quarta-feira, 6 de julho de 2011

Porca



.
.
.
"…Sou mais uma porca perdida,
Abandonada no ferro velho da vida,
Porca de velho e solto parafuso perdido,
Eu sou mais uma solitária porca carcomida,
Volta de luz aberta à vida que se abria contigo,
E ao lubrificado parafuso que se enroscava comigo,
Dentro da minha jovial rosca de porca possuída!..."

Um corroído parafuso desenroscado,
Solta-se numa última volta ferrugenta,
Perde-se no desuso da velha ferramenta,
Ferro velho à porca da vida abandonado!...

A corrosão dos parafusos,
 Corrói o amplexo das porcas,
Que perdem seus brilhos difusos!...

.
.
.




sexta-feira, 1 de julho de 2011

"Canta Parolaço"


.
.
.
“Canta Parolaço”,
Era um mítico personagem,
O canto era seu desembaraço,
Seu sucesso um verdadeiro fracasso,
Só comparável à cultural saloia imagem,
Que, a verdade bem escrita de passagem,
O teve como farrapo de culto ricaço!...

Quando pela freguesia,
Qualquer praguita aparecia,
Remelavam-se olhos com andaço,
Aos vómitos de viroses seguia o cagaço,
Eis que do nada se apresentava a valentia,
Com o seu canto de exemplar filosofia,
O incomparável “Canta Parolaço”!...

Metro e meio de macho perfeito,
Quarenta e tal quilitos de peito feito,
Cantava “olhem eu aqui bem aprumado”,
 Contaminando toda a cultura do espaço,
Com seu incrível ego satisfeito,
E tal era seu inchaço,
Que deixava admirado,
Até o mais acostumado,
Ao intrometido embaraço,
De levar com o “Canta Parolaço”!...

O fato branco pelo próprio corpo engomado,
Que lhe fora dado por um ilustre escriva defunto,
Insuflava-lhe o ar de um preto brilhante desbotado,
Cor julgada pelo lustro daquele “Canto” afortunado,
Ídolo bem ataviado dos mal vestidos sem assunto,
Esses parolaços iguais ao canto e seu conjunto!...

Lendas falam de monstros terríveis,
Leões esfomeados dados à crueldade no paço,
Em ruelas, touros eram largados em investidas horríveis,
Gritos exasperados ainda são igualdades tão audíveis;
Então, caído do Céu, ouvia-se o protector passo,
Da destemida bazófia do “Canta Parolaço”!...

Muito tarde se deitava,
Para levantar-se muito cedo,
Exausto adormecia em sossego,
Pobre “Canta Parolaço”,
Nos braços de Morfeu sonhava,
E já no regaço do aconchego,
No silêncio e em segredo…
O “Canto” só,
 Que balbuciava:
-Mãe!...
Eu tenho medo!
.
.
.



quarta-feira, 29 de junho de 2011

Linhas


.
.
.

...Do corpo deixou-lhe a maciez,
E uma enlouquecida sensação,
Do cúmplice saborear da ilusão,
Possuída pela sua vestida nudez,
Nas linhas despidas de sua mão!...

Essas linhas entrelaçadas de cio,
Revestidas de imensos fios de tesão,
É vida imortal de um eterno arrepio!...
.
.
.





domingo, 26 de junho de 2011

Sabichão


.
.
.

Há imenso amor na corporativa literatura organizada,
Lindos pavões nas entrelinhas visíveis das invisíveis linhas,
Há chaves mestras em informações de mágicas varinhas,
Pálidos copos de leite seguindo a cópia da cópia refinada,
Há um gelo azul no whisky eloquente da linha entrelinhada,
Cultura de sabichão vendida à leitura de gurus e adivinhas!...

Há um livro sem autor,
Sem folhas ou capa de couro,
Há linhas corrompidas com amor,
Nas entrelinhas de muito douto senhor,
Há Cultura que se prostitui a peso d’ouro,
Irresistível erário de insinuante tesouro,
Há obra alheia que paga o plagiador,
Incontestável património vindouro,
Há dádivas de incalculável valor!...

Às páginas tantas,
Na prosápia balofa de quem em si já não cabe,
Há muito saber de quem muito sabendo,
Mais do que aquilo que lê não sabe!...

.
.
.



sexta-feira, 24 de junho de 2011

Fogueira


.
.
.

Vejo na sépia do postal cinzento,
Vidraças estilhaçadas perdidas no tempo,
Vejo Pão fumegando, farinha e o fatigado moinho,
O Moer do trigo, milho e do centeio com delicado carinho,
Vejo o calor do fogo humano abafado em fornalhas de vento,
Dissipado fumo popular a fugir do cheiro a rosmaninho,
Vejo fogueiras varridas por alcatroeiros sem alento,
Pedras da calçada cobertas de esquecimento,
Vejo vizinhos a partir para longe do vizinho,
A recordação de um velho sozinho,
Nas cinzas de seu lamento!...

Sobre a fogueira esvoaçou uma saia rodada,
Rosmaninho ardia lento em calcinhas de renda,
Da sépia do tempo ainda ecoa uma gargalhada!...

 .
.
.





terça-feira, 21 de junho de 2011

Suicídio

.
.
.

Tenso olhar sobre o elástico,
Do abismo esticado até ao limite,
Esfuminho morno em sombra de grafite,
Esvaindo-se num doce silêncio sarcástico,
Amor calmo de moldado adeus plástico,
Ceifado rabisco que a vida omite!...

