domingo, 27 de julho de 2014

O Lobo Branco da Estrela


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Os lobos já não são o que deles sempre se esperou,
Guiam as ovelhas cegas como fiéis cães,
Meigamente,
Com dentes da Estrela fizeram-se pastores Alemães;
Um cordeiro pergunta pela irmã que se tresmalhou,
De sorriso vestido um lobo branco para ele se virou,
Docemente:
-Foi imprudente!...
Á sua volta, vestiam novas peles os guardiães,
Com carne nos dentes, o lobo branco, o cordeiro beijou;
   Nos campos brancos cobertos com a lã de muitas mães,
O pequeno cordeiro ajoelhado, com o lobo rezou,
Timidamente,
  E, crescendo, por ali se ficou,
Com a pele que com ele, o lobo trocou,
   Humildemente!...

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sexta-feira, 25 de julho de 2014

Dos Gargalichos até à Lua

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A Lua entrou numa órbita de leiloamento,
Cada olhar romântico terá um preço a pagar,
Olhares apaixonados pagarão pelo momento,
Só os donos da lua flutuarão em banhos de luar,
E ai dos amores que forem apanhados a sonhar,
Toda a luz dos sonhos proibidos irá a julgamento,
Será juiz quem comprou direitos do firmamento,
Os castigos serão o que cada um puder comprar,
     Há planetas nas mãos de um vendedor atento!...

Por cá,
 Onde a água vai perdendo a sua liberdade,
  O vento traiçoeiro vai levando os esguichos,
   Ai, a utopia dada à sede de muitos caprichos,
 Que se evapora na escravizada humanidade,
Alguém vendeu as água livres de insanidade,
    Água que enlouqueceu os secos gargalichos!...

Pela garganta dos gargalichos a céu aberto,
Como um rio, corre sem medo o luar,
Procura uns lábios para os beijar,
Ilumina-se o beijo liberto,
Com a lua muito perto,
      Ao alcance do olhar!...
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segunda-feira, 21 de julho de 2014

Adorável Tristeza Contínua


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Para ser feliz,
Só tinha todos os momentos de cada dia,
Achava que não merecia,
E foi por um triz,
Que em vez de ser o que quis,
Viveu triste como queria…
Deus estava-lhe cravado no sofrimento,
Jesus Cristo era um exemplo que a decorava,
Não tinha a certeza se era a sua morte que adorava,
Ou tristeza de viver a morte a cada momento,
E, abraçada ao seu tormento,
Ali ficava…
Rezando sobre duas chagas de joelho,
Dedicando suas lágrimas à água benzida,
Ao amargurado silêncio do seu espelho, 
   Que reflectia o triste rosto de sua vida!...
Mas as lágrimas, Senhor…
As lágrimas que não a deixavam ver!...
Era tanto o Amor,
A dedicação à dor,
O doloroso entardecer,
A languidez do louvor,
    O macilento amanhecer…
E, sem o saber,
A esperança e o temor,
Sempre à beira de enlouquecer,
 Com a fé na amargura do dia seguinte!...
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quinta-feira, 17 de julho de 2014

Estranha Gente, esta...


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Estranha, estranha, esta gente,
Estranha, ainda que nem tente,
Ser o que por estranheza não é,
Ser palavra de Deus com pouca fé,
Nem tentar sentir o que não sente,
Sentir-se ser mar sem uma única maré,
Enfrentar de costas o que vem pela frente,
Como velho veleiro sem leme e sem velas, até,
Nem tentar ser o vento, do seu propósito ciente,
    E ali deixar-se afundar em águas supostas de ter pé!...

Estranho o quadro salpicado de pintas,
Cada pinta contagiada por salpicos sem cor,
Estranha, a forma informe e o apaixonado desamor,
Dos refúgios em tristes quintais pintados às quintas,
E das quintas como qualquer dia ou seja o que for
   Dias de pintores que estão-se para as tintas!...

Estranho, esse estranho romantismo,
A contemplação da lua no céu iluminado,
Estranha, cada estrela que revive do abismo,
E das lendárias luas iluminadas pelo erotismo,
Do desencanto de mais um príncipe encantado,
Que cavalgava nas frigideiras de fundo anoitado,
E nalgumas histórias de romântico simbolismo,
   Onde só na noite brilhava um ovo estrelado!...

