sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

...muito Fina

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Não bastou,
A pele coberta por um ano muito pobre,
Transparente de tão sombria que foi a cortina,
Pele de nossa sombra que muita carne rasgou,
Muito fina,
Desse ano que ninguém inveja,
Por mais perto que de outro ano se esteja,
Próximos de pensamentos em dissipar a neblina,
Dessa densidade anual da memória que não se deseja,
Muito fina!...
Vergamo-nos por algo que não nos dobre,
E regressamos à fetal posição que nos cobre,
Procurando descobrir uma proteção quase divina,
Que nos descobre,
A implorar que vos proteja,
De outro ano tão mau que não nos seja,
Igual à mesma espessa rotina,
Muito fina!...
De tão ténue foi o sobreviver,
Sem ter o que ter,
Como livrar-se dessa sina,
Assassina nova ordem de ser,
 Às ordens de um novo amanhecer,
Prometido por rastejantes poderes de rapina,
Vendedores de modernos sóis ao anoitecer,
Especiosa verve de aparente suster,
Muito fina!...
Essa linha que deu a conhecer,
Prestímanos capazes de iludir um país,
Na certeza de dizer como quem diz,
O que não diz sobre o vir a sofrer,
Às mãos da privada morfina,
Que ri da incurável cicatriz,
Muito fina!...
Mas profunda como a morte;
Se ao menos os pobres tivessem essa sorte,
De morrer,
De acreditar,
De viver,
Se ao menos se partilhasse a mesma doutrina,
De adivinhar,
Sentir-se forte,
Talvez poder imaginar,
Que os sacrifícios irão resultar,
Mas o sangue continua escorrendo do corte,
E ainda que o sentimento de perda pouco importe,
Não bastará o rigor da mecânica disciplina,
Para que a justiça se vá consumar,
Porque ainda mais forte do que se imagina,
É a voz da revolta esperada do verbo gritar,
Sublevando-se…
Muito Fina!...

*

Cai o pano,
De um ano caído,
Sobre os trapos do velho ano,
  Tão triste pelo novo ano prometido,
Nua esperança entre retalhos erguido,
Nova pele à medida do mesmo engano,
De esconder a Alma no corpo despido!...



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5 comentários:

  1. O que mais admiro na poesia d’Alma é a sua capacidade da sensibilidade organizada, ou de mantê-la sob o domínio da inteligência e da razão. Quando a leio, sem a preocupação com a norma estética, ou poética, apenas por ler e querer sentir, a chama de sua luz é tão intensa que flui de forma melodiosa dentro de mim, pela beleza que desafia à emoção dando o tom da poesia. E digo mais, nada se compara a essa beleza, nem algum autor consegue me tocar tanto quanto me realizo ao ler seus poemas, porque sei que a essência de sua arte mora junto do viver.


    Neste poema, a imagem da pele fina, ou “...muito Fina”, pura, “Transparente de tão sombria foi a cortina”, com suas dobras impecáveis e com o calendário a expor a fragilidade da pele em desgaste, sugere o desejo premente de se retornar ao útero materno, e de, no aconchego, envolver a dura realidade de esperança de que o próximo ano será de um parto. Sem dor.

    Porém, ao contrário de um filho esperado, e querido, numa gravidez convencional de 9 meses, cuja pureza sente-se pela própria “proteção” materna, o poema exibe, desiludido, uma gestação de 12 meses, cujo prognóstico é de muita dor e sofrimento.

    A violência com que A. Pina expõe os versos, pelos versos curtos e de efeito devastador, é quase física, ou propriamente física. Não existe nenhuma distância entre a ficção e a realidade dolorosa. O sofrimento se acentua à medida que se torna visível a certeza sobre a impunidade de seus responsáveis. Neste ponto, e nisso consiste uma daquelas belezas que me referi logo no início do meu comentário, a poesia sustenta a lógica, ou a razão, e sem perder a sensível experiência na transferência emocional, questiona até que ponto vale a pena manter adiante essa gestação [“Como livrar-se dessa sina, / Assassina nova ordem de ser,]”, ou a expressão de dor, porque não encontra perspectiva alguma de melhora, ou de saída antecipada.

    Traduzindo melancolia e decepção, e expondo a amargura, apesar de todos os esforços, porém, sem perder a serenidade, a sugestão é do grito. E de acordo com sua habilidade, experiência, inteligência e sensibilidade, esse grito tem o tom da súplica, ou da prece. Como quem grita pela última vez, já sem força, sem esperança, no pequeno e último instante, e em completo desespero. Representado por uma última estrofe, mas abrangente o bastante enquanto interação de diferentes linguagens. Ou vozes.

    E só agora me lembro de que o prazer é pela realização.



    Feliz Ano Novo A. Com gritos, com muitos gritos. E com toda a força da sua poesia.

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  2. Já dá a ideia da lavagem dos cestos, na vindima dos dias, do ano que finda. O entrançado das palavras se encontre sempre limpo, apto e renovado. Bom Ano Novo!

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  3. Que mantenhas incólume
    a criança,
    tua essência mais pura.

    Boa energia te envio -
    as melhores para o ano.
    Daqui!

    Abraço, Poeta!

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  4. Olá António,
    que bom encontrá-lo!
    Deduzo que o ano agora a terminar lhe trouxe muitas alegrias e quem sabe também alguns infortúnios.Mas a vida é assim mesmo.
    Desejo-lhe as maiores felicidades para o novo ano e ...vá aparecendo.
    Um beijinho
    Helena Figueiredo

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  5. Uma leveza de versos,,,recheada de sentimentos,,,de suspiros,,,de alma limpa e pura ao versejar...abraços meu amigo e o desejo que tenha um feliz ano novo repleto de paz e realizações...extensivos a toda a sua família,,,abraços fraternos.

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