.
.
.
A beleza é subjectiva,
Coisa feia, coisa linda,
Ou até mais feia ainda,
Superficial análise intuitiva,
Ainda que mais feia não possa ser,
Há sempre algo mais feio,
Um bojeço pelo meio,
Torpeza imunda difícil de conter,
Mais feio ainda do que possa parecer,
Odre seboso de peçonha cheio!...
Gordos, muito gordos e formosos,
Magros, muito magros e famosos,
Pobres, muito pobres de olhos findos,
Ricos, muito ricos e todos lindos,
Belos ricos, muito belos e charmosos,
Feios pobres, muito feios e piolhosos,
Todos eles são bem vindos,
Espreitam na porta os pobres curiosos!...
Pobreza é feio combustível,
Da máquina solidária em andamento,
Sobre os despojos do consentimento,
Consentindo a fealdade possível,
Beleza em decomposição apetecível,
Apodrecendo no pensamento!...
Feio, feio, é ser-se feio,
E gostar de o ser,
Repugnante sem receio,
Ser-se tão feio e o merecer!...
Pele de seda bem tratada,
Fina seda bem vestida,
Indumentária de marca apropriada,
Ostentação pela miséria alimentada,
Para o anúncio da esmola prometida,
Promessa linda da riqueza amiga,
Vintém de escárnio para o pobre,
Mapa do tesouro para o nobre,
A pobreza de sua dignidade coibida,
Verdade feia do pobre escondida!...
Subjectiva é a beleza,
A indigência é um rosto perfeito,
Perfeita é a pobreza,
Mina de ouro para o Direito,
Justiça deleitada em macio leito,
Berço de oportunista fraqueza,
Mostrengo de egoísta avareza,
Instituição de caridade posta a jeito,
Para o rico toda a riqueza,
Para o indigente nada feito!...
Mas, feio, feio, é mesmo o feio,
Tão feio que feio se vê,
Ao ver-se feio de tão feio,
Sabe que é feio sem saber porquê;
Talvez nem seja tão feio assim,
ou até um pouco mais,
ou até um pouco mais,
O mais feio dos animais,
De todos eles o mais ruim,
Descaro de ruindade feia sem fim,
Vendido a quem lhe paga mais,
Veneno à mesa de ricos comensais!...
A beleza é subjectiva,
Para a mentira pode ser muito feia,
Para a verdade feia e meia,
Para ambas uma feia atractiva;
Beleza da pele admirável que cativa,
Derme que esconde varicosa veia,
Falsa beleza de muita podridão cheia!...
Feio, por mais feio que o seja,
Pode ser lindo aos olhos de quem o deseja,
Para os olhos dos olhos é o que parece,
Mesmo que pareçam olhos de inveja,
São olhos da Alma do qual padece!...
Feio, feio, é ser-se feio,
E gostar de o ser,
Repugnante sem receio,
Por ser-se tão feio e o merecer!...
Feios, feios, são pessoas sem coração,
Pessoas a apodrecer na cara feia de sua razão!...
..
.
Ler os poemas d’Alma sempre foi um desafio para mim, principalmente por minha cultura. Mas já há alguns dias que tenho pensado nessa leitura como um sentimento que experimento, provocado pelas sensações e pelas marcas que ela me deixa por toda a vez que concluo um comentário em seus poemas.
ResponderEliminarÉ como se a mesma poesia que inunda sua vida e preenche a página de ‘d’Alma’, também preenchesse a minha vida, e num movimento circular, de repente me sinto apta para compartilhar de seus dramas, de suas inquietações e de suas angústias, ao mesmo tempo em que questiono a mim mesma qual é a minha importância dentro daquele contexto.
Ou poema.
E a pele, a acusar o recebimento da mensagem, arrepia a alma e me faz então acreditar que não foi apenas uma leitura, mas uma experiência pela qual acabei de passar.
Porque antes de serem poemas seus, são poemas de seus sentires, suas expressões e seu modo de se comportar e experimentar o mundo em que vive. Mas a partir do momento em que passam a configurar em d’Alma, deixam de ser seus, para se tornarem nossos: seus leitores.
E o que fica é a sua experiência marcada em mim.
Parece que os versos estão ali como armadilhas, para provocar meus sentimentos e não sei como, voltar-se contra mim. Quase nunca a favor. Cada palavra desconhecida, e são muitas, é um caminho ao conhecimento e sempre ganha nome à beleza das coisas mais simples da vida.
Seus contrários, nunca contraditórios, reforçam a ideia da importância aos valores e à dignidade, no compromisso com a ética e com a moral. Uma ética que parece mais sua que minha, é verdade. Pelos dedos. Mas que em algum lugar consigo transportá-la ao meu mundo e vivenciá-la como sendo também a minha ética.
[...]
“Belo...” e “feio...” são dois poemas distintos, mas que, ao serem lidos em seguida, passam a ideia de que um nasceu do outro, ou que um não existe sem o outro. A filosofia que está inserida em ambos os poemas é a marca indelével da poesia d’Alma, bem como a energia empregada em seus versos.
O que me leva a concluir que, não tanto pela comunicação que os dois poemas estabelecem entre si, mas pela significação que d’Alma atribuiu a um e outro, a visão crítica e poética, apesar de trabalhar conceitos de interesse coletivo, é própria à personalidade e ao estilo de vida de seu autor.
E se tudo se resumisse a essa visão [“Belo, belo é ser-se lindo, / E gostar de o ser, / Admirar seu sorriso, rindo, / Ser-se belo e o merecer!... // Belos, belos, são pessoas com coração, / Rejuvenescendo no rosto belo da razão!...”]. Ou se mais homens tivessem a mesma visão [“Feio, feio, é ser-se feio, / E gostar de o ser, / Repugnante sem receio, / Por ser-se tão feio e o merecer!... // Feios, feios, são pessoas sem coração, / Pessoas a apodrecer na cara feia de sua razão!...”].
Mesmo eu, se a beleza, independente de um atributo físico, pudesse se resumir à imagem refletida no espelho, à revelia do que vemos, ou mostramos, mas tão só, e somente, à essência do que somos. E originariamente mostramos. E se, considerando o que a poesia me faz sentir, me esquecesse de minhas pernas tortas, ou de meu imenso nariz em desequilíbrio com minha baixa estatura, e em razão de meu amor próprio e de minha autoestima, desse valor, ou aprendesse a valorizar o que me vai pela alma, atenta ao meu comportamento e às minhas atitudes, pela maravilhosa liberdade de escolha consciente. E se...
Exatamente como d’Alma o faz, pela filosofia ou não, mas, sobretudo, pela poesia que ele, cuidadosamente, me pede para experimentar.
E tudo isso porque você escreveu um poema. Ou dois. E para cada um deles, conferindo um horizonte às palavras, deu-lhe vida.
Cumprimentos.
¬