quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Rabo de Palha

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É, em si mesmo, um ácido ferrolho,
Penetra no marco meigo de quem calha,
Desliza entre as cores de qualquer olho,
Enraíza-se e da colheita faz-se restolho,
Acusa o salgado suor de quem trabalha,
De ser culpada e uma criminosa navalha,
Esqueceu-se de por as barbas de molho,
     Tentou esconder os seus rabos de palha!...

Passaram ceifas e férteis colheitas,
Algumas mal sucedidas,
Colheitas perdidas,
Searas desfeitas,
Pelo desleixo traídas,
Por acusações suspeitas;
Escondiam-se contas às contas feitas,
E antes que as línguas não ficassem tolhidas,
Ceifavam-se outras línguas, às injustiças sujeitas,
    Oferecera o silêncio de abastadas colheitas prometidas!...

Deus me valha, Deus me valha,
Deus me livre desse jeito demagogo,
A justiça é preguiçosa mas nunca falha,
Adormece muitas vezes envolta em fogo,
Acorda no meu longo e seco rabo de palha,
   E às minhas barbas, que água lhes valha!...
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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Segredos


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Há tanta confidência escondida no segredo,
   Há tanta revelação autorizada pela liberdade…
Há tanto medo,
Há por aí uma criança que é um sigiloso brinquedo,
Há tantos brinquedos secretos sem nacionalidade,
Há tanta sigilosa verdade,
Há tanto clandestino desassossego,
Escondido em nostalgias de sossego,
   O silêncio dormente de saudade!..

Não digas a ninguém que eu te disse,
Os deuses poderosos não quiseram que eu visse,
Vislumbrei segredos que mais ninguém quis ver,
Adivinhei o que foi e não era que era para ser,
E ainda antes que a verdade se pressentisse,
Caiu um silêncio de morte antes de morrer,
Algo inocente morreu antes que caísse,
    Caiu na morte o segredo de viver!...

São infinitos, os segredos por contar,
Vou contar-te o segredo da poesia silenciosa,
É com o silêncio da Alma que tu deves escutar,
Vou revelar-te o segredo da paz harmoniosa,
    Nunca guardes segredo do poder de amar!...
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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

O Bem da Maldade


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Se os miseráveis inchados de maldade,
Soubessem o bem que, por maldade, fazem,
Teriam orgulho no limpo reflexo da sua bondade,
     Em vez da imagem miserável que consigo trazem!...

Á sua passagem, abrem-se em veredas de espinhos,
Fazem-se caminho até aos lábios cerrados do abismo,
Mordem-se com seus dentes de apertado egoísmo,
Enquanto espreitam a queda de todos os vizinhos,
Evaporou-se a pura água benta do seu baptismo,
   Não os empurrem, eles caem sozinhos!...

Por maldade,
Tanto bem fazem,
Esvaindo-se em bondade,
     Que consigo não trazem!...
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quinta-feira, 11 de agosto de 2016

Sem Medo das Palavras

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Desafiava a palavra mais forte,
Encarava-a de frente,
E, de repente,
Num golpe de fino recorte,
Sem perder o porte,
Desferia um golpe certeiro na língua da serpente,
Cortando-lhe o verbal veneno da bifurcada sorte,
Para que a crua verdade ficasse bem assente,
     No traje da vida e na nudez da morte!...

Assim viveu,
Sem medo das palavras ditas,
Sem medo do que sempre foi seu,
   A vida das suas palavras escritas,
      Palavras vivas com que morreu!...
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domingo, 7 de agosto de 2016

Autómatos de Deus

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O autómato sintomático,
Com sintomas de automatismos,
Faz um discurso automático,
Cheio de preciosismos!...

Invoca automatismos de Deus,
Como se os autómatos fossem todos ateus,
Faz-se crer um enviado de deus e autónomo,
Sabendo-se um religioso heterónomo,
De automatismos que não são seus,
Preçário automático de fariseus,
Preço de obediente ecónomo,
   Títere articulado por judeus!...

