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…Conheceram-se entre linhas carregadas de uma certa inocência adocicada
na manha das cartas e não descartaram a hipótese de perpendicularem os caminhos da escrita!... O mel das palavras foi escorrendo nas inclinadas linhas de uma
fina teia já cruzada em rede, como perpendiculares esperançadas à espera,
também elas, de se cruzarem entre si, transformando o desejo pautado num
encontro longe de ser quadriculado!... Bem à maneira dos tempos alinhados, um
dia fecharam os envelopes e combinaram dar cartas brancas, logo que suas
linhas, já trepadoras compulsivas de paredes até aos caibros, se encontrassem.
Depois de contados, um por um, muito lá no alto e bem a pino, bem teso como a
contagem reivindicava entre as linhas das entrelinhas e desejos estranhamente
desalinhados, pelo que cada um imaginava o alinhamento ávido dos sonhos do
outro, na mesma proporção do que cada um sentia por si mesmo!... Combinaram
também, na última troca de linhas, que ela estaria à sua espera com duas linhas
na mão, e ambas sustentando o perfeito equilíbrio de uma dúzia de letras de
boas vindas, na simbiose ideal das palavras e a felicidade bem-vinda, bem
visível no “SOU a TUA LINHA” que escrevera, distinguindo-se das demais anónimas passageiras casuais!...
Por sua vez, ele, quando chegasse, e por alinhamento recíproco, sairia do
comboio com duas correspondentes linhas firmes, alinhando a gratidão numa igual
“SOU a TUA LINHA”, sem qualquer também, porque era um desejo seu e prenda
surpresa!... Ambas as linhas, nas suas
costas e nas costas das mesmas folhas, haviam convergido, sem que um do outro soubesse, num “quero teu beijo”;
seria uma surpresa do tamanho de suas longas e doces trocas de linhas e suas linhas
saltariam de um para o idílio do outro, encontrando-se... cruzando-se numa troca
de fluidos contidos que há tempo demais escorriam na incontinência das linhas
paralelas, aquando de posições verticais, tal era o desejo de se meterem umas
pelas outras, as linhas embeiçadas e ansiosas!...
O comboio chegou, percorrendo e percorrido que foi o corpo cúmplice das
linhas e duas folhas caíram em movimentos laterais de vaivém seco… leve… e…
suave… queda, lá do alto das pontas dos dedos que as seguravam, mal os olhos
alinharam a linha de visão na direção do virado “eram suas linhas”, trespassadas por
frias pedras de granizo que desfizeram certezas e dúvidas!...
Ali ficaram dois beijos desajeitados e abandonados à pressa, no chão de
todos os pés, caídos dos olhos cegos de donos sem lábios, servindo de tapete maltratado por
todos que entravam e saíam dos comboios perfeitamente alinhados nas estações,
nas linhas que levavam e traziam histórias de linhas desencontradas das
partidas,
Das chegadas fingidas,
Das perdidas sem regresso!...
E os beijos paralelos,
Nunca se tocando por lábios belos,
Entregues com todo o amor confesso,
À paixão jamais sentida como excesso,
Pelos inocentes sonhos singelos,
Do imaculado desejo mais professo,
Páginas fechadas nos mais altos castelos,
Entre desconhecidas linhas sem acesso!...
E as linhas por onde as palavras se insinuam, distantes da beleza que cada
desejo imagina, cruzam paralelismos de ilusões, já sem a sensação da textura
das cartas, sem o cheiro de beijos enviados ao destinatário!...
Restam espaços brancos sem linhas ligados às palavras perfeitamente
alinhadas que se escrevem a si mesmas... entre si, sem margens para erros!...
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