sábado, 23 de setembro de 2017

Água de Guerra

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Vens tu, amor,
Desces os montes,
Passas por baixo das pontes,
Corres livre de qualquer estupor,
    O estupor que te bebe nas fontes!...

Vens tu, fresca e cintilante,
Por entre os pedregulhos do rio,
És de todos, és uma presente amante,
Um amor cristalino e refrescante,
Corres livre das margens do cio,
    Insinuas-te à sede, radiante,
        És saciar aconchegante!...

Vens tu, em tua forma de escorrer,
Orvalho vivo das manhãs adormecidas,
Por ti, não se importa a sede de morrer,
Luta o mundo para um pouco de ti beber,
Morrem tantas lágrimas já ressequidas,
Do bem comum que és, escondidas,
Escondem-te do direito de viver,
Vivem crianças, por ti, suicidas,
    Morrem por não te ter!...

Vens tu, amor,
Inocente sangue da terra,
Sangue do poder do estupor,
Estupor que sedento de guerra,
Em sua sede de poder te encerra,
    E por ti dá a beber só a dor!...

Dias de desespero virão,
Dias a transbordar de mágoa,
Dias que nas veias anoitecerão,
    Dias de sede, desertos sem água!...
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terça-feira, 19 de setembro de 2017

Frio Calor do Amor Tardio

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Quando o frio te procura e te aquece,
Talvez já nada soubesses sobre o calor,
Atravessa-te um arrepio e desaparece,
Temes que seja um calor que arrefece,
Beijo insensível duma sensação de dor,
Um beijo que te gelou e por ti regresse,
    Volte como fogo para gelar-te de amor!...

Este frio de outono que te acaricia,
Talvez seja lume, um sinal de vida,
Uma quente emoção esquecida,
O amor de quem já não sabia,
   Da paixão em gelo derretida!...

Esse frio,
Amor prematuro,
De algum calor vazio,
Aparente, egoísta e vadio,
Esse sol de verão imaturo;
Este Outono, gentil e bravio,
Talvez nostálgico e inseguro,
Folha caída, talvez sombrio,
Seja Luz, calor e futuro,
  Esse amor tardio!...

Quando o frio começa a perder-se por ti,
Manifesta-se numa lufada faustosa e feliz,
Baila entre belas árvores despidas e sorri,
   Vês o bailado de folhas que voam e sorris!...
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terça-feira, 12 de setembro de 2017

HOSPITAL (Familiar Cais do Inferno)

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Mais, sempre mais,
Espera a morte no cais,
Veste-se a morte de timoneiro,
Vende salvação a troco de dinheiro,
Por dinheiro anestesia a dor viva dos ais,
Pode ser médico ou santo milagreiro,
Ou, aos médicos das barcas, iguais,
    Iguais ao desprezo de enfermeiro!...

Azar da sorte a quem o azar calha,
Calha a quase todos, sempre cedo,
Mataram o “olha que Jesus ralha”,
E, qual esperança feita de palha,
Há o inferno que mete medo,
Fogo que arde em segredo,
Chama, inferno e mortalha,
Condenação ao degredo,
    Ai, que Deus lhe valha!...

Fardas inocentes de mau agouro,
Batas brancas de branco imaculado,
Alimentam o insaciável comedouro,
É o infeliz doente mal alimentado,
Com o destino nunca imaginado,
    Com que alimenta o matadouro!...

Há um espectáculo que distrai,
Assiste uma plateia de doentes,
Há mais um doente que cai,
Riem Estados entre dentes;
Filhos, de alívio suspiram,
Da sua ingratidão muito rentes,
Juram que seus doentes nunca viram,
E, se por tão abandonados eles caíram,
Levantam-se os filhos, de suas culpas ausentes,
Silenciosos, agradecem aos carniceiros confidentes,
    Que, com eles, a morte do fardo consentiram!...

Mais, sempre mais,
Em cada hospital há um cais,
Onde, na barca, aguarda o barqueiro,
Que, a troco do tão sujo e vil dinheiro,
Leva para o inferno os derradeiros ais,
     Antes que a salvação chegue primeiro!...
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sábado, 9 de setembro de 2017

Adopção do Homem Abortado

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Estranhos dias estes, de sentir,
Dias de faz-de-conta e desdém,
Estranhos dias que hão, de vir,
Estranhos os dias de confundir,
Dias de serem homens, porém,
Dias de serem iguais, também,
Dias com o direito ao coexistir,
   Dias de ser homem e ser mãe!...

