terça-feira, 28 de julho de 2015

Ritual da Troca ( Corrupção do Desígnio)



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O soslaio do olhar,
A ordem das coisas, o trocar,
Diabo por Deus, o novo ofício,
A vida, a morte, o querer salvar,
A morte, a vida, o matar,
A inocência e o sacrifício…
O último pecado,
O princípio do fim,
Deus desautorizado,
Proibido de ser Deus, ignorado,
Cisma dos sem Deus…
                                                         Assim!....

Juntaram desejos comuns e os significados,
À volta do medo de uma morte anunciada,
Em silêncio, era outra a morte desejada,
Havia silêncio nos olhares trocados,
Por Deus podiam ser castigados,
A noção da morte trocada,
     Desejos desesperados!...
                
Olharam, inconformados,
 O vivo em julgamento dispensável,
A morte de quem faz falta é impensável,
A vida só devia ser dada aos autorizados,
Todos os pobres teriam os dias contados,
Só o filho de alguém seria saudável,
      Á luz negra dos olhos cegados,
         Da perdida alma insensurável!...

E seria a morte amável,
Se o homem de outra levasse,
Falso desígnio que em vida ficasse,
Em vez da oferta pela morte irrecusável,
Oferecida à morte que noutro homem ficasse,
Em vez do pai, do filho e do marido indispensável,
Mas, não!…
Nem o desapego,
O bruxedo enrodilhado,
Apaziguaria o desassossego,
De tão cego egoísmo embruxado,
Enegrecido pela recusa do desígnio sagrado,
Desígnio de Deus que fora sempre aconchego,
Até chegar a hora do destino marcado,
Esse dia que sem amor nem apego,
Tem por destino ser recusado!...

Juntaram-se à volta da pouca sorte,
Rezaram silêncios cúmplices numa só direcção,
Apontaram o inocente que estava mais à mão,
-Toma-o, ó morte!...
Abraça esse inútil e devolve-nos a paz,
Leva a vida em vão desse que nada nos trás,
Troca-a pela morte do meu, deixa-o ivo e forte!...
Em silêncio, te imploramos que leves o outro, ó morte,
Leva esse pai dos filhos dos outros, só o nosso nos apraz,
    Deixa-nos a vida dos nossos e leva a daquele que nada faz!...

Olharam com condolência,
O vivo!...
Procuraram nele um motivo,
Havia-lhes nos olhos uma confidência,
Encontraram um olhar compreensivo,
E a pena resumida num só substantivo,
Do silencioso egoísmo e da consciência
Ao sentir uma inexpressiva experiência,
     Do merecimento de viver ser subjectivo!...

À noite, a noite silenciosa,
Olhou a madrugada por um longo momento,
À noite, a noite silenciosa,
Olhou o dia e o amaldiçoou, angustiosa,
À noite, na noite de um lamento,
Adormece uma fria lágrima ao relento,
Coberta por uma lágrima piedosa,
  Levada pelo destino sempre atento!...

Ao anoitecer da vida, num dia qualquer,
Todos partirão, sem querer nem alento,
      Mas só quando Deus quiser!...


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quinta-feira, 23 de julho de 2015

A Troca da Razão



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Descodificaram-lhe os níveis de concentração,
Equacionaram hipóteses nulas de sobrevivência,
Pediram à velha humanidade para ter paciência,
Mas já nada havia a fazer pelo reflectivo coração,
O reino do cérebro escravizara-o sem clemência,
Carregou a besta com sofrimentos de falsa razão,
Pena após pena, até à última pena já sem perdão,
Desenganado, exalou um sopro final de inocência,
     E levou consigo seu cérebro, do qual fora a prisão!...

Quando ao coração coagido se dá o pensamento,
E o cérebro recebe ordens para deixar de pensar,
A razão transforma-se num ignaro complemento,
Das falsas dores induzidas pelo falso sofrimento,
Troca-se o coração de ouro que não sabe pensar,
     Pelo vazio cérebro sem razoável sentimento!....
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segunda-feira, 20 de julho de 2015

Rio de Fogo

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Neste maldito inferno frígido de diabólico calor,
Vi com estes olhos que muito vinho têm bebido,
As chamas violaram as águas de um rio perdido,
Um grande fogo apagado, esse infernal estupor,
Atravessar rios a nado e deixar um sabor ardido,
     Incendiou frescas águas e levou consigo o amor!...

