sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Bolbo e a Leitura


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Talvez quisesse esquecer o primeiro livro e o prodígio das primeiras letras em sucessão soletradas!... Todas as árvores maiores chegavam ao céu azul, tão perto dos olhos, esses seus bolbos enxertados a meia dúzia de palmos, acima das primeiras palavras. Nunca se moldara à fantasia de um bolbo mágico a florir por cada leitura, mas era espantoso restituir-se como uma tendência irresistível. Devolvia-se ao esquecimento do nascer e não se lembrava da florescência, apagada pelo género singular do que lia… dos outros, que a escreviam sem a descreverem nos livros únicos sem conta!... Aceitava-se adnascente em perpétuo parto entre o futuro das pétalas imaginadas e o ângulo resguardado sob a folha. Quase se amava ao vislumbrar o gosto aparente desse pré-ponto de vista, quase vegetal, espreitando da folha e da folha da esperança em…
Escrevê-la,
Ao vê-la,
Resguardos escritos,
E descritos… na fantasia de sê-la,
Ser a folha e as palavras reivindicadas;
Depois os gritos,
A voz periférica dos tempos aflitos,
Da aflição do verso,
E do reverso,
Do verso e reverso das folhas rasgadas,
Da maldição dos veios benditos,
Ou o benfazejo dos verbos malditos…
E o crescer do universo...
O voo insaciável da ave de penas escanadas!...
A infância do mito e o mito das infâncias vigiadas pelas letras, pelos vocábulos atentos e a imposição do exercício. Depois veio a anestesia do gosto e do amor e mais amor, indiferente ao tempo, como se não existisse, nem o tempo nem a consciência da razão. Apenas o pensamento aprisionado na sensação oferecida pela misteriosa existência dos outros e de alguém sempre presente, fora e dentro de si, excluída do princípio e do fim do tempo e sua sensação de ausência infligida…
…A eternidade,
E outra vez a vez infantil esquecida,
A identidade…
A perda da vontade,
E a vontade cada vez mais forte de ler-se perdida,
Reencontro com a nova página onde lia promessa de outra página prometida,
E em cada próxima página, a revelação da verdade,
O adiamento,
Sem atraso,
O adiantamento,
A eternidade por acaso…
Toda a cultura adquirida,
O nascer do ocaso,
E da vaidade…
A realidade do bolbo ou do eterno rebento protegido pelo sentido lato das axilas pintadas na árvore milenar, já não tão próxima do céu menos azul. E das partículas de pó, essas letras sacudidas da poeira das palavras que não eram suas, quase à altura da fé enfraquecida no contínuo bolbo cheio de esperança, mas nem tanto...
Sem o espanto,
Nem a conquista do saber,
Incapaz de libertar-se do aprender,
Se alguma vez soubesse do encanto,
Que seria parar de ler,
E ler-se,
Escrever-se,
Partindo do desencanto,
Até ao tempo todo, sem eternidade, da eterna procura do significado do seu ser, do seu pensamento livre, livre da influência das palavras dos outros, do pensamento dos outros e da exclusiva existência dos donos das tendências!...
 E o Bolbo seria a sua história da própria árvore!...

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terça-feira, 25 de junho de 2013

Sardinhas



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Há um cerco apertado a Portugal,
Em pescas de cerco dos tubarões,
Afogam-nos numa dívida colossal,
Amargamos o mar salgado e o sal,
Dos pescadores iguais a mexilhões,
Vendidos aos polvos, seus patrões,
    Enlatados em subsídios de quintal!...

Ajoelha-se o coração do pescador,
Perante o ómega-3 da sua rainha,
Jamais se atrevera pescá-la à linha,
Dedica-lhe todo o respeito e amor,
Pela boa maré do mar, seu senhor,
Grato a Deus que vele sua vizinha,
     Reza por ela à espera de seu sabor!...

As lágrimas desaguam em alto mar,
Resta o sal dessas marcas salgadas,
Em cada olhar há lágrimas pescadas,
Barcos em terra dispostos a navegar,
     Afundaram-se entre redes enterradas!...

Bem gorda e tesa como um carapau,
Desfila na voz de uma linda mocinha,
Faz-se o oceano na boca, pela rainha,
Cede e desce do trono o rei bacalhau,
   É junho que chega e reina a sardinha!...
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sábado, 22 de junho de 2013

Vazio dos Trapos

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Áridos olhos, aqueles,
Deserto de trapos do tempo sacudidos,
Evaporar-se em vida já não vêm, eles,
Espelhos cobertos de trapos!...
Cerzidos os velhos remendos, neles,
Tropeçados pespontos no tempo caídos,
Recuo nos farrapos do viço descosidos,
Cosidos os olhos por cílios deles!...
Espelhos cobertos de trapos!...

Emurchecem secos, os ditos, em fiapos,
Descosendo-se o limite, rasgando se vai,
O rasgado pedaço da língua cosida se cai,
Palavras se costuram na língua de trapos,
    O ser o que foi que naquilo que é se trai!..

…como se uma toalha do mais puro linho,
Não passasse de um envelhecido retalho,
Tão só é ser toda a solidão num pedacinho,
Aberto é o ponto retalhado pelo bandalho…
Irreflectidos no ser, sem o ser, os farrapos,
Remendados a sós, os títulos prostituídos,
   Áridos são os espelhos cobertos de trapos!...

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