Estranhos homens, estranhos,
Grávidos de erros tamanhos,
Estranhos homens, abduzidos,
Grávidos de erros consentidos,
Estranhos, carneiros, rebanhos,
Grávidos de vazios desempenhos,
    Estranhos carneiros concebidos!...

Somos adoptivos desta sociedade,
Somos irmãos do que ela adoptou,
Adoptada, a mentira virou verdade,
E se a essência, por defeito, pecou,
Excesso de mentira virou igualdade,
Igual, por diferente, foi o que ficou,
    Ficou o inteiro reduzido a metade!...

Estranho homem este que se abstrai,
Homem que de ser homem se abstém,
Homem que a outro homem chama pai,
   Homem que a outro homem, chama mãe;
Estranho o que não se distingue,

Estranho o que do vazio vem,
Estranha palavra que se extingue,
   Estranha mulher grávida de ninguém!...
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segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Flor de (res)Peito Exposto

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Todas as flores são bem-vindas,
Ao coração onde flores florescem,
Todas as cores dos olhos são lindas,
Se na cor dos olhos elas acontecem;
Mas, vão os olhos esquecendo sua cor,
Vão-se da memória vivas cores do amor,
E é nos jardins que as flores adoecem,
Ao verem nos olhos pétalas de dor,
   Que olhos sem cor esquecem!...

Levam flores brancas no peito,
Do coração nas mãos emana toda a cor,
Elevam-se até ao alto com alegre respeito,
Lá, no Altar, desaparece o medo da dor;
São flores a todas as cores fiéis,
Degraus, seiscentos e dezasseis,
Um a um, acariciados pelo crer merecedor,
Há fontes, e pura arte de incalculável valor,
Gigantes, uma estrela entre reis,
Ateus e crentes em todas as leis,
Há água fresca, sereias e fresca luz interior,
Há árvores e flores de Fé postas ao dispor,
Há a esperança no fim de pecados cruéis,
   Há um coração de luz cheio de amor!...

Há o coração de todo um povo satisfeito,
Feliz por ser amado pelo amor tão perfeito,
Florido no humilde coração tão acolhedor,
Esse carinhoso coração de Mãe, eleito,
    Pela reflorescente paixão do Criador!...

Todas as flores têm um lindo rosto,
Há em cada rosto, flores de apego,
Há um respeito mais puro exposto,
    No peito da linda flor de Lamego!...



Todas as flores são bem-vindas,
Ao coração onde a mais bela flor floresce, 
 Esse jardim que todas as flores faz lindas!...
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quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Degraus da Fé... (essas Pedras de Coração Aberto)

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Às vezes, dava por mim perdido,
Ali, num lugar privilegiado da história,
À procura das estórias de santo sossego;
Embala-me cada degrau onde me aconchego,
E subo entre memórias ao encontro da memória,
Seguindo a luz padroeira que amamenta a trajectória,
   Até ao efeito mais profundo, lá no alto de Lamego!...

A mais pequena pedra de cada monumento,
Era uma pequena parte do rosto de alguém,
Quase podia sentir em mim, cada momento,
Olhares das almas gravados num fragmento,
Meus olhos procurados pela alma, também,
Para serem as testemunhas do sacramento,
    E, juntos, subirem até ao amor de Mãe!...

Imagino incrustar-me no rosto da fé anunciada,
Esculpir-me na promessa e ser degrau contemplativo,
Sentir as dores sobre cada degrau de dívida saldada,
E obter uma resposta diferente da sempre dada,
Por cada lágrima de pedra no rosto meio vivo,
Uma atrás de outra lágrima ressuscitada,
   Até ser divino remédio compassivo!...

Aproximo-me, pé-ante-pé,
Observo pecados intermédios,
Assediadores são vítimas de assédios,
Mercadores crentes no amor da sagrada Fé,
  Em Nossa Senhora dos Remédios!...
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quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Amanhecer conTigo... a Prece

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Hoje sinto-me feliz aqui,
À espera que assim continue,
Espero-Te, sempre imerso em Ti,
Emergindo da tua luz que sempre vi,
Ainda que à escuridão me habitue,
     Pela renúncia que nunca pedi!...

E não Te peço,
O que não sei como Te dar,
Na incerteza do que Te ofereço,
Sem saber se teu amor mereço,
     Como merece quem sabe amar!...