Quisera o rio encher-se com o sal das marinhas,
E ser atravessado pelas ardentes sereias ufanas,
Enchera-se de sol, de sal e areias muito fininhas,
Seriam os seus lábios beijados por doces rainhas,
Abriram-se ao fogo, as suas margens mundanas,
Mas, a nado veio o fogo do nada,
Levou o inferno à vaidade afogada,
Desse rio que foi ardendo num mar de chamas!...

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Há uma pequena enseada,
Há enseadas calmas e sozinhas,
Passam as doces águas calminhas,
O rio beija a quente areia enamorada,
     Acaricia-a com suas águas fresquinhas!...
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segunda-feira, 13 de julho de 2015

Pais & Filhos


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Os Pais não gostavam que seus filhos não os compreendessem como eles não os compreendiam!... Compreenderem-se era um exercício impossível, mas continuaria exercício compreensível, à luz do Amor natural que os coincidia numa série de afectos e ligações de sangue e havia sempre a possibilidade da herança da Alma. A carne era o que era, mais tatuagem, menos tatuagem ou tatuagem alguma que resultasse numa relação compreendida ou menos compreendida!... Era na incompreensão, já enraizada do tempo em que nossos pais não nos compreendiam, que compreendíamos a razão blindada de ambas as partes das gerações!... Os filhos sempre perceberam bem porque não são compreendidos, escondendo compreensíveis segredos que todos sabem e que todos sabemos, mas sempre em segredo!...
Um dia, o dia seguinte, é sempre tarde e o dia de ontem foi apenas o dia deles. Um dia só. O espaço, todo o espaço e a falta deles no seu próprio espaço e o espaço que faltava na única falha que os mantinha cheios de um ego translúcido, até ao peito, até ao olhar desconfiado, como se nós quiséssemos ocupar o espaço mais importante que nem eles conheciam, ainda que o pressentissem como um vazio bem protegido de qualquer ocupação, até que fosse ocupado pelo que tivesse de ser. Entretanto, seus olhares eram pequenos véus de fumo que de diluíam no ar de quem os olhasse. Talvez umas partículas muito transparentes, diluídas no desprezo adolescente deles, os jovens diluídos num curto espaço da sua própria natureza, a natureza de todos os que passaram e dos que haveriam de passar por esse traçado onde a luz está, algures, entre o que não se revela, o que custa revelar-se, e a impaciência da revelação descompassada, até à sua consumação imperceptível. Um dia, passaram muitos dia e, simplesmente, aconteceu,
Como se nunca houvesse acontecido,
E se juras houvesse do que houvesse sido,
Nenhum filho saberia explicar o que sofreu,
Sofrimento que deixaria qualquer um aturdido,
Se a consciência lhes mostrasse o que a vida lhes deu,
Não lhes dando o sofrimento que, deles, não fosse seu,
     Apenas dos filhos, apenas dos pais, sem o terem merecido,
Por inocência e sem a menor intenção,
De ferir aquele aconchego do coração,
Bem ninado naquele espaço tão reduzido,
E onde cabia a incomensurável sensação,
De abraçar um Amor sempre conseguido,
Até à desnecessidade de pedir perdão,
Porque, são mães e pais e são o que são,
Parte de um belo mundo incompreendido,
Que, por alguma nobre natureza da razão,
No-lo foi pedido,
E concedido,
Pelos filhos que parte de nós, nos dão!...
Não é justo!... Fazê-lo na perfeição, sem diferenças, exactamente como se houvesse uma escola que os formatasse e formatasse a nossa perspectiva das coisas, do comportamento único, do amor dado incondicionalmente sem nada querer em troca, para além de um pouco do que se dá… um pouco de amor!... Um pouquinho, só, de amor, esse pouquinho que é tanto quanto o que damos e sabemos que eles o têm para nos dar. Talvez, numa ocasião muito especial das nossas vidas em que precisamos mais dele. Um abraço, finalmente, um dia, num momento de felicidade que, se é deles, é nossa!...
 Às vezes somos fracos e, geralmente, somos todos fracos, sentimos uma fraqueza por um sentimento que não vemos manifestar-se nos outros e fraquejamos um pouco mais, escondendo o que sentimos, como se ninguém merecesse a nossa admiração, a nossa amizade, o nosso amor… o melhor de nós!... Somos uma armadilha de sentimentos vingativos em ebulição silenciosa dentro de nós, contra tudo e contra todos e, acima de tudo, que somos nós, contra nós mesmos; como adolescentes que olham, de soslaio, para o olhar do pai e da mãe, como se eles fossem a metáfora ultrapassada do que eles poderiam ser, se fossem como o que vêm em seus pais, esses seres estranhos que tanto amam em silêncio, o silêncio como única moeda de troca, a mesma moeda que os juros transformarão num grande tesouro, a partir de um dia!... Um dia seremos todos ricos, depois de sermos o que resta de um tesouro em plena manifestação de amizade, respeito e amor!...
Entretanto, os pais continuam a gostar dos seus filhos e as mães são uma fonte milagrosa, da qual nasce tudo que sacia uma família. A vida, antes de correr,
 Nasce de algumas lágrimas e escorre,
Pode uma lágrima mostrar-se antes de nascer,
Outra lágrima pode continuar depois de morrer,
Só o que não existe no coração, morre,
E é no coração que continua a viver!..




