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Vejo na sépia do postal cinzento,
Vidraças estilhaçadas perdidas no tempo,
Vejo Pão fumegando, farinha e o fatigado moinho,
O Moer do trigo, milho e do centeio com delicado carinho,
Vejo o calor do fogo humano abafado em fornalhas de vento,
Dissipado fumo popular a fugir do cheiro a rosmaninho,
Vejo fogueiras varridas por alcatroeiros sem alento,
Pedras da calçada cobertas de esquecimento,
Vejo vizinhos a partir para longe do vizinho,
A recordação de um velho sozinho,
Nas cinzas de seu lamento!...
Sobre a fogueira esvoaçou uma saia rodada,
Rosmaninho ardia lento em calcinhas de renda,
Da sépia do tempo ainda ecoa uma gargalhada!...
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...fogueira de movimentação belíssima!!
ResponderEliminarUm beijinho
da
Blimunda
As lembranças servem de refúgio ao poema “Fogueira” com temática na manifestação cultural e social, no tempo e na memória. A poesia destaca-se pela musicalidade dos versos que movimentam-se em torno da criatividade e do exercício do imaginário poético em referência a São João e ao modo pelo qual a sociedade se organiza para celebrar o seu dia, unindo fantasia e realidade através do mito e da história.
ResponderEliminarUma chama ao verso e d’Alma incendeia a memória de sabores, de cheiros e de saudade [“Vejo na sépia do postal cinzento, / Vidraças estilhaçadas perdidas no tempo,”]. A linguagem poética é de preservação cultural do ambiente rural, sua arte popular e seus símbolos. A festa de São João é marcada pela fogueira, pelo banho de cheiro, pelas cantigas, pelas danças e pela culinária típica, pelos jogos de sorte e pela esperança. Voltamos à infância, de onde surgem as imagens visuais [“Vejo Pão fumegando, farinha e o fatigado moinho, / O Moer do trigo, milho e do centeio com delicado carinho,”]. Na sépia, o tom que predomina sobre a fotografia é o marrom-alaranjado, no wallpaper, o foco está nos tons laranja, lilás e verde, e ambos lembram-nos a cor da terra.
A antítese, oportuna à crítica social [“Vejo o calor do fogo humano abafado em fornalhas de vento,”], denuncia a estrutura que sustenta o mundo atual de desigualdade social: fartura versus miséria e solidariedade versus individualismo [“Pedras da calçada cobertas de esquecimento, / Vejo vizinhos a partir para longe do vizinho,”]. O tempo revisitado através das lembranças é o melhor argumento para a preservação dos elementos culturais, da identidade cultural e, também, da própria vida [“A recordação de um velho sozinho, / Nas cinzas de seu lamento!...”].
Enquanto a memória [“Sobre a fogueira esvoaçou uma saia rodada,”] tenta preservar os acontecimentos contra o efeito do tempo [“Rosmaninho ardia lento em calcinhas de renda,”] que provoca o esquecimento, o poema, na sobreposição das imagens não revive apenas o passado, mas o transpõe para o presente no tempo real, atravessando a fronteira entre o passado e o presente, e explora as imagens instaurando o que de legítimo restou das tradições [“Da sépia do tempo ainda ecoa uma gargalhada!...”].
Curiosamente somos despertados. E a poesia liberta a criança que há em cada um de nós.
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Este texto está fabuloso, pois dá a ideia precisa da recordação e da movimentação...
ResponderEliminarGostei imenso
bjgrande do Lago