Como estranhar as barbas sem pelos,
Se tão estranhos são os dourados desvelos,
Dos descabelados ourives de cabeludo couro,
Ao descobrir que nem tudo que brilha é ouro,
E procura um barbeiro que já pelos cabelos,
  Cortara o mal pela raiz do mau agouro?!...
Por sorte,
Cortaram-se à morte,
E lá se enforcaram com as que à vida se fizeram,
Outros ourives falam que outros barbeiros houveram,
Que subiram na estranheza da vida à custa do pulso forte,
Pulsos como os de ourives que todo o ouro tiveram,
Quase dourados e de tão verdadeiro recorte,
Já fartos com o que nunca souberam,
Abandonaram o estranho porte,
    E, estranhamente, se detiveram!...

 E é Deus tão estranho nos pregões dos fiéis,
 Tão estranho é o pregão na vaidade do narciso,
Coroado por si mesmo com a bênção de cordéis,
Têm Deus sempre presente no discurso muito liso,
Mas quando o verdadeiro calor humano é preciso,
Quando muita doença e a fome são destinos cruéis,
Escondem-se nos estranhos bolbos, os ricos anéis,
Oferece-se Deus dos ocos com estranho sorriso,
   E a sorrir, com Deus na boca, se sentem Reis!...

Estranha, esta gente,
Com o pão sempre escondido,
Comungando como quem mente,
Egoismo vaidoso de si, e só de si, ciente,
Aceita o divino título a si, só por si concedido,
Encontrando-se em cada pensamento perdido,
    Para acabar por ser esquecido, estranhamente!...
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quinta-feira, 10 de julho de 2014

Veto do Parto


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As parturientes,
Cerram os dentes,
Sem saberem que não vão parir,
A estéril parteira não para de rir,
Vê terra fértil vazia de sementes,
E fértil em iludir,
Anuncia o florir,
De vetos latentes,
    Prestes a eclodir!...

Só queria que tua alma me visse,
Com os mesmos olhos com que te vê,
Olha o pedacinho de terra no meu porquê,
Só queria a semente que de ti em mim surgisse,
Que fosses a resposta merecida, à minha mercê,
     E, crescendo à mercê do meu sorriso, sorrisse!...
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sexta-feira, 4 de julho de 2014

Eutanásia do Pressentimento


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… e a todo o amor agradecido,
Movido por gratos pressentimentos,
Ao pressentir os últimos sacramentos,
Entre a dor aflita sentindo-se perdido,
E a sua morte que tivesse pressentido,
    Pressentiu a sua vida entre tormentos!...

Tão doloroso pressentimento de viver,
Em seu inferno desse suplício tão forte,
Tão perto de si, longe demais da morte,
Refém desse único desejo de morrer,
Seria ter toda a sorte e parar de sofrer,
   Apenas se resta entre a vida e a sorte!...

E o pressentimento que não se finda,
A morte que tritura e esmaga,
Com todas as dores afaga,
   E não é morte, ainda!...

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domingo, 29 de junho de 2014

Entre a Brisa e os Canaviais


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Não faltaram uma e outra cana,
Nem outras canas verdes e fustigadas,
Com que se deitaram no leito de sua cama,
Cobriram-se com uma brisa mundana,
Que serpenteou entre vergastadas,
Das finas canas desconsoladas,
Pela esperança soberana,
    E pela rama cortadas!...

Escondidas sobre a terra e dobradas pela castigada cerviz,
 Ostentada foi a linda rama beijada por brisas inevitáveis,
E cavando o fundo esquecido do desenterro da raiz,
Esmorece alguma árvore profundamente infeliz,
Vendo os umbráticos frutos pouco saudáveis,
 Só existirem em seus delírios inegáveis,
   Desenterrados em cada cicatriz!...

Deitou-se num sussurro de brisa cortante,
Esperou entre a poesia dos seus canaviais,
Talvez viesse a folha que cortasse seus ais,
A brisa trazia desejos da memória distante,
Sentiu as raízes do seu ser por um instante,
E sentiu que sensação assim já era demais;
Demais, era o beijo arrepiante,
Das canas nas brisas matinais,
Transformadas em vendavais,
   E beijos cortados pelo vento!...

Acordaram as canas por um momento,
Por um fresco momento recordaram-se virginais,
   Como canaviais oferecidos à brisa e levados pelo tempo!...
   