...Continua...

domingo, 28 de junho de 2015

Douro XXI (As Putas das Castas)

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E na vaidade daquele Douro macio,
Onde se miraram as castas mais castas,
Navegam os rabelos sobre um curso vazio,
Demarca-se o Marquês da demarca do seu rio,
Onde, agora, as putas das videiras mais gastas,
 Perderam as velhas uvas assexuadas de cio!...

A touriga nacional já por demais prostituída,
Nestes bordel onde Baco já caga na Tinta Roriz,
As vinhas são o putedo da colheita mais infeliz,
Ninguém sabe dizer qual a puta que foi incluída,
“A histórica colheita do Douro está perdida”,
Diz o histórico marquês,
Com toda a sua sábia polidez!...
Atrás de uma puta veio outra puta mais sabida,
Trouxeram mais putas para foderem o que se fez,
E, de uma só vez,
A casta do Douro, tida como tida,
É uma puta pior do que o míldio, talvez,
Novas castas de uma vinha esventrada e sem vida,
Essa vida sem raízes, enxertada na estupidez,
    Desaguada num Douro de História fodida!...

Pobre, pobre douro inocente,
Que tantas saudades tens, dos melhores dias,
Das vinhas, dos vinhos e da alma pura da tua gente,
Hoje fodem o teu leito ao longo de estranhas orgias,
Violam-te com as mais estranhas mercadorias,
Vendem-te como quem acha e não sente,
O Douro que foste e que jamais serias!...

E sentes que mentem,
As putas que não se confessam,
Essas castas de putas que não sentem,
O tesão dos teus socalcos onde torpeçam;
Flutuam agora bordéis, antes que os impeçam,
Já não há rabelos fortes e úteis que os aguentem,
Hajam cais firmes que as putas das castas enfrentem,
Cais que não afundem, ainda antes que lho peçam!...


Mistura-se o Douro em gin e na traição de mil licores,
Corrompem-se as águas e suas correntes perturbadas,
Ruby, Tawny e Vintage, são o amor de raízes atraiçoadas,
Os amantes do Douro, embriagados em juras de amores,
Prometeram, no altar dos socalcos, protegê-lo das dores,
Há um Douro sem identidade a vaguear em águas agitadas,
Do seu doce sangue, pouco mais restam do que suas cores,
    A Alma dos Barcos Rabelos está exposta em águas paradas!...
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quinta-feira, 25 de junho de 2015

Voar?!...


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Simples, simples…
Tão simples é o teu leve voar,
O sonho no cume de tua imensa leveza,
Miras-te no espelho de uma vasta beleza,
Ainda mais leve é o teu tão diáfano olhar,
E a luz que envolve tua força indefesa,
Débil até ao volátil segredo de pairar,
E o voo acontece nos braços do ar,
Saboreias o sonho da surpresa,
     Sonhas que o voo vai acabar!...

A realidade debruça-se sobre teu espanto,
Voam leves borboletas que te querem beijar,
Suas asas intermitentes brilham por encanto,
A luz e o brilho do pólen até ao mágico pranto,
A magia da felicidade, a leve magia de sonhar,
As flores suspensas e suas cores de encantar,
Leves como luz tecida na ilusão de um manto,
E, finalmente…
Um clarão potente,
A luz branca e subitânea,
E a falta de forças para acreditar,
Em ambas e na realidade simultânea,
     Realidade do sonho, realidade do despertar!...

