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Tanto demorou a nascer,
Quase tanto quanto o juízo,
Tanto não queria eu o perder,
E antes que pudesse perceber,
Ainda antes de qualquer aviso,
Anestesiado me foi o sorriso,
Às mãos do que tinha de ser,
Arrancado foi o meu dente,
E não sei o quanto de siso!...
Vê-se o brilho aparente,
No esmalte da uma bela coroa,
Disfarça-se o hálito que magoa,
A quem cheira a boca de frente,
Esconde-se a dentina decadente,
E uma infectada polpa em pessoa,
Dentes mordem discretamente,
Outros mordem línguas à toa!...
Saio insensível pela anestesia,
Bocas bem tratadas são impedidas de
sentir,
Granulomas consentidos fazem os dentes
cair,
Por não me sentir, minha língua quase eu comia,
A fome é o antibiótico de um povo em
agonia,
Caem os dentes de bocas prestes a ruir,
Cerram-se
novos dentes noutro dia!...
Já sem ver o lado direito do juízo,
Vejo a dor escondida,
Vejo gente,
Vejo gente mordida,
Vejo um dente,
Vejo a verdade doente,
Vejo lindos dentes sem vida,
Vejo o pus sobre a comida,
Vejo a coroa que mente…
E já não vejo o meu dente do siso!....
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