadas nos mais altos castelos,
Entre desconhecidas linhas sem acesso!...

E as linhas por onde as palavras se insinuam, distantes da beleza que cada desejo imagina, cruzam paralelismos de ilusões, já sem a sensação da textura das cartas, sem o cheiro de beijos enviados ao destinatário!...
Restam espaços brancos sem linhas ligados às palavras perfeitamente alinhadas que se escrevem a si mesmas... entre si, sem margens para erros!... 
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3 comentários:

  1. Entrelaçar as almas, as vidas, a escrita, os desejos e sonhos. Deixando-os expostos em linhas brancas dispostas a quem houver sentí-las.Foi assim que senti Poeta!
    Beijos no coração!

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  2. Conto, crônica, poema e prosa, imaginação, fantasia, pura poesia. Nem caminho de chegada nem de partida, nem percurso de desencontros, “Linhas!...” é um enigma a ser decifrado e repensado continuadamente a partir de diversas possibilidades. Caminhantes de percursos narrativos complexos, sem limites de começo ou fim, importando apenas o meio, caminho de linhas retas, para sempre paralelas. A distância como agravante de cumplicidade e todo o envolvimento da correspondência recíproca desfeita no tráfego urbano em choque com a realidade. Sem ser círculo, sem se tocar, ainda assim, a conexão existe no desejo do encontro. Pela utopia do retorno e só pelo sonho, nunca acordar.

    E a poesia, mais que motivação, interesse ou admiração, é sensação. E torcida. Pró. Letras e reticências. Essa coisa d’Alma que não se explica, ou que não se sabe falar sobre, porque é só sentimento. Por ser maior, não se escreve, nem em linhas, nem entrelinhas. Invade. Toma por inteiro. É pele. Algo que não pode ser descrito, pela simples razão de que não é dessa vida. Ou desse mundo. Pela tangente, e ao contrário do que se acredita, sem saída, um poema a pedir por mais: “...sem margens para erros!...”.


    Cumprimentos.

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  3. Registo poético diferente do habitual, mas a qualidade continua intocável. Uma viagem com vários caminhos e um único sonho.
    Abraço poeta.

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