E não faz perceber que se apercebe,
De ser um frio autómato programado,
Em sua celebração os autómatos recebe,
  Fala-lhes dos autómatos, mas nunca da plebe,
Esse rebanho autómato por autómatos orientado,
Automatizando a liberdade desse cordeiro sacrificado,
Obrigado a ser autómato que sangue de Cristo bebe;
É o corpo sem alma,
Corpo que se espalma,
Entre a prisão e a consciência,
Onde se move com triste calma,
Envolto nesse véu de reminiscência,
Quase Espírito sem coexistência,
     Que a razão autómata desalma!...

Passo a passo,
Assoberbam-se do seu Deus,
Nada mais cabe em corações seus,

  Nem para a verdade de Deus têm mais espaço!...
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quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Apresuntação

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Eu sou a vossa porca esperança,
 Apresunto-vos meus amigos suínos,
Meus amigos, são deles, amigos genuínos,
Dignos lobos de sua santa e farta confiança,
Apresunto-vos meus irmãos divinos,
   Deuses da vossa governança!...

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sábado, 30 de julho de 2016

Eterno Amamento Admirável

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Aquele momento que todos julgavam impossível,
Mãe improvável que, pela primeira vez, amamenta,
A bênção do coração, milagre do amor e a placenta,
Tempo imóvel em torno da felicidade indescritível,
   Ninado de admirável ternura em câmara lenta!...

E o tempo, nele perdido,
Dele mesmo se esqueceu,
Enternecido,
Do momento seguinte esquecido,
À eternidade improvável se deu;
E a mãe improvável,
Desenhada num sorriso admirável,
Amamentando o filho seu,
   Para sempre insaciável!...
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quinta-feira, 28 de julho de 2016

Margem - Espuma da Nostalgia

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Contemplava aquele rio com uma só margem,
Sentado à beira do outro lado, uma miragem,
Mesmo lado da outra margem que era só uma
Por ali acima, a água entre margem nenhuma,
Corria debaixo de nenhuma sucinta passagem,
      Ponte, talvez, que unia as margens de espuma!...

Deitou-se no movimento transparente do leito,
Sob transparência de uma lágrima de nostalgia,
Fez-se rio, fez-se a margem firme em seu peito,
 E ponte atravessada sobre o rio que percorria!..
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segunda-feira, 25 de julho de 2016

Doce Vinho de Rosas Brancas

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Vossos néctares de castas francas,
Gratuitos vícios de fragrâncias mil,
Transformaram-se em água vil,
    Leve vinho de rosas brancas!...

Nasceste rosa,
Cresceste entre vinhas,
Foste uma videira graciosa,
Quiseste ser poética prosa,
Poema nas entrelinhas,
    Poesia silenciosa!...

Cuidaste de todos os jardins,
Colheste as tuas uvas saborosas,
Esmagaste-as e fizeste-as ditosas,
Confundiste vinhas com jardins,
Em teus roseirais deste festins,
    Jardins de brancas rosas!...

Acabaram as rosas no fundo de um copo vazio,
Sem uma gota d´água que lhes matasse a sede,
Embranqueceu o fígado num branco jardim frio,
   Rosas ébrias, entre brancas pétalas e a parede!...


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quarta-feira, 20 de julho de 2016

Vazio Abismal

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O abismo faz-se entre os nossos desvios,
Faz-se alma inerte no vão do nosso peito,
Escurecem penhascos no vazio imperfeito,
É interminável a queda de corações vazios,
    Perdidos no abismo solitário do vazio leito!...

A queda interminável,
Talvez o vazio abismal,
A desistência e o mal,
O medo inconfessável,
     O vazio da queda final!...

Houvesse um pouco de amor,
Que nos concedesse o favor,
De ensinar-nos a amar,
E aprender a ensinar,
A ver o Criador,
    E amor criar!...
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