Simples, simples…
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terça-feira, 23 de junho de 2015

O Imã e a Diáspora (com decoração)

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Escorre o sangue dourado,
Até à fôrma que molda a consciência,
As medalhas de ouro para a complacência,
Premiam a impostura do homem curvado,
O ouro digno do Povo foi ao povo roubado,
Para condecorar traidores e a aparência,
Parece de ouro o condecorado,
    Ouro vendido em evidência!...

Nada sobrevive no deserto de cada um,
A dignidade prostrada é postura comum,
A terra está lisa até à curva mais áspera,
Do coração já não é extraído ouro algum,
Sangue dos povos fez de ouro a diáspora,
     Há ouro no peito do patriotismo nenhum!...

Imãs desconhecidos,
Com dois polos de atração,
Repelem pobres de outra nação,
Atraem ricos estrangeiros engrandecidos,
E logo que seus sonhos sejam interrompidos,
     Já a pobreza lhes provoca um efeito de repulsão!...

Espalharam-se por caridade e casamentos,
O imã tem dois polos de intenção igual,
Um polo corrompe os pensamentos,
E antes dos justos julgamentos,
      Condecora-se o traído Portugal!...
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quinta-feira, 18 de junho de 2015

A Terra que nos Preenche (Tráfico)


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Assassinados!...
Á facada,
Por envenenamento,
Á pedrada,
Por enforcamento,
Por consentimento,
Por nada!...

Estranho mundo de engravatados,
Estranhos olhos em cada gravata,
Cegos pela indiferença dos atados,
Atidos à riqueza que, nunca farta,
Têm nas mãos o que muito mata,
Poder sobre os apoderados,
Donos de muitas vidas…
    Vidas incumpridas,
Dos raptados,
Dos vendados,
Vendidos e vendidas,
Por bandidos e bandidas,
Por senhores acima de qualquer suspeita,
Os suspeitos do costume e a Lei por eles feita,
A angústia de nada saber e o tormento,
Uma nesga de luz muito estreita,
O apagar da esperança desfeita,
O esmagamento,
A inocência que com as trevas se deita,
Inocência que não dorme, por muito que tente,
O pesadelo do medo desperto,
O extenuante despertar,
A morte,
Talvez a morte,
E a morte bem viva de frente,
A vida na vida de quem a vida não sente,
Um desejo de morrer muito forte,
A morte proibida,
De uma criança perdida,
Que, ainda sem o saber,
Seria, um dia, proibida de viver,
Vivendo na humanidade esquecida,
Esquecida dos dias com amanhecer,
Pesadelo nas noites dos despojados,
     E nem as preces as deixam morrer!...

Na terra que nos preenche com uma estranha altivez,
Onde enterramos a humanidade de nossa consciência,
Brinca uma criança com o seu sorriso e a sua inocência,
Há um silêncio que a vai cercando revestido de placidez,
Na terra que nos preenche cresce em silêncio a mudez,
Entre a serenidade e a indiferença, acontece a ausência,
Perdemos a memória e não recordamos sorrisos, talvez,
Da terra que nos preenche vai germinando a indecência,
     Cresce na terra que nos preenche, a terra por nossa vez!...

Mundo Mudo,
A Vida por nada,
     A morte por tudo!...
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terça-feira, 2 de junho de 2015

Surfar das Giestas (contramão)


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Navegando à flor do alcatrão,
Longe da fresca espuma do mar,
Conto quilômetros queimados no ar,
Vão ficando para trás as cores da razão,
Uma surfista rasga as flores só por diversão
Enfrenta o amarelo da berma que a vai rasgar;
Há giestas que ninguém vê engolidas pelo mar,
O giestal amarelo enegrece-se no coração,
    Uma giesta caída deixou de surfar!...

O mar pediu à onda e ao vento,
Que levasse a brancura da espuma,
Dissipa-se a espuma no pensamento,
Espumam as flores amarelas na bruma,
É volátil a maresia envolvida no momento,
É tão suave a gasolina em volátil movimento,
    O mar tinge-se de vermelho e se esfuma!...

Ficaram para trás as cores da razão,
Há giestas a surfar num florir violento,
    Conduzidas por giestas em contramão!...
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