Fénix em suas cinzas naufragadas,
Pairam sob suas penas desvanecidas,
Flutuando sobre as suas lágrimas suicidas,
Diáfano pecado de testemunhas derramadas,
Na própria tristeza das almas devassadas,
Pela Esperança morta de asas caídas!...

Vermelhos lagos,
Adormecidos em olhos vagos,
Jazem brancos e calmos,
A meia dúzia de palmos,
De vazios olhos abandonados!...
.
.
.




domingo, 19 de junho de 2011

Cartas e Outros Destinos

.
.
.

Procuro teu esotérico abandono ocultado,
Pisando tuas pérolas de rosas desfeitas,
As pegadas inebriantes que tu rejeitas,
Rasgados estigmas nas mãos marcado,
Entre leituras em teu livro marcado,
Esse dicionário fútil de linhas direitas,
Bíblia Sagrada de palavras desfeitas,
Amor traduzido de triste significado!...

Rios de Vida que das tuas mãos escorrem,
Vidas nas linhas que teu Destino gravou,
As mesmas linhas que a Vida consagrou,
Rumos de certezas escritas da desordem,
Incertezas de dentes ímpios que mordem,
Mãos mordidas por mãos que alimentou!...

Folhas de chá flutuando em ti,
Chávenas de ópio do teu ser que és,
Flutuas de ti no ventre de ventos e marés,
E te fundes na nuvem pintada que sorri,
Nuvem imaginada da imagem de si,
Qual céu escravo sob teus pés!...

Setenta e oito virgens adivinhas,
Sortes desejadas se assim o quiseres,
Mil homens desejados a desejar mil mulheres,
Quatro bordéis com catorze tentações miudinhas,
Dez infelizes marcadas por mentes mesquinhas,
Sobrando mais quatro figuras às quais aderes,
Vinte e uma putas prontas para trabalhar,
Um arlequim que te fará rir ou chorar,
Respeito do respeito que tu impuseres!...

Ouro lunar de ofuscado brilho,
Oferta imposta de tão medrosa e ingrata,
Comprada no ritual da felicidade ilusória,
Retrocesso à inocência infantil do sarilho,
Ao ajoelhar no perdão do Cristo de prata,
Adeus à esperança de conquista inglória!...

Encontrei tua Paz num jardim abandonado,
Sobre pétalas de rosas intactas e renascidas,
Meu sorriso rasgou teu largo sorriso conciliado,
Com as mais alegres tristezas de todas as vidas!...

Esse dicionário útil que da Vida germina,
É Livro da Vida que a ilusão não ensina!...

.
.
.


quinta-feira, 16 de junho de 2011

Amor é... (+I de + III)...

.
.
.

Giz branco erudito,
Cinzel De escultura primitiva,
É emoção de cal viva,
Queimando corações de granito,
É fogo de singular perspectiva,
É o mito,
Princípio do infinito,
Fim sem alternativa,
Pedra definitiva,
Silêncio aflito,
Incrustado no grito!

Amor?!...
Sem chegar a tanto,
É mais do que tal,
É veneno nas veias,
É açúcar no sal,
Uma mosca a tecer teias,
Aranhas de pedra e amantes de cal!...

O verbo sonhador,
Das palavras erodidas,
Pelo frio das almas perdidas,
Perdidas de amor!...

E o Amor é…

.
.
.





terça-feira, 14 de junho de 2011

Amor é... ( Poema III de III+I )

.
.
.
Amor?!...
Eu amo o vinho!...
Bebo um copo,
 Bebo dois,
 Bebo três,
Envinagrados, retintos e carrascões,
Feito à martelada, vomitado de borrachões,
Nele me afogo trinta e quatro dias por mês,
Não me importo com opiniões,
Entorno um garrafão de uma vez…
Nele sou tudo que me apetece,
Bebo quanto vinho aparece!...

Só minha sede não bebo,
Só minha sede não bebe!...

Eu amo a cerveja!...
Bebo uma, duas, três,
Bebo quanta cerveja houver,
Afogo-me em aguardente,
Bebo quanto álcool vier,
Bebo sôfrego repetidamente,
Seja o que Deus quiser!...

Só minha sede não bebo,
Só minha sede não bebe!...

Bebo do cálice que se segue,
Meu amor que não durará,
Fito a caneca que beijarei,
E minha sede se apaixonará,
Mas a sede, essa não matarei,
Minha sede que sobreviverá!...

Só não resiste minha sede,
Na água pura de cristal,
Água fresca que não vejo,
Água fresca que não há,
Água fresca que eu desejo,
Amor louco que me matará!...

Só minha sede não bebe,
Só minha sede não bebo!


.
.
.







Amor é... ( Poema II de III+I )

.
.
.
Complacente com a placenta,
Que não assenta,
Em minha silhueta acentuada?!...
Não!...
Tenho uma placenta em ti,
Aguardando minha consciência de mim,
Que eu amarei até ao fim!...
Amo amar-me,
Amo-me mais ao que podes dar-me,
Amo demasiado no espelho as medidas certas,
Para poder amar o amor que despertas!...

Será amor verdadeiro,
Isto que sinto pelo dinheiro?!...
Como amar-te se não vais existir,
Amar-te, decisão minha tomada?!...
Como?!...
Amar-te se não pudeste resistir,
Amar a condenação de “coisa” rejeitada!...

Meu amor sou eu oferecendo agenesia,
A liberdade conquistada,
Noite após noite, dia após dia!...

Como amar-te, se o Amor que restou,
Se regenera por cada prazer que dou?!...

Amor sou eu e minha Liberdade,
É a minha livre independência,
Acima de qualquer verdade!...

.
.
.