Talvez eu não saiba se mereço,
Teu amor que não sei merecer,
Tão incerto disto que pareço,
Nesta angústia de parecer,
Ser incapaz de reconhecer,
  Que em Ti me reconheço;
Por cada dia que amanhece,
Quando em Ti não sei amanhecer,
Nosso coração amanhecido entristece,
Desiste o dia triste e logo anoitece,
Põe-se nossa luz ao entristecer,
Ajoelhamo-nos ao anoitecer,
Ilumina-nos nossa prece,
    Luz que volta a renascer!...

Se mereço, não sei,
Amanheço por tua bondade,
Pouco mais sou do que Te dei,
Ser, agora, o nada do que serei,
   Ser digno da Tua doce piedade!...

Ai, este amanhecer de primavera,
Hoje sinto-me tão feliz aqui,
Sou feliz à Tua espera,
 Feliz ao pé de Ti!...
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domingo, 20 de agosto de 2017

Relatividade do brilho... e da Teoria

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Cai tudo do céu,
Até o horizonte de lá cai,
Um coelho divino cai do chapéu,
É magica a mensagem que de lá sai,
De uma estrela há o brilho que se abstrai,
   A vaidade exibe um brilho como troféu!..

Caem sombras de pedras do chão,
Caem sobre a relatividade da teoria,
O céu caiu da sua pura concepção,
Imolam-se as nuvens em aflição,
    Pelo inferno que do céu caía!...

No horizonte, já muito brilhantes,
Cheias de brilho, as estrelas absolutas,
São relativas virgens, tal como dantes,
Como relativas são algumas putas;
Talvez que ao caírem, por instantes,
Tão cintilantes quanto impolutas,
Sejam puras como diamantes,
Ou sejam apenas amantes,
Em seus céus de disputas,
    Estrelas do céu distantes!...

Cai tudo da terra inocente,
Tudo cai sobre a mesma terra,
A inocência morre lentamente,
    Na paz do céu, palco de guerra!...

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quarta-feira, 16 de agosto de 2017

Do Calor do Gelo ao Degelo da Verdade

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Nada!..
Nada é o que parece,
Nada é do que parecia,
Nada, do que eu quisesse,
Por mais que sábio se soubesse,
Pouco mais foi do nada que dizia,
E tudo se ficaria pelo que dissesse,
    Até à relatividade de um certo dia!...

Do frio à fria morte do frio global,
Dos icebergs ao congelado pesadelo,
 Do degelo do Sol ao inferno do gelo total,
Das queimaduras geladas ao frio apelo,
Do fogo que derrete na antártida bocal,
Até aos glaciares da palavra diagonal,
     Conservada no mais sólido gelo!...

Aftas e outras úlceras bocais,
A frieza do calor e a febre infernal,
A doença secular dos nossos ancestrais,
Convencer os aviões a amarar nos cais,
Conseguir pôr um barco num voo colossal,
E antes que que o mundo se aperceba do ritual,
Fenómenos inconcebíveis de manipuladores globais,
Ditam a queda de cada mundo, a queda mundial,
Depois do princípio das verdades mais irreais,
Gelo e fogo de existência transcendental,
    Sem contestações fundamentais!...

Tudo arde sem arder,
Sem arder tudo vai ardendo,
Queima-se a verdade sem saber,
   E sem saber vai a verdade morrendo;
Como se a mentira ao degelar,
  Em vez de líquida se tornar,
   Na mentira fosse fervendo,
      Para logo se evaporar!...
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domingo, 6 de agosto de 2017

As Bêberas...

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        Amigos…    
Gosto mais de bêberas do que figos,
Grandes, brancas ou mais escuras,
Alongadas e maduras,
Gosto de palpá-las,
Quase esmagá-las,
Madurar cada bêbera verde de amarguras,
Acariciá-las!...
Amigos…
Imaginem a figueira de todos os perigos,
Bêberas doces de maduras, sem abrigos,
Sem línguas que lambam suas doçuras,
Bêberas quentes, ansiosas por ternuras,
Penduradas em seus verdes castigos,
Como se fossem docemente impuras,
Nascidas em figueiras de mendigos!...

Pingos de mel, tão doces são,
Doces são as rachas de figos lampos,
A figueira deu frutos de prazer a Adão,
   Bêberas de prazer com doces encantos!...

Eva, a primeira puta em vez de freira,
Deu a bêbera ao primeiro que homem que apareceu,
Não escondeu a madura bêbera da sua verde figueira,
Deu sua folha a Adão que o seu fruto escondeu!...

Amigos…
Comam bêberas,
   Não comam cus de figos!...
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