domingo, 30 de dezembro de 2018

Como Outro Dia Quaqluer

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Não estava frio,
Nem estava vento,
Estava um dia cinzento,
Como outro dia qualquer…
Não se ouviam vozes do rio,
Cheio de silêncio e tão vazio,
Tépido fio d’água alvacento,
Caudal adormecido e tardio,
Como outro rio qualquer…
Não se via um sentimento,
Não se via no olhar o brio,
Vestígios de um lamento,
E nem por um momento,
Se fez luz, se fez sombrio,
Apenas esse passar lento,
   Como outra vida qualquer!...


Nem frio,
Nem vento,
Apenas cinzento,
Tanta vida por um fio,
Traçada na folha do tempo,
   Como outro dia qualquer!...



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quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Talvez Apostasia

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Lá do alto, onde a cegueira o via,
Ele observava do seu altivo olhar,
Do alto a baixo, fé perpendicular,
Uma linha, o caminho da idolatria,
Perfeito em sua forma de fantasia,
Até que algum corte fizesse falhar,
     Tanta fartura de fé, luz de cada dia!...


Pura, a carne virgem na horizontal,
Deitada num desejo que a despia,
Fitava o brilho do que a confundia,
Todas as estrelas do seu céu carnal,
O desejo e a confusão,
 O pecado e a confissão,
O medo do corte, castigo corporal,
E o sangrar do corte que não queria,
Corte que já fora perfeito e vertical,
O seu acto de contrição,
  Talvez a liberdade, talvez apostasia!...
 
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sábado, 14 de julho de 2018

Indiferença

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Indiferente,
Logo à nascença,
Da vida inconsciente,
O seu despertar aparente,
Em silêncio, destino e sentença,
Do seu próprio destino ausente,
Fortuna ou desdita, indiferença;
Fechado em si, se deixou ficar,
Num sono sereno, sem dormir,
Suspenso em seu voo sem voar,
Sem saber como o vento sentir,
Ou daquele estranho sono sair,
 Sem aprender a querer sonhar,
     Com o pranto ou um leve sorrir!...

E ali ficou,
Até que veio outra doença,
Doença indiferente que o abraçou,
Com ela veio a morte que quase o levou,
Nem a morte venceu sua indiferença,
     Indiferente, pouco lhe importou!...

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terça-feira, 3 de julho de 2018

Azar de Truta (Morte do Espírito da Pesca)

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Eu sou o rio,
Sou o pescador,
Eu sou quem me rio,
Do rio que se ri de mim,
Rio sem nascente, rio sem fim,
A transbordar de um cacifo vazio;
Cheiram as sujas águas a abafado bafio,
Aprisionadas num oceano de tratado fedor,
Há centenas de esfomeadas trutas ao dispor,
   Lançadas à fome por um pescador tardio!...
    
Acordaram as trutas muito cedo,
Dizem que algumas nem dormiram,
As trutas não sabem morrer de medo,
Morreram no cemitério onde caíram
Resignadas, entregam-se sem luta,
E muitas outras do rio saíram,
     Salvas pelo azar de truta!...

Há um pescador aborrecido,
Em sua pasmaceira absoluta,
    Do espírito da pesca desprovido!...

 

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