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Contemplavam em silêncio suas mãos
macias,
Pendentes nos cruzamentos pálidos das linhas,
Em cada traçado haviam encruzilhadas vazias,
Que incapazes de impedir o desalento dos
dias,
Escondiam-se em silêncio como almas
sozinhas,
Caídas a um canto dos olhos de noites
vizinhas,
Ali ficavam nas rasas conjeturas das
melhorias,
E extenuante trespassar das horas mesquinhas!...
Trabalhava sem descanso no sentido
figurado,
Fincando-se na única imagem do seu
trabalho,
Aprisionada em suas mãos de homem
fatigado,
Abatido na desonra de ser mais um espantalho,
Por ter sido despedido com todo o
enxovalho,
Pelo novo tempo do mais moderno predicado,
Que o fez sentir ser uma carta fora do
baralho,
Às mãos de um jogo pelo qual foi segregado!...
Se a vossa fome teimais em não deixar
matar,
Aceitem-se como os cúmplices de vossa morte,
Talvez vossa tão grande culpa não vos
importe;
Não são os outros sempre mais fáceis de
acusar,
Apontados pelos vossos dedos de fraco
recorte,
Vergados às vossas mãos mortas por trabalhar?!...
Abrem-se as vossas mãos para vossa culpa
calar,
Mostrando os calos já escoados no
desemprego,
Há despedimentos que cruzam linhas sem
medo,
Enquanto os desempregados incapazes de
lutar,
Estendem a sua mão torpe por tanto se queixar,
Dos seus calos perdidos apontados a dedo!...
*
Se vossa merecida fome matá-la não
deixam,
Nem alimentam o desejo de por ela algo
fazer,
Então, quantos desses vossos calos se
queixam,
Se dos
queixumes da morte não quereis saber?!...
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Quando leio o poema “Calos de um Soneto sem Trabalho”, várias imagens se formam no meu imaginário e vários sentires se alinham como se atropelando por não saber que hierarquia respeitar. Desde a sensibilidade expressa pelo amor à humanidade e às suas demandas, até à humildade com que reúne versos tão belos quanto dolorosos, com uma profundidade que ninguém nunca ousou. Talvez nem o próprio A. Pina. Tamanha realidade. Tamanha certeza daquilo que se propõe a fazer e faz.
ResponderEliminarNão é um soneto. É um poema impresso de cores, sabores e gestos, e os versos, em ritmo e luminosidade, me dão a impressão de que o mundo se abre em mil e uma possibilidades, e cada qual ao seu jeito, ou à sua época, aponta a um caminho. Mas também se fecha. Enquanto umas vezes para me dizer que ‘sim’, qualquer sim, outras vezes que ‘não’. E neste caso, não qualquer não. Apenas como contrário, sem ser oposição, lembrando o que é preciso. E necessário. Via sem saída, seus versos às vezes sangram. Outras vezes também.
E o que antes era um calo, como efeito de uma proeminência dérmica, agora em riste, e vários, apontam à face, inocente. Desconcerta. Desequilibra. E mesmo assim, sustenta.
Afinal a poesia d’Alma, quer histórica ou ficcional, fica para a posteridade através de um poema escrito por um homem que vive entre humanos, e, empático às suas dificuldades e atingido em cheio por essa humanidade que reflete em sua interpretação. Ou criação.
E me pergunto o que dói mais, se o endurecimento da pele ou da alma, ou se os dedos da fome ou da acusação. Ou se a dúvida. E diferente de outras vezes, ou de outras leituras, infelizmente, ou felizmente, vou ter de aprender a conviver com a pergunta e com a ausência de uma resposta que me proporcione não a cura, mas o alívio de um sentimento que de fato não sei como administrar.
Se fosse puro efeito poético, não louvável seria o poema. Louvado seja também o que d’Alma provoca.
Boa semana.