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quarta-feira, 25 de junho de 2014

+ ou - 1 Soneto à Portuguesa


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Virou as lágrimas contra a bandeira,
Bandeira triste que também chorava,
Torcera por ela toda uma vida inteira,
    A última lágrima torcida que restava!...

A cor do sangue haveria de ser maior,
Sempre mais viva do que a esperança,
Foi trocado o escudo por algo de pior,
    Armilas caídas aos olhos duma criança!...

E sucedem-se as lágrimas dissonantes,
Choradas pelo pó que as hão de cegar,
    Em desfastios de cânticos consonantes!...

Tudo começou na esperança de ganhar,
  E cega exaltação do antes como dantes,
      Antes do herói que vencido há de voltar!...
    
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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Redondez Esférica de uma Verdade Redonda


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A glória da fantasia global,
Vertiginosa lá do alto do esférico,
O círculo que envolve o estado mental,
As voltas fechadas num vai e vem histérico,
A globalização desse arredondamento genérico,
Que nos dá a volta em voltas da ingenuidade natural,
Quase sagrado com um toque fantástico e quase irreal,
Redonda consagração do feito de efeito mais homérico,
Quem nem Homero, por mais épico que fosse, e brutal,
Não imaginaria arredondar-se nesse futuro quimérico,
E vão rolando glóbulos à volta da redondez financial,
Numa linha que se liga pelo globalismo isotérico,
Onde a se arredonda de igual para igual,
Ou, pelo menos, sem parecer imoral,
Constrói-se herói mesmérico,
       Essa cura esférica do mal!...

Juntam-se mesméricos esferoides de redondo talento,
Compram-se juízes redondos para as globais lavandarias,
As bolas perfeitas são dadas ao povo redondo de sedento,
Arredonda-se a magra verdade ao globo ocular do desalento,
E quando as cores do mundo rolam num turbilhão de hipocrisia,
Que esse globo de gente redonda, tida como alegre mercadoria,
Não ouve o tiro de partida para o primeiro pontapé violento,
Nem sente as esferas que o fazem rolar sobre a idolatria,
      Até ao último tiro no final no mesmo povo cinzento!...

A bolas que rolam no sorriso da estratégia montada,
É um compressor, globo da felicidade, ao que parece,
O povo rodopia e é esmagado como sempre acontece,
Esmagado, continua a ser cor viva da ilusão montada,
    Não vê que a realidade a seria se a realidade quisesse!...
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terça-feira, 10 de junho de 2014

+ de 10 cegos do 10 de Junho


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Visto pelo olho da friesta cega que espreita,
Escorre o breu denso e frio pelas rugas da caverna,
Cobre os olhos rendidos à luz desta cegueira moderna,
Teimam as palavras na voz já muda de tão gasta e suspeita,
Oca e vã, se repete a erodida nesta democracia desfeita,
De homólogo em homólogo, por homólogo se alterna;
Esquecidas foram as searas de patriótico cunho,
E antes que se ergam os nós atados no punho,
Encaba-se o povo cegado que cego se governa,
    Caga-se Camões para este cego 10 de Junho!...

Eram mais de dez cegos em ajuntamento,
Eram mais de dez cegos a ver o que mais ninguém via,
Eram mais de dez cegos numa visão do seu merecimento,
Eram mais de dez os cegos que viam a noite igual ao dia,
Eram mais de dez os cegos em ensurdecedora afonia,
Eram mais de dez cegos em estado de agravamento,
Eram mais de dez cegos a presidir ao julgamento,
Eram mais de dez cegos de cega valia;
Olhavam-me nos olhos, os cegos de viés,
Como se eu não visse o que cada cego não via,
Desprezam o meu olhar da cabeça aos pés,
E era aos pés do olhar que cada cego caía,
Quando sofria sua cegueira um iluminado revés,
Era um cego só, que com os outros cegos se ria,
     Só de cegos a ver o que viam, eram mais de dez!...

Visto pelo olho da friesta cega que espreita,
Escorre uma noite densa sobre o olhar da cegueira,
Uma bandeira arde ao sabor de uma cega elite eleita,
Ondula aos olhos de um cego que pouco a respeita,
    Não vê o cego, as cores que ardem numa fogueira!...
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